O presidente Lula demitiu na noite desta sexta-feira (6) Silvio Almeida do cargo de ministro dos Direitos Humanos em razão das denúncias de assédio sexual e moral contra ele. A decisão foi tomada pelo presidente após reunião entre os dois no Palácio do Planalto. Durante o encontro, Lula perguntou ao auxiliar se ele desejava pedir exoneração do cargo. Silvio afirmou que é inocente e que, por isso, não pediria demissão. O presidente alegou que, em razão da gravidade das denúncias, não tinha como mantê-lo no ministério. Em seguida, recebeu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, identificada como uma das vítimas do colega.
Ele ainda não anunciou quem assumirá a pasta.
Esse foi o desfecho de um dia de grande tensão no governo. Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada: “O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual” (veja a íntegra da nota mais abaixo).
Antes de demitir Silvio Almeida, Lula ouviu os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), Vinicius de Carvalho (CGU), Jorge Messias (AGU), Esther Dweck (Gestão e Inovação) e Cida Gonçalves (Mulher). Àquela altura, Anielle já havia conversado com os mesmos colegas e confirmado ter sido vítima de importunação sexual por parte do ministro. Segundo o relato feito pela ministra, ele passou a mão entre as pernas dela, por baixo da mesa, durante uma reunião de trabalho.
Veja a nota de demissão divulgada pelo Planalto:
“Diante das graves denúncias contra o ministro Silvio Almeida e depois de convocá-lo para uma conversa no Palácio do Planalto, no início da noite desta sexta-feira (6), o presidente Lula decidiu pela demissão do titular da Pasta de Direitos Humanos e Cidadania.
O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual.
A Polícia Federal abriu de ofício um protocolo inicial de investigação sobre o caso. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República também abriu procedimento preliminar para esclarecer os fatos.
O Governo Federal reitera seu compromisso com os Direitos Humanos e reafirma que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada.”
Após a divulgação das primeiras reportagens sobre o assunto, na noite de quinta-feira (5), Silvio Almeida divulgou nota em que dizia “repudiar com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra” ele. De acordo com ele, as denúncias não têm “materialidade” e são baseadas em “ilações”. As denúncias contra ele serão analisadas pela Polícia Federal e pela Comissão de Ética da Presidência da República.
Uma das referências do movimento negro no país, Silvio Almeida começou o dia isolado. Ainda ontem à noite a primeira-dama, Janja da Silva, publicou nas redes sociais uma foto em que ela aparece beijando a testa de Anielle. Ao longo da sexta-feira, parlamentares, lideranças ligadas ao governo e à defesa dos direitos humanos cobraram esclarecimentos. A Coalizão Negra por Direitos e o Ministério das Mulheres prestaram solidariedade às denunciantes e cobraram celeridade nas investigações. A Procuradoria Especial da Mulher no Senado também se solidarizou com Anielle.
O presidente Lula deu sinal de que demitiria o ministro ainda pela manhã, durante entrevista a uma rádio em Goiânia, onde participou da inauguração de uma obra. O petista disse que não aceitaria assediador em seu governo e antecipou que se encontraria com Silvio e Anielle.
“O que eu posso antecipar é que alguém que pratica assédio não vai ficar no governo. Eu só tenho que ter bom senso. É preciso que a gente permita o direito à defesa, a presunção de inocência. Nós vamos colocar Polícia Federal, Ministério Público e a Comissão de Ética da Presidência da República para investigar”, declarou.
As denúncias de abuso sexual foram recebidas pela organização Me Too Brasil, que acolhe vítimas de violência sexual. Segundo a organização, os episódios ocorreram em 2023 e vieram a público com a anuência das vítimas. Na tarde desta sexta-feira, uma professora que foi aluna e colega de Silvio Almeida divulgou vídeo em que relata ter sido vítima de violência sexual dele.
Professor universitário, advogado, filósofo Silvio Almeida é formado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). No discurso de posse como ministro, comprometeu-se a “não esquecer os esquecidos” e a lutar por um país que ponha a vida e a dignidade em primeiro lugar.
Na quarta-feira (4), o UOL, parceiro do Congresso em Foco, publicou reportagem de Mateus Araújo revelando que o Ministério dos Direitos Humanos era alvo de uma série de denúncias de assédio moral e pedidos de demissão. O repórter relatou que as acusações deram origem, até janeiro deste ano, a dez procedimentos internos para apurar casos de assédio moral. Sete, já arquivados por “ausência de materialidade” e “três ainda estavam em aberto até julho deste ano” (aqui, a matéria completa para assinantes).
Veja a íntegra da nota de defesa do ministro:
“Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país.
Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro.
Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma. Mais uma vez, há um grupo querendo apagar e diminuir as nossas existências, imputando a mim condutas que eles praticam. Com isso, perde o Brasil, perde a pauta de direitos humanos, perde a igualdade racial e perde o povo brasileiro.
Toda e qualquer denúncia deve ser investigada com todo o rigor da Lei, mas para tanto é preciso que os fatos sejam expostos para serem apurados e processados. E não apenas baseados em mentiras, sem provas. Encaminharei ofícios para Controladoria-Geral da União, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e Procuradoria-Geral da República para que façam uma apuração cuidadosa do caso.
As falsas acusações, conforme definido no artigo 339 do Código Penal, configuram “denunciação caluniosa”. Tais difamações não encontrarão par com a realidade. De acordo com movimentos recentes, fica evidente que há uma campanha para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no Poder Público, mas estas não terão sucesso. Isso comprova o caráter baixo e vil de setores sociais comprometidos com o atraso, a mentira e a tentativa de silenciar a voz do povo brasileiro, independentemente de visões partidárias.
Quaisquer distorções da realidade serão descobertas e receberão a devida responsabilização. Sempre lutarei pela verdadeira emancipação da mulher, e vou continuar lutando pelo futuro delas. Falsos defensores do povo querem tirar aquele que o representa. Estão tentando apagar a minha história com o meu sacrifício.”
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