Laís Garcia |
A indigestão causada pelos escândalos que alimentam o noticiário político nas últimas semanas não abala o apetite das 17 mil pessoas que circulam pelos corredores do Congresso Nacional nos dias das sessões deliberativas. Pelo contrário, o burburinho político torna ainda mais atrativas as conversas mesa a mesa. Entre uma refeição e outra, parlamentares, servidores e jornalistas nutrem os bastidores da Casa legislativa em meio a confabulações e troca de confidências. Quanto ao cardápio, as possibilidades variam – conforme o gosto e o bolso de cada um – entre os cinco restaurantes espalhados pelas dependências da Câmara e do Senado. Em geral, porém, não costumam agradar muito. “Almoço no bandejão da Câmara”, declara em alto e bom som o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), referindo-se ao principal restaurante da Casa, um self-service que fica no subsolo do Anexo III. Ali, o quilo da comida custa R$ 8,75. O baixo preço talvez seja a razão de o local estar sempre lotado nos horários de pico. “Por aqui, almoçam cerca de 2,2 mil pessoas por dia, que precisam se revezar nos 216 lugares que temos aqui”, contabiliza Leonardo Pedrosa, administrador da empresa que há um ano gerencia o restaurante, após vencer processo de licitação. Publicidade
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O lugar reúne parlamentares, visitantes de todo o Brasil e ainda os funcionários da Casa. Em comum, a reclamação quanto às filas e às acomodações. “Acho que deveria haver um restaurante exclusivo para quem trabalha aqui, pois esse restaurante fica muito cheio e as pessoas demoram demais para comer”, reclama Mário Almeida, servidor da Câmara. De fato, muitos deputados levam ao restaurante grupos de visitantes de suas bases políticas, o que torna o ambiente ainda mais concorrido. Para conseguir alimentar tanta gente, são servidos, por dia, 700 kg de carne e 72 kg de arroz. Tudo preparado por 78 funcionários do restaurante. Mas o jeito popular do self-service não agrada a todos. Para os descontentes que têm um pouco mais de dinheiro no bolso, há opções mais sofisticadas, como o restaurante do 10o andar do Anexo IV da Câmara. Mas nenhum deles faz mais sucesso entre os congressistas do que aquele que foi batizado por servidores e parlamentares da Casa como o “Restaurante do Senado”. O cardápio é o mesmo há 26 anos, mas a movimentação já não é mais tão intensa, observam os garçons. “Hoje, o movimento fica muito restrito às terças, quartas e quintas-feiras. De cada 100 pessoas que freqüentam o restaurante por dia, só 12 são parlamentares”, conta Edilson Cabral, o Didi, que há 14 anos é maître do restaurante. PublicidadeDidi prefere não revelar os segredos políticos que já ouviu por lá. “O código de ética da minha profissão não permite”, desconversa. Mas revela que os pratos preferidos por deputados e senadores são os que ficam prontos em menos tempo. “Eles gostam de feijão verde com carne de sol e de rabada com agrião”, conta. O preço de um prato, ali, varia entre R$ 19,80 e R$ 45,00, conforme a pedida. Um dos freqüentadores mais assíduos do lugar é o senador Maguito Viela (PMDB-GO), que garante as conversas mais importantes são travadas em lugares mais reservados. “Nos encontramos na sede do partido ou na casa de outros senadores ou ministros. É nesses locais que aproveitamos para comer e tomar as decisões”, afirma. Assim como para milhões de assalariados brasileiros, almoçar em casa é privilégio de poucos parlamentares. Um deles é o primeiro-vice-presidente do Senado, Tião Viana (PT-AC), que sempre que pode opta pela comida caseira. “O difícil, às vezes, é conseguir sair na hora do almoço. Quando estou aqui e não tenho muito tempo, vou ao restaurante do Senado mesmo”, conta. Mas se o assunto é política, a refeição muda de lugar. “As reuniões do partido acontecem ou no Vila Borghese ou no restaurante O Convento”, confidencia. Mas nem a sofisticação dos dois restaurantes, localizados em áreas nobres da capital federal, é capaz de tornar menos indigesto o “cardápio” político dos petistas desde a ebulição causada pela denúncia de que o PT pagaria mesada a deputados aliados, em troca de apoio ao governo. À mesma mesa De frente ao Vila Borghese, aliás, encontra-se o mais famoso ponto do roteiro gastronômico da política brasileira, o tradicional Piantella. O preferido de cinco entre dez parlamentares como lugar ideal para comer e confabular, o restaurante deve sua fama a Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, que freqüentavam o restaurante no período do regime militar. “Esse lugar era conhecido como o covil da oposição, pois reunia políticos favoráveis à redemocratização do país”, lembra Marco Aurélio Costa, mineiro de 55 anos, proprietário do Piantella e um dos maiores conhecedores dos bastidores da política em Brasília. Em tempos de democracia, contudo, o restaurante já não faz distinção entre situação e oposição. “Hoje, é um restaurante em que oposição e governo sentam-se à mesma mesa”, brinca Marco. Conhecido pela facilidade com que lança frases polêmicas, o deputado Bolsonaro, um dos que dizem com orgulho que preferem o bandejão, garante que não é à mesa que as grandes decisões políticas são tramadas em Brasília. “No Congresso, as decisões não são tomadas nos restaurantes, mas no banheiro”, provoca. |
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