Vistos com ressalvas por movimentos sociais e listados como pautas de interesse do governo, as propostas de alterações na Lei Antiterrorismo cresceram substancialmente durante o primeiro ano de pandemia no Brasil. Desde a sanção desse texto, em 2016, parlamentares de diferentes siglas apresentaram 36 projetos para alterá-lo. Mais da metade deles foram protocolados em 2020, no primeiro ano de pandemia.
“Em 2020, o que se verifica é um salto com a apresentação de 13 projetos que visam ampliar o tipo penal do terrorismo, dos quais pelo menos dez, além de propor a ampliação do tipo penal, apresentam riscos concretos para os movimentos sociais”, observam os pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) Thiago Trindade e Carla Guareschi. Eles são autores de um estudo que apresenta as repercussões políticas e legislativas da aprovação da Lei Antiterrorismo no Brasil.
Trindade e Guareschi destacam como aspectos para se observar essa elevação nos números o aumento da insatisfação popular com a crise sanitária e a eclosão de protestos “antifascistas”.
“Desde março de 2020, o grave contexto da pandemia de covid-19 deslocou a agenda política de todos os poderes da República, inclusive nos estados e municípios, para o enfrentamento da crise sanitária, econômica e social, à exceção do governo federal, que adotou postura “negacionista” em relação à gravidade do vírus e dos riscos de colapso no sistema de saúde nacional; e os protestos “antifascistas” de junho de 2020 marcam o primeiro momento de manifestações em escala contra o governo Bolsonaro, que resultou na apresentação de proposições pela base do governo para “tipificar os grupos ‘antifas’ como organizações terroristas””.
Ainda de acordo com os pesquisadores da UnB, 23 projetos com fins de modificar a lei representam ameaças diretas às liberdades de manifestação e movimentos sociais. Destes, 16 foram apresentados depois que Bolsonaro assumiu o posto de chefe do executivo.
Das 36 propostas apresentadas, 31 tiveram origem na Câmara dos Deputados e cinco no Senado Federal.
Percentual do governo Bolsonaro
A maior parte dos projetos visando alterações na Lei Antiterrosimo (67%) foram protocolados durante a gestão Bolsonaro, isto é, entre 2019 e 2021. Coube ao PSL – partido pelo qual o presidente foi eleito – a autoria do maior número de propostas para revisão do texto. Um total de 11, contra quatro do segundo colocado, o PR. O PSDB, com três, fecha o pódio.
No ano passado o PL 1595/2019, inicialmente proposto por Bolsonaro, quando exercia mandato na Casa, e reapresentado pelo deputado Vitor Hugo (PSL-GO), voltou à pauta de discussões. Ele sugere uma série de redefinições conceituais para os termos terrorismo e contraterrorismo. Assim, cria modalidades de monitoramento, inteligência e controle da sociedade por meio de uma espécie de Polícia da Presidência.
Movimentos sociais alegam que o texto abre brecha para criminalizar a atuação de lideranças, movimentos de base e organizações da sociedade civil.
Já o deputado Vitor Hugo defende que a matéria busca “preservar vidas humanas, preservar a capacidade do Estado brasileiro de tomar decisões em momentos críticos e preservar o patrimônio público e privado”.
A Câmara chegou a rejeitar, em dezembro passado, um requerimento de urgência para análise dessa proposição. Mas o projeto deve voltar aos holofotes com o retorno das atividades legislativas. Na avaliação da oposição, as ações do governo no Congresso estarão centradas nas pautas de costume e sejam marcadas por discursos mais ideológicos.
O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), no entanto, considera que ele não irá progredir. “O sinal mais contundente foi ter derrotado o pedido de urgência. Eu não gosto dessa lei atual, porém não teve nenhum enquadramento de terrorismo no Brasil. Não é uma oportunidade para mexer na lei, é o pior momento para se discutir”, afirma o deputado.
Com base no levantamento e análise desta e de outras propostas relativas ao Lei Antiterrorismo, Thiago Trindade e Carla Guareschi alertam para o perigo do “caráter genérico e excessivamente abrangente” do termo “terrorismo” que “abriu margem para a apresentação de diversas proposições legais que pretendem tornar a Lei nº13.260/2016 em um instrumento explícito de repressão e da criminalização da luta social no Brasil”.
Lei Antiterrorismo é herança do PT
A Lei Antiterrorismo é uma herança do governo PT. Encaminhada pelo Executivo ao Congresso em 18 de junho de 2015, o projeto tramitou em regime de urgência, o que reduziu significativamente o espaço para debates. Esse texto foi produzido após as manifestações de junho de 2013, que contribuíram com a derrubada dos índices de popularidade da ex-presidente Dilma Rousseff e que coincidiram com as ações da Operação Lava Jato e culminaram no impeachment da presidente.
“É, portanto, nesse cenário altamente instável, no qual o governo federal se encontrava “emparedado” pelas forças de oposição, que o Projeto de Lei Antiterrorismo é apresentado ao Congresso”, lembram Trindade e Guareschi.
A lei classifica o que pode ser considerado como atos de terrorismo e prevê a pena de reclusão de 12 a 30 anos. No entanto, a normativa conta com definições vagas, que permitem análises subjetivas sobre o que são atos terroristas.
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