A crise climática e os efeitos do aquecimento global se tornaram termos-chave no manual de sobrevivência dos seres vivos no planeta Terra. As enchentes, o aumento atípico da temperatura e a proliferação das queimadas mostram o impacto deletério da ação humana no meio ambiente. As cenas do Rio Grande do Sul debaixo d’água e do pantanal, da Amazônia e do cerrado em chamas são o retrato mais recente dessa tragédia. Um dos mais respeitados cientistas brasileiros, o climatologista Carlos Nobre alerta que o cenário só deve piorar, sobretudo, pelo negacionismo climático do Congresso Nacional, maior, segundo ele, do que o da população em geral.
Levantamento feito pelo Farol Verde, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), mostra que apenas 30% dos deputados e 25% dos senadores votam de maneira convergente com a pauta socioambiental. O voto reflete o discurso vocalizado por um grupo de parlamentares de que o aquecimento global é uma “farsa” ou de que o homem não tem qualquer responsabilidade sobre as mudanças climáticas. O Congresso em Foco resgatou declarações de congressistas que ilustram essa visão ainda preponderante dentro do Parlamento brasileiro (veja na galeria de imagens e no texto logo abaixo).
Leia também
Siga a seta da galeria para ver algumas dessas declarações e continue a leitura do texto logo abaixo:
“Não podemos aceitar mais o negacionismo climático. A população brasileira é muito pouco negacionista, mas quando a gente vai na classe política aumenta muito. O nível de políticos que não querem aprovar orçamentos que vão nessas medidas de aumentar muito a resiliência dos brasileiros com relação aos extremos climáticos é alto. Então, nós temos realmente muito a mudar essa postura política”, disse Carlos Nobre em entrevista ao Congresso em Foco durante as enchentes do Rio Grande do Sul, em maio.
“Peido” do boi
O deputado Ricardo Salles (Novo-SP) é uma das principais figuras antagônicas dos ambientalistas na Câmara dos Deputados. Ministro do Meio Ambiente durante o governo Jair Bolsonaro, Salles teve sua gestão marcada pelo aumento do desmatamento, pela acusação de favorecimento para ação de madeireiros ilegais e pela defesa da flexibilização de regras ambientais durante o início da pandemia de covid-19 para “passar a boiada”.
PublicidadeEm audiência pública no Senado, em 2019, o então ministro questionou a “parcela de contribuição humana” nas mudanças climáticas. Durante a Conferência Mundial sobre o Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 26, em 2021, Ricardo Salles disse: “Os (países) ricos querem convencer o mundo de que o problema dos gases de efeito estufa está no peido de boi e não nos combustíveis fósseis que eles queimam loucamente há 200 anos”.
Nessa ocasião, ele questionou a ação do metano, que é um gás produzido durante a digestão do gado, no efeito estufa, apesar de ser um fato comprovado cientificamente. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), no Brasil, 70% da emissão de metano se dá no setor agropecuário. Na sua atuação como parlamentar, Ricardo Salles protagonizou conflitos intensos com a ala ambientalista em sua atuação como relator da CPI do MST, chegando a ser representado no Conselho de Ética da Câmara sob acusação de tentar silenciar seus opositores. A denúncia acabou arquivada.
Projeto socialista
Filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em postagem de fevereiro de 2023, insinuou que as mudanças climáticas são falsas. O parlamentar ainda disse que o discurso sobre aquecimento global e demais transformações climáticas são “pano de fundo” para que pessoas “autoritárias” como Lula se apossem da liberdade da sociedade.
Os outros
Também pelas redes sociais, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) atacou o presidente Lula e relativizou as mudanças climáticas. Segundo a deputada, em publicação de outubro de 2023, a “velha imprensa já culpa o El Niño”, fenômeno climático em que as águas do Oceano Pacífico aquecem anormalmente e impactam a temperatura da superfície.
Arroto do gado
Conhecido pela posição de defesa das pautas do agronegócio, o senador e agrônomo Luis Carlos Heinze (PP-RS) já afirmou que não acredita no aquecimento global. A declaração de 2016, quando ainda era deputado, foi feita em entrevista ao observatório De Olho nos Ruralistas. O parlamentar também disse: “Essa questão do aquecimento global, nós não iremos pagar essa conta. Os produtores rurais que sustentam esse país não vão pagar essa conta para o mundo inteiro”.
Apesar de a fala ter sido feita há oito anos, a posição do senador em relação às mudanças climáticas segue irredutível. Durante o evento Abertura Nacional da Colheita da Soja – Safra 23/24, sediado no Rio Grande do Sul em março deste ano, Heinze também eximiu o agronegócio de responsabilidade nos efeitos do aquecimento global, como Ricardo Salles.
“A agricultura brasileira não é responsável pelo aquecimento global. A causa desse problema não está no arroto, nos gases emitidos pelas nossas vacas, nosso gado. Ninguém fala da contribuição da China, dos Estados Unidos, da União Europeia, dos automóveis, que são os maiores emissores”, disse o senador.
Frio nórdico
Também do Rio Grande do Sul, o deputado Osmar Terra (MDB) é conhecido pelo negacionismo, tanto na questão da covid-19 quanto na pauta ambiental. Ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro, o parlamentar questionou em janeiro deste ano o aquecimento global.
“O que aconteceu com o aquecimento global?”, perguntou o deputado. “Noruega : Acabou de ter o dia MAIS FRIO do século em -49,7C. Suécia : Acabou de ter o dia MAIS FRIO do século em -43,8C. Finlândia : Acabou de ter o dia MAIS FRIO do século em -44,3C”. Osmar Terra, ao questionar as temperaturas frias dos países nórdicos, não leva em consideração que o aquecimento global compreende extremos climáticos, seja calor ou frio.
Quase uma religião
Assim como Ricardo Salles, o senador Márcio Bittar (União-AC), membro da bancada ruralista, já questionou por algumas vezes a influência da ação humana no agravamento das mudanças climáticas. De acordo com ele, estudos mostram que o homem não seria capaz de alterar o clima. O parlamentar ainda atribui essa concepção a um viés ideológico em contraste das evidências científicas.
Em maio de 2019, durante entrevista ao programa Conexão Senado, da Rádio Senado, o senador explicou o porquê de ter solicitado, à época, debate para discutir a ação do homem e mudanças climáticas. “O nosso planeta sofre mudanças climáticas drásticas sem a menor interferência humana, mas virou uma ideologia, quase uma religião. É quase um pensamento no Brasil e no mundo, mas é preciso conversar com mais clareza”, disse.
Ouça a entrevista completa:
“Grande farsa”
Em maio deste ano, o deputado Giovani Cherini (PL-RS) protocolou pedido para a criação de subcomissão, na Comissão de Agricultura, para tratar do impacto das mudanças climáticas para a atividade agropecuária. Durante sessão no colegiado, o parlamentar afirmou que com a subcomissão iria provar “a grande farsa” do aquecimento global na COP-30, que acontece em Belém no próximo ano.
“Este fenômeno global que estamos vivenciando para alguns é impulsionado pelas atividades humanas, para outros é um resultado da variação climática natural. Fato é que a bandeira do aquecimento global atende a interesses políticos e econômicos que em muito afetam a nossa agropecuária”, escreveu Giovani no requerimento.
O parlamentar, inclusive, é um dos que também manifestam sua descrença diante do aquecimento global em discursos no plenário. Em junho deste ano, Giovani afirmou que existem “narrativas” acerca da mudança climática, assim como era, segundo ele, com a covid-19.
“Em 1941, há 83 anos, houve uma enchente igual a essa em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Havia aquecimento global? Havia mudanças climáticas? Estão fazendo as mesmas narrativas que fizeram na covid. Venderam a ideia da máscara, venderam a ideia da vacina. Tudo narrativa, e agora caiu tudo por terra. A mesma coisa vai acontecer na questão do clima”, disse.
“Ambientalóides”
Um dos principais líderes da bancada ruralista, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) já relativizou por diversas vezes os efeitos do aquecimento global. O parlamentar também trava constantemente embates com ambientalistas, os quais ele chama de “ambientalóides”. Em entrevista ao Congresso em Foco sobre projeto contra invasões , o deputado também comentou sobre efeitos climáticos e questionou o aquecimento global em razão de muitos lugares registrarem o inverno mais frio da história, assim como Osmar Terra. (Ouça o trecho abaixo).
Entretanto, suas ações que desafiam as mudanças climáticas, não se restringem a discursos. De sua autoria, o PL 364/2019 pretende alterar o Código Florestal e permitir o uso do solo de campos nativos para agricultura, pecuária e outros fins. Conforme legislação atual, essas áreas correspondem à vegetação nativa não florestal. A medida afeta, segundo a ONG SOS Mata Atlântica, os biomas do pantanal, pampas, cerrado e Amazônia, o que consequentemente agrava mudanças climáticas.
Coisa folclórica
O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) já questionou a ação humana e seu impacto nas mudanças climáticas. Em entrevista de 2019 para a TV Senado, quando o parlamentar era presidente da Comissão Mista Permanente Sobre Mudanças Climáticas, também relativizou os efeitos mais extremos do aquecimento global e afirmou que “tem muita coisa que é folclórica nessa questão de mudança climática”.
“Canalha e desonesta”
Em maio deste ano, durante reunião na CCJ, o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) afirmou que era “canalha e desonesta” a tentativa dos colegas de promover audiência pública para discutir a responsabilidade política durante a crise climática. Para ele, apontar responsabilidade humana nas enchentes do Rio Grande do Sul era desonesto intelectualmente. Ou seja, mais um parlamentar a relativizar a ação humana nas mudanças climáticas.
Além disso, o parlamentar afirmou : “Quem acompanha o debate sobre mudanças climáticas não tem capacidade de afirmar com certeza nenhuma de que existe alguma participação dos seres humanos nas alterações climáticas”.
Crise climática
O agravamento e os efeitos da crise climática estão cada vez mais presentes e perceptíveis para a população brasileira. São frutos das variações de temperatura, como o calor intenso, e de precipitações, a exemplo das enchentes. Ambos fenômenos estão estreitamente relacionados ao aquecimento global e ao efeito estufa. Apesar desta proximidade, há diferenças entre os termos aquecimento global, mudanças climáticas e crise climática.
Especialistas defendem que o uso do termo “crise”, pressupõe urgência e um ponto de virada em que tais fenômenos se tornarão ainda mais comuns. Esse pensamento é endossado pelo climatologista Carlos Nobre quando afirma que “não tem mais tem mais jeito de voltar” e que a tendência dos extremos climáticos é de continuidade.
Defesa do agro
O Congresso em Foco procurou os parlamentares mencionados para que se manifestem acerca das declarações. O gabinete do senador Luís Carlos Heinze reforçou que a frase sobre agronegócio e efeito estufa não relativiza os efeitos climáticos, mas apenas afirma que o agro não é responsável pelo aquecimento global. Os demais parlamentares ainda não se manifestaram. O espaço segue aberto e o texto será atualizado caso haja novas manifestações.
Farol Verde
Lançado durante live do Congresso em Foco na última terça-feira (1), o Farol Verde calcula o grau de alinhamento de cada parlamentar com base no Índice de Convergência Ambiental total (ICAt), definido a partir de suas participações nas votações nominais de 108 propostas legislativas previamente definidas que tramitaram entre 2023 e 2024. Dessas, 78 são consideradas convergentes com a pauta ambiental, e 30 são classificadas como nocivas.
Leia ainda:
Desastres como o do RS serão cada vez mais comuns, diz o climatologista Carlos Nobre
Deixe um comentário