Para o cientista político Ricardo de João Braga, a demissão do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi, de um lado, a única coisa que o presidente Lula poderia fazer: afastar alguém com fortes suspeitas de ter incorrido em conduta grave, inclusive para a pessoa eventualmente provar sua inocência. Do outro, o episódio mostra a limitada margem de manobra com que opera um governo dependente do apoio de forças políticas distantes do seu espectro ideológico.
Ricardo compara o comportamento do Palácio do Planalto no caso Silvio, que ele considera a pior crise interna até aqui enfrentada pelo atual governo, com a maneira como o governo agiu em relação ao ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), indiciado pela Polícia Federal por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. “Nesse caso, que teve bem menos repercussão, Lula deixou de agir não por falta de vontade, mas por falta de condições políticas”.
“Isso demonstra onde está a margem de manobra do Lula”, prosseguiu. “Para lidar com quem está sob o guarda-chuva dele, ele age rápido. Para lidar com quem está fora do capital político dele e do PT, a crise pode machucar menos, mas é mais difícil de resolver porque envolve o Centrão e outras forças políticas”.
De qualquer maneira, acrescenta, as denúncias que associaram o agora ex-ministro a práticas de assédio moral e sexual são “muito impactantes” e causaram “um prejuízo bem grande à luta por direitos humanos, incluindo questões como gênero e raça”.
“Há um aspecto que não tem o valor intrínseco dos direitos humanos, mas é bastante importante: essa é a primeira crise intestina do governo”, ressalta o analista, que é graduado em Economia pela Unesp e é doutor em Ciência Política pela Uerj, além de coordenar a área de pesquisas do Congresso em Foco.
Ele prossegue: “Até agora o bolsonarismo tem gritado mantras que contam com baixo enraizamento na realidade, mantêm-se no limite de sua bolha. De fato, eles pouco importam para muitos seguidores dos movimentos negro ou feminista. Silvio Almeida, contudo, produziu a primeira crise que realmente explodiu dentro do governo e se irradiou por esses movimentos e além”.
PublicidadeUma crise, observa Ricardo Braga, que surgiu num momento em que “a economia vai razoavelmente bem, algumas reformas importantes têm caminhado e, embora a questão fiscal preocupe, [o ministro da Fazenda, Fernando] Haddad faz um trabalho de valor”.
Conforme o analista, o impacto da crise também tem a ver com o prestígio pessoal do ex-ministro dos Direitos Humanos. “É uma liderança jovem, muito qualificada, com posição de grande destaque na luta contra os reacionários, que é uma questão central”.
Finalmente, Ricardo de João Braga ressalva que não está condenando previamente Silvio, nem poderia fazê-lo: “Não me informei sobre os detalhes e a averiguação cabe às autoridades. Não estou, repito, dizendo que ele abusou. Estou apenas observando que ele produziu a maior crise deste governo até o momento”.
Meus comentários: acima, você viu o pensamento e a fala do professor Ricardo, ponderado e lúcido, como sempre. Agora, acrescento um nadica de nada do meu jeito de pensar. Primeiro, constatando o que eu dizia 24h atrás, neste mesmo espaço: Lula não tinha outra saída a não ser exonerar o ministro, dado o estrago que causaria manter em cargo tão simbólico alguém acusado de assédio sexual contra várias mulheres (ver final deste texto). Em segundo lugar, a saída de Silvio Almeida do governo não representa sua condenação prévia. A presunção de inocência é um princípio jurídico que, nos ensinaram abusos recentes, jamais devemos desprezar. Depois que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e outras vítimas começaram a aparecer publicamente, dando rosto e materialidade às denúncias, percebeu-se que não será uma defesa fácil. Mas que Silvio tenha agora todos os instrumentos próprios do Estado Democrático de Direito para se defender. Em terceiro lugar, lamento que setores da esquerda estejam a produzir idiotices aos borbotões para explicar a queda do meu xará. Uns culpando “a causa identitária”, que corromperia a luta geral dos trabalhadores e seria a fonte de toda a crise. Outros inventando teorias conspiratórias, vendo no episódio coisas como a mão do Tio Sam ou um complô entre a mídia e a extrema direita. Juízo, gente! É muito triste a derrocada de uma figura tão brilhante intelectualmente e que tanto agregava na luta pela democracia e contra o neofascismo. Mas nem isso nem qualquer outra coisa pode nos levar a botar panos quentes quando estão em questão crimes de gênero de tal gravidade. Ponto, portanto, para Lula!
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