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A ideia em um minuto
No momento em que o presidente Jair Bolsonaro convalesce em um hospital vítima de uma obstrução intestinal, a avaliação do seu governo chega aos seus piores níveis, seja por parte da população em geral, seja por parte dos congressistas. A deterioração da gestão leva o país a uma situação de desgoverno que provoca acirramento das tensões e ansiedade eleitoral (com as eleições ainda quinze meses à frente).
Descrédito popular
Antes da internação na quarta-feira (14) do presidente Jair Bolsonaro para tratar uma obstrução intestinal, a publicação de várias pesquisas, inclusive eleitorais, trouxe perspectivas muito negativas para a gestão Bolsonaro. Para ficarmos no âmbito do Instituto DataFolha: 51% consideram o governo ruim ou péssimo (recorde); 54% apoiam a abertura de impeachment (primeira vez que a maioria se manifesta nessa direção); 70% veem corrupção no governo [pesquisas divulgadas pela Folha de São Paulo entre 9 e 12 de julho].
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O DataFolha também inquiriu a população sobre características pessoais do presidente: 66% o consideram autoritário; 62% despreparado; 58% incompetente; 57% indeciso; 57% pouco inteligente; 55% falso; 52% desonesto. Em que se pese que ‘autoritário’ pode ser tomado por um elogio para alguns, sobretudo aqueles que têm o perfil de apoiadores do presidente, indeciso é um incômodo para sua base mais fiel (muitos são os que já cobram: por que não fecha o STF mesmo então?, por exemplo). E desonesto também é alcunha que afeta o presidente no meio de seus próprios apoiadores, tanto quanto a percepção majoritária da existência de corrupção.
É possível que alguma comoção pelo estado de saúde do presidente possa reverter esse quadro, mas essa é a situação registrada pelas pesquisas mais recentes.
Apesar de insuficientes para sustentar a abertura de um processo de impeachment, ao menos na visão do presidente da Câmara dos Deputados, esses números apontam para dificuldades muito grandes no processo eleitoral do ano que vem. O que, na verdade, começou a despontar nas primeiras sondagens eleitorais, com as primeiras pesquisas indicando grande vantagem para Lula. E os cenários do segundo turno mostram Bolsonaro perdendo para Lula, Ciro e Dória. Como, a partir do início da segunda metade do mandato, a ampulheta é virada e com a areia escorrendo, inicia-se uma contagem regressiva, e Bolsonaro tem pressa (ou deveria ter).
PublicidadeDescrédito político
O Painel do Poder, pesquisa realizada trimestralmente pelo Congresso em Foco Análise junto às lideranças parlamentares, acabou de concluir mais uma rodada de sondagem, tendo feito sua tradicional avaliação de autoridades. O Presidente da República é a autoridade mais mal avaliada, com média 2,16 (como se utiliza uma escala Likert de 1 a 5, o ponto médio seria 3). A exceção é o ex-ministro Ricardo Salles, exonerado durante o período de coleta das respostas, que obteve 1,87.
Diz o ditado que a força da corrente é o seu elo mais fraco. E quando o elo mais fraco deveria ser o principal? Todas as teorias sobre liderança, seja no mundo empresarial, seja no mundo político, apontam para o papel simbólico e exemplar da figura do líder. Quando se tem um líder com indicadores tão ruins, ao invés de inspiração, tem-se contaminação.
Olhando-se para a avaliação do coletivo dos ministros, verifica-se de fato queda generalizada nas médias. A redução afetou inclusive membros do ministério considerados de perfil mais técnico e usualmente bem avaliados, como Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional.
Até tu, Brutus?
Quando se analisa a avaliação do presidente da República pelos parlamentares, segundo o perfil dos respondentes em relação ao governo (na pesquisa os respondentes são convidados a se autodeclararem como ‘base’, ‘independentes’ ou ‘oposição’), percebe-se o grau de deterioração alcançado.
Apesar de os gráficos indicarem um perfil de respostas polarizado (base avaliando favoravelmente, independentes em uma posição intermediária e oposição avaliando negativamente), há algumas nuances que chamam a atenção.
Todos os parlamentares da oposição assinalaram nota 1, a pior nota. Isso não é comum a todos os ministérios – há membros da oposição que atribuem notas boas a alguns ministros. Nenhum dos parlamentares autodeclarados como independentes deu nota máxima para o presidente. Na verdade, o corpo do gráfico dos independentes está mais para baixo, o que indica um viés desfavorável ao presidente. E entre os membros da base, houve os que atribuíram notas 2 e 3 a Jair Bolsonaro.
Mourão no aquecimento?
A brincadeira parece destinada ao museu dos memes. De fato, na percepção dos parlamentares, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, é sistematicamente mais bem avaliado do que o presidente (mesmo sofrendo também efeitos de desgaste, como mostra a leve queda em sua avaliação de dezembro de 2020 para julho de 2021).
Contudo, o general Hamilton Mourão não alcança patamares excelentes (sua melhor média foi 3,1, irrisoriamente acima do ponto médio). Nos bastidores, parlamentares avaliam que parte da explicação para o não andamento do processo de impeachment é a ausência de quaisquer movimentos do vice-presidente nessa direção. Para o establishment político, um governo Mourão seria uma incógnita, razão pela qual seria preferível continuar com o ruim, mas conhecido.
Alterações têm efeito?
Os resultados demonstram que existe um impacto na reforma ministerial, como nos casos do Ministério das Relações Exteriores e no do Ministério da Saúde. Carlos França obteve uma avaliação inicial de 2,88, ante o 1,9 de Ernesto Araújo, em sua última avaliação, de dezembro de 2020. Marcelo Queiroga recebeu 2,93, ante o último resultado de Eduardo Pazuello, que foi 2,6.
Porém, há casos em que isso não apareceu (até o momento, ao menos), como no Ministério da Justiça e Segurança Pública, em que Anderson Torres recebeu média exatamente igual à de seu antecessor, André Mendonça (2,5). De fato, a se julgar pela mídia, houve naquele ministério uma troca de seis por meia dúzia (ministro de perfil extremamente leal ao presidente, porém também não responsável por grandes confusões).
Também apareceu situação na qual a troca ministerial parece ter prejudicado. É o caso da Casa Civil, com Luiz Eduardo Ramos obtendo média de 2,31, ante a média de 2,6 de seu antecessor, Walter Braga (que agora como Ministro da Defesa foi avaliado em 2,45, inferior ao seu desempenho na Casa Civil).
E no geral?
No geral, a atuação do governo, quando avaliada em torno de grandes temas, pelos parlamentares, segue abaixo do ponto médio.
Tema |
Média |
Economia |
2,63 |
Relacionamento com o Congresso |
2,42 |
Combate à corrupção |
2,31 |
Melhora geral do País |
2,29 |
Promoção da democracia |
2,1 |
Combate à pandemia |
2,04 |
Relacionamento com o Judiciário |
2,01 |
A expressão oclocracia costuma ser traduzida como o governo dos piores. Entre as formas degeneradas de governo, compreendidas por Aristóteles, a oclocracia aconteceria quando as multidões tivessem acesso aos mecanismos decisórios e esses fossem pervertidos pela irracionalidade das massas. De uma certa forma, um governo que se pauta por redes sociais, sobretudo de apoiadores, dá conta de fazer jus às duas conotações: um governo dos piores, por sua vez, governados pela irracionalidade das multidões.
O episódio das vacinas Coronavac é exemplar nesse sentido: após combinar com o Ministério da Saúde que o governo federal tentaria recuperar o protagonismo e autorizar Eduardo Pazuello, ex-ministro da saúde, a avisar aos governadores que “a vacina do Butantan é a vacina do Brasil”, Bolsonaro se exasperou com a postagem de um seguidor em rede social, que o questionou por comprar vachinas e desautorizou todo o combinado. Em um governo de piores, o ex-ministro se saiu com um ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’, muito em voga nas teorias de gestão do início do século 20.
Seja na percepção da maioria do povo, seja na da elite política, vivemos um governo dos piores. Na teoria política grega clássica, esse seria inevitavelmente sucedido por uma tirania. Ainda bem que não vivemos mais naqueles tempos.
Termômetro
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Chapa quente
Os novos problemas de saúde do presidente, que no momento em que este Farol foi escrito, encontrava-se internado para tratar uma obstrução intestinal, geram novos movimentos no xadrez político-eleitoral. Oposicionistas reclamam que Jair Bolsonaro estaria agora criando imagens de vitimização, ligando o problema à facada que sofreu na campanha eleitoral de 2018, como forma de vir a reverter seu mau momento.
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Geladeira
Como dissemos neste Farol, é possível que o quadro de saúde do presidente reverta sua impopularidade. Mas há uma coisa que, pelo menos até o momento, as pesquisas indicam independentemente de melhora ou não da popularidade de Bolsonaro. Elas até agora não apontam grandes chances de surgimento de uma terceira via de centro que altere o quadro de polarização eleitoral entre Bolsonaro e Lula.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelos jornalistas Sylvio Costa e Rudolfo Lago. Edição: Rudolfo Lago. Design: Vinícius Souza.
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