Não causou o interesse que merecia a revelação feita semana passada pela Folha de São Paulo sobre as relações entre o segundo maior banco brasileiro e diversos membros da magistratura de alto grau. Através de sua Universidade Corporativa, o Bradesco vem contratando para palestras internas alguns dos mais prestigiados membros de instituições judiciárias como o STJ, o TST e até o STF. Trocando em miúdos, um banco está pagando juízes que potencialmente participarão de julgamentos nos quais estará envolvido. Na verdade, alguns até já têm em suas mesas processos desse tipo.
Procurados pela reportagem citada, os magistrados saíram-se com as alegações de sempre: “a Lei [da Magistratura] não proíbe”, “não estou envolvido em qualquer caso relacionado [ao banco]”, “nesses eventos não se discute assuntos relacionados [ao banco]” e, o pior, “isso é atividade particular”, como alegou o ministro do STF Luís Roberto Barroso.
De fato, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) é omissa quanto ao caso de um magistrado dar palestra fora do ambiente acadêmico. Assim como não especifica qualquer impedimento na hora de julgar casos envolvendo contratantes.
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Isso quer dizer então que é legal o envolvimento pecuniário de magistrados com empresas que potencialmente terão seus processos julgados por eles, correto? Mais uma vez, precisamos separar o joio do trigo. Magistrados são servidores públicos – e da mais alta categoria das chamadas carreiras de Estado – o que imediatamente torna a questão moral tão ou mais forte que a questão legal em qualquer de suas atividades, ainda que de caráter extra-corporis, como eles gostam de dizer.
Vale aqui uma definição rápida de moral e ética. Originária do latim “mores” ou “morus”, moral significa “relativo aos costumes”. Ou seja, aqueles valores que a tradição consolidou e moldou na sociedade. Já ética vem de “ethos”, que é a disciplina filosófica que investiga o que seja o bem, a boa conduta social. A moral seria, dessa forma, um conjunto de valores comunitários por excelência, a base da cidadania, guiada pela ética enquanto ideal do bem.
Ao se considerarem desimpedidos de receber por tais palestras, os magistrados não infringiram qualquer regra ou norma jurídica. Mas, com certeza, deveriam ter levado em conta a moralidade dessa ação, não por acaso um dos princípios básicos da administração pública, como a própria legalidade, a publicidade, a eficiência e a impessoalidade. É aquela velha história de se confundir alhos com bugalhos ou reduzir a moralidade à legalidade (o que, aliás, é em si mesmo um ato imoral), quando os dois primeiros são distintamente exigidos em nosso texto maior.
No momento em que se discute no Congresso Nacional a legalidade (e – por que não? – a imoralidade) do envolvimento pecuniário entre empresas e membros do Executivo e do Legislativo, através das doações de campanhas, é preciso que seja também debatida com a sociedade o tema empresas x Judiciário.
Se a questão é a Lei da Magistratura, que ela seja revista. O que não pode é a afronta aos valores morais como esta que se descortina para a sociedade, que há anos vem dando mostras firmes de que nosso grande gargalo é moral, e não apenas legal.
E, sem sombra de dúvida, cabe à Justiça dar o maior exemplo.
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