Das seis comissões parlamentares de inquérito instaladas no Congresso desde o início do ano, apenas uma conseguiu resultados concretos até o momento: a CPI das Pirâmides Financeiras, cujo relatório final foi aprovado na última segunda-feira (9). Outras três comissões, porém, não surtiram o efeito esperado. Em setembro, foram enterradas sem relatório as CPIs do MST e das Apostas Esportivas. Embora tenha conseguido aprovar suas conclusões, a CPI das Americanas não apontou os responsáveis pelo rombo fiscal de R$ 20 bilhões na empresa, principal motivo das investigações. Terminou sem propor indiciamentos.
Ainda estão em curso duas comissões de inquérito: a das ONGs, no Senado, e a mista (formada por deputados e senadores), que investiga os atos golpistas. A primeira, no que depender de sua cúpula, terá seus trabalhos estendidos até dezembro. Já a CPMI deve analisar o relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) na próxima semana. A oposição também deve apresentar documento com suas conclusões. Enquanto Eliziane deve responsabilizar o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe, os oposicionistas vão tentar culpar o atual governo sob a acusação de que foi omisso.
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As comissões parlamentares de inquérito atuam em caráter temporário e se destinam a investigar fatos relevantes para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do país. As CPIs, portanto, têm poderes de investigação equivalentes aos de autoridades judiciais. Embora nem sempre sejam bem sucedidas.
Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco apontam que o esvaziamento das pautas foi determinante para o adiamento da votação dos relatórios e, consequentemente, resultou no encerramento das comissões sem que fossem alcançados os resultados esperados. Para o advogado Yohann Sade, especialista em direito administrativo, esse foi um dos motivos para a CPI das Apostas Esportivas não avançar.
“A comissão perdeu o seu foco principal (investigação de manipulação de resultados), acabou por debater temas e tentar investigar empresas e pessoas que sequer tinham relação com o objeto definido de seu ato de constituição, o que fez com que os trabalhos, já em curto tempo, não focassem naquilo que realmente importava, de modo que seu prazo se esvaiu sem que se propusesse efetivamente nada para a prevenção, educação e repressão das manipulações de resultados, em um verdadeiro sistema de integridade no esporte”, explica Sade.
O advogado ainda avalia que, no caso da CPI das Americanas, a investigação exigiu “complexidade superior à dinâmica de uma comissão parlamentar de inquérito” por dois fatores: o curto prazo dos trabalhos da comissão e a necessidade de análise contábil por experts.
Para Berlinque Cantelmo, advogado criminalista, além do esvaziamento citado por Sade, uma “série de incongruências na condução dos trabalhos” prejudicou a apresentação dos relatórios. Outro fator destacado pelo advogado foi o que ele considerou como “ausência de expertise técnica dos parlamentares em conduzir um procedimento inquisitório sem se deixar tomar por comportamentos ideológicos partidários”.
A situação de cada uma
CPI do MST
Instalada no início da legislatura, a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), de relatoria do deputado Ricardo Salles (PL-SP), ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro, terminou dia 27 de setembro sem relatório, pois o prazo da realização dos trabalhos se encerrou antes da votação. O principal objetivo da CPI, segundo o texto inicial do deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), que presidiu os trabalhos, era proteger o direito constitucional à propriedade privada sob o pretexto de que o MST viola tal direito com constantes invasões de propriedades rurais produtivas.
“O mais chocante, ainda, é percebermos que existe uma suposta influência por parte do governo federal na atuação deste grupo, uma vez que nos primeiros dois meses da nova gestão, o número de propriedades rurais invadidas já é maior que nos quatro anos de governo Jair Bolsonaro, quando foram registradas apenas 14 invasões de propriedades”, explicou Zucco no documento.
Deputados governistas, como Rogério Correia (PT-MG) e Gleisi Hoffman (PT-RS), em contrapartida, apontaram a posição dos defensores da CPI como uma tentativa de criminalizar o movimento.
A CPI, mesmo com depoimentos de ministros e do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), ficou enfraquecida depois que Zucco proferiu ofensas contra a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP). Além disso, a comissão enfrentou esvaziamento após o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), cancelar depoimento do ministro da Casa Civil, Rui Costa.
No encerramento da CPI foram apresentados dois relatórios finais completamente antagônicos: um por Sâmia Bomfim, reconhecendo o papel social do MST, e outro da oposição, assinado por Ricardo Salles, que apontava o movimento como criminoso. O antigo ministro do Meio Ambiente ainda pediu o indiciamento de 11 pessoas no relatório, entre elas o general Marco Edson Gonçalves Dias, o G.Dias, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança (GSI). Contudo, o parecer não foi votado e a CPI ficou inconclusa.
Para o presidente do colegiado e autor do documento inicial, Tenente Coronel Zucco, a CPI do MST não atingiu o objetivo, apesar do apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralista, porque houve lobby do governo após a reforma ministerial.
CPI das Apostas Esportivas
Diferentemente da CPI do MST, a CPI das Apostas Esportivas não dividiu o Congresso. A comissão se dispôs a investigar um escândalo no futebol. O Ministério Público de Goiás (MP-GO), juntamente com a Polícia Federal (PF), identificou, no final de 2022, um esquema de manipulação de resultados nas séries A e B do Campeonato Brasileiro. Atletas e apostadores combinavam condutas específicas, como faltas e cartões, e dividiam os lucros caso as apostas fossem vencedoras.
O autor e também relator da comissão, Felipe Carreras (PSB-PE), afirmou no requerimento que as inúmeras variáveis nas apostas deixam margem para a ação das quadrilhas. Ele reforçou, ainda, a necessidade de fiscalização do Estado nas apostas. “A falta de regulamentação do setor ainda deixa lacunas que permitem que criminosos agindo de má-fé maculem o resultado esportivo”, explicou Carreras no documento.
A comissão presidida por Júlio Arcoverde (PP-PI) reuniu autoridades do poder público, o presidente do Vila Nova Futebol Clube e também ouviu jogadores. O presidente do clube goiano, Hugo Jorge Bravo, foi o primeiro convocado à audiência pública, em especial por ter sido o primeiro a investigar e denunciar o escândalo.
Entre os atletas que prestaram depoimento, um deles era ex-jogador do Vila Nova Marcos Vinicius Alves Barreira, conhecido como Romário. Além dele, Severino Ramos, apelidado de Nino Paraíba, também depôs pelo fato de ter aparecido em conversas com apostadores.
Apesar das nove audiências públicas e de não ter enfrentado nenhuma resistência no Congresso, a CPI das Apostas Esportivas se encerrou sem votação de relatório final. Quatro deputados pediram vista, o que impediu a apreciação do texto. Alguns dos críticos do relatório explicaram que o documento era incoerente e não responsabilizava as empresas de apostas.
Carreras alega que não havia indícios de envolvimento das empresas de apostas com a manipulação dos jogos. O relator também disse ao Congresso em Foco que, ao longo da condução dos trabalhos, entendeu-se que a CPI teria um papel muito mais propositivo do que punitivo. “Lamento que o relatório não tenha sido aprovado porque ele caminha nesse sentido: combater as organizações criminosas na raiz do problema, que vêm manchando a história do nosso futebol. Lamento que houvesse pessoas dentro da comissão que não tinham esse mesmo objetivo”.
O relator ainda reiterou a busca pela fiscalização nas apostas esportivas: “Fiscalização é o caminho, e para fiscalizar é necessário regulamentar”. Segundo Carreras, para regulamentação, é preciso estabelecer uma tributação que coíba a lavagem de dinheiro e definir “penalidades administrativas fortes” para manter em atividade no país apenas empresas sérias.
CPI das Americanas
Após a revelação da existência de um rombo de R$ 20 bilhões e uma dívida de R$ 40 bilhões nas Lojas Americanas, a Câmara dos Deputados decidiu instaurar uma CPI para investigar possível fraude contábil na empresa. A comissão foi presidida por Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) e foi relatada pelo deputado Carlos Chiodini (MDB-SC). As análises das auditorias visavam provar que houve manobras de apresentação de lucros falsos para atrair investidores.
A CPI das Americanas até intimou ex-executivos da empresa a deporem, como o ex-diretor Executivo Miguel Gutierrez e o ex-diretor financeiro da empresa Marcelo da Silva Nunes, mas enfrentou dificuldades. O primeiro se ausentou amparado por atestado médico, e o segundo permaneceu em silêncio.
Apesar de ter lidado com sucessivos adiamentos de depoimentos, além da recusa por parte de Marcelo da Silva Nunes, o grupo de trabalho conseguiu entregar um relatório a tempo de votá-lo. O relator apresentou também quatro projetos de lei para melhorar a governança administrativa e coibir a corrupção em empresas privadas.
O documento, porém, não apontou responsáveis pelo rombo fiscal. O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) considerou “um posicionamento muito estranho” a CPI não chegar a nenhuma conclusão sobre uma fraude de R$ 20 bilhões. Outro ponto de discordância foi a acusação de que a comissão blindou os três acionistas da Americanas, Jorge Paulo Lehmann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, ao não convocá-los para prestar depoimento.
“Embora as evidências apontem para um dos maiores escândalos contábeis já vivenciados em nosso cenário corporativo, não foi possível apontar CPFs de um ou mais culpados. Nossa apuração não teve como imputar a respectiva responsabilidade criminal, civil ou administrativa a instituições ou pessoas determinada, porque, além do curto prazo para avançar nas investigações, existe ainda a necessidade de coleta de elementos de provas mais robustas”, rebateu as críticas o relator Carlos Chiodini em texto publicado no Congresso em Foco.
CPI das Pirâmides Financeiras
A CPI das Pirâmides Financeiras foi a comissão parlamentar de inquérito que conseguiu avançar mais. O colegiado foi aberto em junho sob a autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade – RJ) e relatoria do deputado Ricardo Silva (PSD-SP). A CPI buscou investigar 11 empresas identificadas pela Companhia de Valores Mobiliários (CVM) suspeitas de utilizar informações falsas para atrair clientes em sistemas de compra e venda de criptomoedas, prometendo ganhos irreais e lucrando por meio do recrutamento de novas vítimas, basicamente em um esquema de pirâmide.
Enquanto a CPI das Apostas Esportivas inquiriu jogadores envolvidos na manipulação de resultados, a CPI das Pirâmides Financeiras convocou um dos maiores jogadores da história do país, Ronaldinho Gaúcho. O ex-atleta é fundador e sócio-proprietário da empresa de negociação de criptomoedas 18K. Entretanto, Ronaldinho não compareceu nas duas primeiras sessões em que foi chamado para depor. Apareceu apenas na terceira tentativa, ao ser ameaçado de ser levado coercitivamente.
O escândalo da agência de viagem 123milhas, em agosto, motivou o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) a pedir a instauração de uma nova CPI para investigar os cancelamentos unilaterais e irregularidades nas vendas de pacotes. Os sócios e administradores da empresa, no entanto, foram convocados pela CPI das Pirâmides Financeiras, pois, segundo o entendimento do relator, existiam indícios de que a agência operava um esquema de pirâmide financeira.
O empresário Ramiro Madureira, sócio da 123milhas, por sua vez, reconheceu em depoimento que a sua empresa seguiu uma linha de negócios “equivocada” e pediu desculpas aos clientes lesados pela quebra da agência. A empresa realizava venda passagens abaixo do valor de mercado, assim, a adesão de novos clientes e venda de novas passagens servia para custear as passagens vendidas abaixo do valor anteriormente.
O relatório da CPI das Pirâmides Financeiras, aprovado por unanimidade na última segunda-feira, propôs 45 indiciamentos, entre eles o de Ronaldinho Gaúcho e o dos donos da 123milhas por lavagem de dinheiro. Além de responsabilizar os culpados pelos crimes das pirâmides financeiras, o relatório prevê a criação de quatro projetos de lei associados ao setor.
“Nós nos deparamos com muitas corretoras de criptoativos que não fazem a chamada segregação patrimonial. Elas utilizam todo o dinheiro em uma conta só, o que é um facilitador do crime de lavagem de dinheiro e de pirâmides financeiras”, pontuou o relator Ricardo Silva.
ONGs e CPMI
O presidente da CPI das ONGs, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), articula a prorrogação das investigações até meados de dezembro. A comissão apura o uso de recursos públicos e estrangeiros por organizações na Amazônia. O prazo final previsto pelo Requerimento que criou a comissão é 23 de outubro. Ao todo, 41 senadores assinaram o pedido de prorrogação das investigações até 19 de dezembro.
Já a CPMI dos Atos Golpistas entrou em breve hiato nesta semana para que a senadora Eliziane Gama possa elaborar o texto do seu relatório final, que deverá ser lido e discutido na próxima terça-feira (17). Após a apresentação do relatório oficial, o presidente da comissão, deputado Arthur Maia (União-BA), dará o tempo de até um hora para a leitura de um relatório independente preparado pela oposição. No entanto, o governo possui maioria no colegiado misto.
A tendência é que o relatório só seja votado na quarta-feira para que os integrantes da CPMI possam estudar os dois relatórios. “Caso haja [pedido de vistas], a presidência concederá vistas até 9 horas da manhã da quarta-feira (18), quando retomaremos a discussão”, disse Maia.
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