Seis dias após a Organização Mundial de Saúde declarar que o surto do novo coronavírus era uma pandemia, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de resolução que mudava as normas da Casa de modo a permitir que as sessões plenárias e votações pudessem acontecer remotamente. Três dias depois, o Senado Federal aprovou medida no mesmo sentido. No dia 25 de março, portanto duas semanas após o reconhecimento da pandemia, a Câmara fez a primeira sessão online.
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Para especialistas, apesar das limitações, o novo sistema permite respostas rápidas às necessidades impostas pela covid-19 e ajuda a combater impulsos autoritários que tendem a ganhar espaço num momento de pandemia. Um caso concreto foi a reação de alas do Congresso à tentativa do governo de restringir a Lei de Acesso à Informação e a movimentação para derrubada da MP que permite o acesso do governo a dados pessoais de cidadãos.
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Em um texto publicado pela Hansard Society, uma das principais instituições mundiais de pesquisa sobre parlamentos, Andy Williamson, pesquisador vinculado à instituição, destacou que quando os países enfrentam uma emergência nacional de saúde, o trabalho das casas legislativas é mais importante do que nunca para examinar as decisões do governo, autorizar despesas e aprovar legislação. Ao pesquisar sobre como os diferentes países têm respondido a essa crise, Williamson colocou o Brasil como um exemplo de vanguarda.
Para o pesquisador, a resposta do Legislativo brasileiro só foi possível por ter havido investimento prévio em soluções de tecnologia.
De fato, boa parte das aplicações que estão sendo usadas agora para a realização de sessões remotas já existia previamente e havia sido desenvolvida dentro do próprio Congresso, especialmente da Câmara dos Deputados.
O que levou o Brasil a sair na frente
O cientista político Tiago Peixoto, ligado ao Banco Mundial e pesquisador da área de governo digital, também publicou texto destacando a experiência brasileira apontada por ele como uma das respostas mais velozes à crise em todo o mundo. Em sua análise, três fatores explicam a agilidade do parlamento brasileiro: o cenário político, a capacidade administrativa e a capacidade digital.
Para ele, o fato de haver uma relação conflituosa entre Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Jair Bolsonaro foi um motor dessa mudança. “O relacionamento atual entre o Executivo nacional e o Legislativo é notoriamente conflituoso. Portanto, é possível que a resposta rápida também tenha sido uma medida preventiva da Câmara para evitar o excesso do Executivo e manter a relevância política durante a crise”, escreveu em um texto publicado originalmente em inglês.
As outras duas explicações guardam relação com o alto nível da burocracia da Câmara. Diante da necessidade, a Casa teve os meios necessários para fazer as adaptações nos sistemas já existentes e colocá-los à disposição dos deputados em poucos dias. Isso só foi possível, segundo Peixoto, porque há mais de uma década a Câmara tem sido pioneira na democracia digital.
Países que não tiveram a mesma celeridade em contornar este problema enfrentam agora dificuldades para enfrentar os desafios impostos pela pandemia. No Canadá, por exemplo, o Legislativo adiou por semanas a votação de uma lei que tinha o objetivo da cobrir uma porcentagem do salário dos funcionários, para que os empregadores tenham condições de mantê-los na folha de pagamento. O principal ponto de discórdia, segundo Peixoto, foi que os liberais queriam votar via parlamento virtual, enquanto os conservadores pediam participação pessoal.
Os desafios
Apesar da qualidades, o Sistema de Deliberação Remota ainda precisa de aprimoramentos, na visão de especialistas e parlamentares. Os principais pontos destacados são a ampliação das possibilidade de participação popular, a inclusão de um número maior de parlamentares nos acordos e a transparência para os cidadãos. Em um webinar realizado pela Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) nessa quarta-feira (22), o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que do modo como está estruturado hoje, o sistema atende às necessidades emergenciais, mas tem restrições muito grandes.
Segundo ele, uma das principais dificuldades é o fato de o sistema remoto ser uma espécie de via legislativa simplificada, que diante da urgência dos projetos, não submete as propostas ao mesmo escrutínio do processo físico. O que deixa isso ainda mais crítico é a falta de cultura digital entre os senadores.
“O Senado é uma casa de pessoas acima de 60 anos, que não fizeram suas carreiras interagindo em meio digital. Para elas, a reunião online é penosa, difícil e não ocupa o espaço da conversa pessoal”, avalia.
Na visão do senador, a solução funciona emergencialmente, mas o Congresso deverá retomar as atividades presenciais assim que seja possível.
“Muita gente vem se esforçando para dizer que a democracia não funciona. Nós temos que fazer o contrário, mostrar que funciona sim e precisa ser aprimorada. Estamos no caminho certo. Essa urgência aprimorou processos. Temos que fazer isso de forma transparente e participativa”, afirmou.
Assista à íntegra do Webinar “Participação e Transparência em tempos de deliberação remota”
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