Cristia Corrêa de Lima *
Bom dia, servidores, sejam vocês nomeados em cargo efetivo ou que ocupem função de confiança.
Antes de mais nada, é bom que se esclareça que as organizações públicas são criadas para atender as demandas da sociedade.
Diante de tantas demandas e de recursos escassos, o que diferencia um governo de outro é a tempestividade e a assertividade na decisão entre uma e outra prioridade.
Estamos vivendo momentos definidores em relação ao que a sociedade espera do Estado, ou seja, de nós. Nossos valores estão sendo testados contra os fatos e contra a experiência. A todo momento, temos que lembrar que esses nossos valores demandam ações efetivas e não somente palavras.
Assim, na semana em que se comemorou o Dia do Servidor Público, peço uma reflexão dos senhores, de todos os senhores que ocupam esses imensos palácios ou pequenos postos de atendimento. Ao mesmo tempo somos Estado e sociedade, correto? Então, qual o Estado que queremos? Qual a sociedade que queremos?
Vejam bem, as pessoas em geral, procuram compreender e vivenciar o significado de seu trabalho, então, qual seria o significado de nosso trabalho? Qual a nossa missão? Que valores estabelecemos para conduzir nosso trabalho? Você sabe?
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Que sentimentos compartilhamos ao vir trabalhar todos os dias? Você sente que produziu algo de útil para nossa sociedade ao terminar seu dia de trabalho? Ou tem a impressão de enxugar gelo eternamente, que os erros se repetem a cada governo que assume o iceberg?
A moda das últimas décadas é atribuir as mazelas do Estado ao servidor público. E qual a nossa postura? Nos calamos, nos submetemos, não temos mais força, ou ânimo para contestar os achismos dos governantes da vez subsidiados por acadêmicos sem praxe na administração. Ou pior, muito pior, deixamo-nos ser conduzidos pelos mesmo grupos sindicais que nos usam como objeto de barganha política governo após governo.
Soma-se a todo esse discurso massacrante a completa e total falta de gestão de recursos humanos no âmbito do governo do Distrito Federal. Carreiras são transpostas, atribuições são usurpadas, competências são modificadas, a vida funcional de uma carreira é destruída em decisões arbitrárias calçadas apenas na vontade de quem está com a caneta em períodos eleitoreiros.
Estão retirando, a conta gotas, garantias trabalhistas conquistadas em lutas históricas.
A Lei Orgânica do Distrito Federal e a Constituição Federal são diuturnamente desrespeitadas em vários aspectos, mas é aviltante quando se trata dos servidores do executivo. A LODF é clara no dever do Estado em tratar de forma isonômica os servidores do legislativo e do executivo e na CF está incluso também o judiciário. O Capítulo VI da LODF reza em seu artigo 19:
IX – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o art. 33, § 5º, somente podem ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
XI – os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
E no seu artigo 33:
O Distrito Federal instituirá regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, autárquica e fundações públicas, nos termos do art. 39 da Constituição Federal.
§ 1º No exercício da competência estabelecida no caput, serão ouvidas as entidades representativas dos servidores públicos por ela abrangidos.
§ 2º As entidades integrantes da administração pública indireta não mencionadas no caput instituirão planos de carreira para os seus servidores, observado o disposto no parágrafo anterior.
§ 3º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório deve observar:
I – a natureza, o grau de responsabilidade, as peculiaridades e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;
II – os requisitos para a investidura.
§ 5º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Secretários de Estado, os administradores regionais e os demais casos previstos na Constituição Federal são remunerados exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 19, IX e X.
§ 6º A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira pode ser fixada nos termos do § 5º.
No artigo 34:
Art. 34. A lei assegurará aos servidores da administração direta isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo e Legislativo, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas da natureza ou local de trabalho.
Então senhores, pergunto a vossas senhorias:
- Até quando permaneceremos mendigando reposição inflacionária de quatro em quatro anos, véspera de eleições, dividida em três parcelas?
- Até quando seremos desviados das atribuições para as quais prestamos concurso?
- Até quando seremos tratados como os causadores das mazelas do Estado?
- Até quando seremos submetidos a todo o tipo de achincalhamento sendo tratados como preguiçosos, incompetentes, lenientes, omissos, e … caros para a sociedade?
Bom, a resposta é simples… seremos tratados como mais uma mazela enquanto não nos dermos ao respeito, enquanto não valorizarmos toda a nossa trajetória de vida e de luta para estarmos aqui onde milhões de pessoas desejariam estar. Portanto, a culpa é nossa!!!
A culpa é nossa por deixar que aqueles que possuem interesses particulares na administração da coisa pública ocupem nossos espaços de decisão enquanto permanecemos calados.
A culpa é nossa por nos submetermos, deliberadamente, a pessoas que não conhecem o que estão fazendo sem firmamos e sustentarmos o nosso entendimento técnico. Enquanto nos calamos, o Estado de Direito e a sociedade sucumbem à corrupção e aos desmandos do político da vez.
Sugiro um pacto entre os servidores na defesa dos interesses da sociedade pelos quais a mão firme do Estado deveria atender. Estado este que deveria primar pela excelência de suas mentes, mas prefere se vender à politicalha da República Velha, onde os mandões é que definem a que interesses atender. E, pasmem, muitos de nós preferem garantir o seu a pensar no todo.
O pacto se estabelece em sair da inércia, em fazer acontecer, em representar, em apontar, em ter coragem para mostrar a cara e dizer aos que estão aí sem rumo sobre o que e como fazer.
Governador, não se engane, tenha coragem, ouça a voz daqueles que não querem enganá-lo com ficções e marketing pessoal. Muitos dos que estão, governo a governo, nos mesmos cargos e cometendo os mesmos erros precisam ser chamados à responsabilidade, precisam sair da inércia e propor o que deve ser proposto.
Vendem ilusão ao governante da vez para que possam se manter nas posições estratégicas do governo sem que se apresente projeto de aprimoramento das ações governamentais que sejam factíveis. Não querem mudança, não querem perder o posto. Disseminar o conhecimento é perder força, é arriscar-se, é fragilizar sua perpetuação nos cargos.
Governança, o que é governança? Segundo SECCHI, “denota um Estado menos hierárquico e menos monopolista na solução de problemas públicos”; ora, criaram uma Câmara intitulada de governança em que meia dúzia de pessoas decide a vida de todo o complexo orgânico do DF sem conhecê-lo. Resultado: estão todos os processos represados sem que os andamentos sejam tempestivos, muitas vezes inviabilizando as ações dos diversos órgãos do DF.
É evidente que algumas supercentralizações não serão frutíferas e terão de ser revistas em curtíssimo prazo, pois não há servidores para dar conta das superestruturas propostas pelos acadêmicos.
A teoria é imprescindível para embasar as ações técnicas, mas são os técnicos que com a prática conseguem dar à teoria o fim a que se destina.
Não há como chegar ao modelo de governança sem rever leis, sem valorizar os servidores, que são a memória e a força motriz do Estado.
Portanto, governador, ouça seus técnicos, mas os técnicos que a teoria científica categoriza como BUROCRATAS DE NÍVEL DE RUA, estes são aqueles que não fazem lobby, aqueles que não fazem a velha politicalha, aqueles que trabalham diretamente com o público, que entendem suas dificuldades, que sofrem com a sociedade porque trabalham por ela, pois são servidores do público por VOCAÇÃO, e não por oportunismo. Sim, governador, existem servidores (do Executivo) que tiram dos seus próprios vencimentos recursos para comprar remédio para sanar a dor de um paciente no hospital, pois o burocrata oportunista só se preocupa com o jornal da tarde. Sim, existe servidor que abre mão de horas de descanso para realizar atividades para sua comunidade, para a igreja, para ajudar o outro. Somos muitos os que acreditam, pois se não fôssemos, o estado de guerra já estaria estabelecido de forma plena.
A valorização dos servidores é imprescindível e urge – não só no que tange ao aspecto financeiro (que é importante). Mais importante do que isso, porém, deve ser a valorização de sua dedicação aos estudos, às batalhas do dia a dia no front. É dura a batalha de ter que fazer acalmar a dor de alguém apenas com um sorriso, pois, além da falta de um simples analgésico ao chegar à casa, o amontoado de dívidas corrói sua alma.
Esse manifesto busca trazer os servidores à luz, deem-se ao respeito, exijam respeito, exijam seus espaços, incomodem, tirem as figuras ilustrativas da zona de conforto, escrevam, representem, apresentem seus projetos, insistam, persistam e, principalmente, organizem-se, discutam os caminhos que queremos para a nossa cidade, sem nosso empenho e colaboração, seja lá governo de qualquer ideologia, de qualquer P, fatalmente fracassará, mas qualquer governo fracassando é o fracasso da sociedade ao fracassar a sociedade não há necessidade de regras, leis e do Estado em si, estaremos em guerra.
Nos últimos dias estamos sendo vistos, por alguns, como mercenários, pois diversas carreiras decidiram pela greve em face da impossibilidade do governo atual em cumprir o compromisso assumido pela gestão anterior. O que me espanta é que os técnicos da Fazenda, do Planejamento e, pior, do Controle Interno, que são os mesmos e certamente sabiam da situação, calaram-se quando teriam o dever de representar contra a ilegalidade. Então, por que se calaram? Por que não se impuseram?
Eu como servidora, e antes de tudo como cidadã brasileira, desejo nesta semana do Dia do Servidor que as leis sejam cumpridas, que tenhamos uma gestão de recursos humanos que permita a isonomia prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica do DF, para que nenhuma carreira, de qualquer dos Poderes, se sobreponha a outra, e que todas tenham o real dimensionamento da importância da sinergia entre elas e de sua função pública. Assim, não haverá greves, pois o espírito público, republicano e isonômico, assegurará a remuneração e o reconhecimento justos a todos os servidores.
Ontem pela manhã ouvi que é um absurdo o governo despender 80% do que arrecada com pessoal e que não sobra quase nada para investir em programas sociais, infraestrutura, manutenção e etc. Mais uma vez, no discurso, a culpa é do servidor.
O que me intriga é que nunca dizem que a nossa arrecadação é ineficiente, que a sonegação é avassaladora, que os espertos aguardam para chegar a hora do Refis para levar vantagem sobre aquele cidadão que paga seus impostos em dia. Somam-se a isso as prioridades estranhas dos governos, como investir R$ 2,5 bilhões na construção de um estádio de futebol. Sabe-se lá quantos bilhões foram gastos em equipamentos para dar suporte a alguns jogos de futebol, como a compra de milhares de cones, barreiras, veículos, veículos modificados, sistema de segurança, ingressos etc.
Além dessas prioridades estranhas, existe ainda a incapacidade técnica dos governos em executar bilhões de reais que são captados por meio de convênios com a União e organismos internacionais. Qualquer cidadão que acessar as últimas auditorias do TCU após a “Caixa de Pandora” vai se estarrecer com a devolução ou inexecução de mais de 90% dos recursos captados. Aí alguém pode perguntar como pode um governo despender 80% com recursos humanos e não ser capaz de executar tantos programas importantes e imprescindíveis para a coletividade?
A resposta é simples: quem faz as coisas acontecerem são as pessoas, no caso em tela, os SERVIDORES, sejam eles concursados ou não. Porém, a inexistência de gestão de recursos humanos inviabiliza que se otimizem os recursos humanos que temos. Contadores cuidam das bibliotecas, biblioteconomistas fazem auditorias, arquitetos administram, administradores trabalham no protocolo.
Portanto, não é absurdo gastar 80% do que se arrecada com pessoal. Absurdo é sucumbir à sonegação avassaladora e à inexecução de recursos já garantidos que mofam nos cofres públicos porque não gerimos pessoas.
Sem pessoas processos não são instruídos, ruas não são construídas, pacientes não são tratados, remédios não são comprados. É preciso valorizar as pessoas. É um equívoco mortal para qualquer governo denegrir a imagem dos servidores. Em qualquer país organizado os servidores são respeitados e possuem a credibilidade de seus cidadãos.
Que os ventos mudem. Já que o Dia do Servidor não é festivo, pelo menos que seja de reflexão e que o nosso trabalho e a nossa dedicação sejam sempre em benefício de toda a sociedade.
* Cristia Corrêa de Lima, 45 anos, é servidora pública, bacharel em Ciências Contábeis e Gestão de Políticas Públicas, ambos pela UnB. É mãe de três filhos e ativista no combate à corrupção.
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