Marcos Hecksher* e Fernanda De Negri **
Boas políticas públicas devem ser baseadas em boa informação. Seu desenho deve considerar tanto seus custos quanto o público-alvo da política, com base em indicadores precisos e consistentes. Uma vez implementadas, as políticas devem ser avaliadas, respondendo a perguntas como: quais foram seus resultados e impactos observáveis e quais os custos incorridos pelo orçamento público para alcançar esses resultados?
A desoneração de contribuições previdenciárias da folha de pagamentos para setores selecionados foi implementada em 2011. A princípio com um prazo de vigência de 10 anos e concentrada em um rol de setores elegíveis que acabou sendo modificado, foi renovada por mais dois anos em 2021, até dezembro deste ano. Novamente, está em discussão no Congresso Nacional uma proposta de sua prorrogação por quatro anos, até 2027. Mas o que mesmo os setores beneficiados têm de especial para ganhar um desconto ao pagar pelos mesmos direitos previdenciários de qualquer setor?
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A intenção da medida, quando criada, foi a de estimular a geração de empregos na economia. Ao longo dos últimos anos, diversos estudos empíricos procuraram identificar os impactos da iniciativa em termos de geração de emprego na economia. Os resultados, elaborados com base em técnicas adequadas para a avaliação de impacto, nem sempre foram consistentes em apontar efeitos positivos da medida. Se olharmos apenas para os dados agregados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, é possível observar que os setores beneficiados não são os maiores empregadores e, de 2012 a 2022, reduziram sua participação na população ocupada (de 20,1% para 18,9%), entre os ocupados com contribuição previdenciária (de 17,9% para 16,2%) e entre os empregados com carteira assinada do setor privado (de 22,4% para 19,7%). Movimento similar é observado nos últimos dez anos com dados disponíveis da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
É possível que a destruição de postos nos setores desonerados tivesse sido ainda maior na ausência da medida, como indicaram estimativas de outros autores. Entretanto, Baumgartner (2017) calcula ter havido um custo muito alto para os cofres públicos, de R$ 79 mil anuais por cada emprego poupado, mesmo sem considerar todos os possíveis efeitos negativos da política sobre o emprego nos demais setores. O salário mínimo de R$ 1.320 remunera o trabalhador em menos de R$ 20 mil por ano e, em políticas exitosas de incentivo à contratação em empresas privadas, o valor subsidiado costuma responder por uma pequena parte da remuneração de cada emprego gerado.
Outro argumento que deve ser levado em consideração é o quanto desonerações específicas para setores selecionados aumentam a complexidade do nosso sistema tributário. Essa complexidade aumenta os custos de todo o setor produtivo e gera ineficiências na atividade econômica. A renovação da desoneração da folha vai na contramão, portanto, de um dos objetivos da reforma tributária recém-aprovada pela Câmara, que é o de reduzir a complexidade do nosso sistema e os custos econômicos associados a ela. Se este é o momento de tornar o sistema tributário mais eficiente e justo, o mais racional seria justificar quaisquer exceções e benefícios especiais considerando o redesenho de todo o conjunto, inclusive a reforma do imposto de renda e de outros tributos diretos, focada em efeitos redutores da desigualdade.
O principal argumento utilizado pelos setores beneficiados para justificar sua distinção perante trabalhadores e empresas dos demais setores da economia – que pagam mais pela mesma cobertura previdenciária e dividem a conta de qualquer déficit atuarial – é o suposto fato de serem “os setores que mais geram empregos”. Novamente, os dados já mencionados mostram que isso não é verdade.
Em síntese, o país precisa urgentemente de boas políticas, baseadas na melhor informação disponível e em análises robustas sobre impactos e custos associados. Até onde se pode observar, os resultados da política de desoneração da folha não justificariam a premência de sua renovação, nem haveria razões objetivas para tratar de forma especial os setores beneficiados. Estes compõem um grupo bastante heterogêneo, inclusive em termos de trabalho-intensidade, com muito pouco em comum além do fato de terem sido contemplados com o mesmo benefício. E por nenhum critério razoável podem ser considerados os que mais empregam.
* Marcos Hecksher é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
** Fernanda De Negri é diretora de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Ipea)
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