Andréa Vianna e Edson Sardinha
As irregularidades apuradas após três meses de investigação pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) dos Correios e do Mensalão são mais que suficientes para um julgamento político, como o que resultou na cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Mas, para embasar futuras ações penais, as investigações terão de avançar. “No Congresso, não temos um código penal, temos um código moral”, explica a deputada Juíza Denise Frossard (PPS-RJ) ao comentar a diferença de exigências para a formação das provas nas CPIs e na esfera do Judiciário.
O cordão de práticas criminosas estendido em torno do Legislativo e do Executivo pelas CPIs é extenso: começa no recebimento indevido de recursos por parte de parlamentares, passa por contas bancárias mantidas em paraísos fiscais e vai até as irregularidades cometidas por diretores e funcionários dos Correios. Enrolado pela denúncia do mensalinho, Severino Cavalcanti (PP-PE) entrou para a história como o primeiro presidente da Câmara a renunciar ao mandato, acusado de corrupção passiva e concussão (extorsão praticada por funcionário público).
Leia também
Mesmo não sendo alvo das CPIs, livrou-se do julgamento político, que lhe poderia custar oito anos de inelegibilidade, mas não escapou da investigação policial por causa do recebimento de um cheque no valor de R$ 7,5 mil do empresário Sebastião Buani, acusado de corrupção ativa.
De acordo com juristas e parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco, as apurações caminham para a confirmação de pelo menos 14 crimes: corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, falsidade ideológica, improbidade administrativa, contratação dirigida sem licitação, superfaturamento de contratos, concussão, prevaricação e crime de responsabilidade e contra a legislação eleitoral.
“Não há dúvidas de que, por tudo que se apurou até aqui, há elementos suficientes para o enquadramento de vários deputados”, avalia o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Maurício Corrêa. A prova mais evidente desses crimes, segundo ele, está na confissão do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e do presidente licenciado do PTB, Roberto Jefferson, do uso de caixa dois para cobrir gastos de campanha eleitoral. Os indícios resultaram na cassação de Jefferson e na renúncia de Valdemar e de Carlos Rodrigues (PL-RJ).
PublicidadeTrio complicado
Além dos 16 deputados empurrados pelas CPIs para o julgamento político, outros personagens da crise começam a ser encaminhados para um acerto de contas com a Justiça. Pelo menos três nomes são dados como certos pelo sub-relator de Movimentação Financeira da CPI dos Correios, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR): o empresário Marcos Valério Fernandes, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira.
As CPIs tentam desconstruir o argumento de que toda operação foi feita com o objetivo de formar caixa dois de campanha eleitoral, crime de punição branda. "Aconteceu depois das eleições, já com pessoas e empresas que têm interesse no governo", observa Fruet. De acordo com o tucano, a CPI tem todos os elementos para pedir o indiciamento de Marcos Valério por crime contra a ordem tributária, corrupção ativa e falsidade ideológica. Delúbio Soares deve ser indiciado por corrupção e tráfico de influência. Já o ex-dirigente petista Sílvio Pereira, que ganhou uma caminhonete Land Rover da GDK Engenharia – empresa que presta serviços à Petrobras – deve ser denunciado por corrupção passiva.
Os sacadores das contas das empresas de Valério, afirma o deputado, terão de explicar à Receita Federal o que fizeram com o dinheiro recebido. Do contrário, poderão responder por sonegação fiscal. Se não comprovarem a origem e o destino do recurso, estarão sujeitos a uma multa equivalente a 60% do valor sacado.
Calamidade nos Correios
A CPI dos Correios, segundo Fruet, também vai sugerir à Polícia Federal e ao Ministério Público que indicie ex-diretores da estatal responsáveis por uma série de contratos irregulares. Contra eles deve prevalecer a denúncia por improbidade administrativa. Sub-relator de Contratos da CPI, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) pinta um quadro calamitoso ao avaliar a situação dos Correios.
“Ainda não dá pra saber se é um esquema de propina centralizado ou se são vários esquemas que se somam. Temos auditorias que mostram licitações conduzidas, aditamentos de contratos irregulares, superfaturamento de preços e todas as irregularidades possíveis e imagináveis nas relações dos Correios”, diz o petista.
Provas definitivas
Especialista em processo penal, o promotor público de São Paulo Fernando Capez ressalta que, em um julgamento político, provas meramente indiciárias podem embasar uma condenação. Na instância judicial, no entanto, são necessárias provas cabais. Sem elas, não pode haver uma sentença fundamentada, explica. Para ele, os indícios levantados até agora pelas CPIs demandam uma apuração mais aprofundada. “É necessário comprovar tudo o que se viu com rastreamento fiscal, bancário e quebra de sigilos telefônicos”, alerta.
O promotor observa que a Justiça tende a relativizar as denúncias apresentadas apenas com base em depoimentos. “É que, nesse caso, costuma-se contar com a falibilidade humana”, pondera. Capez também lembra que a maioria dos acusados se valeu do direito de não produzir provas contra si, ao depor com o respaldo do habeas-corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com a deputada Juíza Denise Frossard, as CPIs não têm o dever de produzir provas para a esfera judicial. Servem para que parlamentares investiguem parlamentares e se encarreguem de punir os que incorreram em faltas graves. Mas as investigações, contudo, tendem a repercutir fora do Congresso. "Como juíza recorri a provas produzidas pela CPI do Narcotráfico para condenar traficantes", conta a deputada.
“Temos de deixar o caminho e a perspectiva a serem seguidos para a Polícia Federal e o Ministério Público. Esse é o papel (da CPI)”, completa o deputado José Eduardo Cardozo, que foi procurador do município de São Paulo.
A pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, o prazo para a Polícia Federal levantar as provas que vão nortear o julgamento jurídico foi prorrogado por mais um mês. Encerrada a apuração da PF, caberá ao procurador-geral decidir se oferece ou não denúncia contra os envolvidos. O inquérito que apura o mensalão já está no Supremo Tribunal Federal (STF) aos cuidados do ministro Joaquim Barbosa.
Nada satisfaz
Qualquer que seja o resultado das investigações será difícil evitar a frustração da opinião pública diante das conclusões das CPIs, prevê o deputado Gustavo Fruet. “Nós estamos vivendo os extremos. De um lado, há de se ter provas. Não se pode fazer acusação sob pena de cair na leviandade. Por outro lado, parece que tudo o que já veio a público não satisfaz. Está todo mundo esperando o último recibo, o último cheque ou a última imagem. Está claro que compraram parte expressiva de dirigentes partidários para ter apoio no Congresso e que houve contrapartida. Não sei mais o que falta pra comprovar isso”, diz o tucano.
Deixe um comentário