O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) recebeu ao menos duas representações disciplinares contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, após o último vazamento de mensagens que indicam uma suposta tentativa de fraude com fim político na operação. De acordo com autor de uma das representações, o posicionamento do procurador contra a Proposta de Emenda Constitucional 05/2021, que modifica as normas de escolha de membros do conselho, é reflexo de suas fraudes na operação.
As representações foram elaboradas após o vazamento, no portal Diário do Centro do Mundo, revelando conversas ocorridas em 2015 entre Deltan e o procurador Athayde Ribeiro Costa, indicando que os dois teriam manipulado a delação de Pedro Barusco, até então gerente de serviços da Petrobras, para incluir acusações contra o PT, PP e o atual MDB no inquérito da Operação Lava Jato.
Uma das representações foi enviada em nome dos deputados Rui Falcão (PT-SP) e Paulo Teixeira (PT-SP). O documento foi elaborado por um time de juristas, entre eles o advogado Fabiano dos Santos. De acordo com ele, as acusações de fraude processual tornam visíveis os interesses de Deltan em se opor à aprovação da PEC 05/2021, pela qual o procurador manifestou repúdio em suas redes sociais. “Ele está combatendo a PEC justamente por isso: se o CNMP funcionasse, o Deltan já estaria demitido a bem do serviço público há muito tempo”, declarou ao Congresso em Foco.
O CNMP já chegou a receber pedidos de processo contra Deltan em 2019, quando foram vazadas as conversas entre o procurador e Sérgio Moro. Os processos prescreveram sem uma resposta do Conselho. Para Fabiano dos Santos, isso demonstra a necessidade de maior transparência no órgão. “Não é possível que tudo o que foi feito não tenha qualquer tipo de sanção ou punição aos procuradores”.
Deltan afirma que a PEC 05/2021 pode retirar a independência do Ministério Público ao dar ao Congresso Nacional o poder de escolher parte dos membros do CNMP. O advogado não considera que o interesse do procurador seja a saúde da instituição, afirmando que “Deltan, na verdade, defende a impunidade para ele e para os procuradores”.
Um dos pontos que podem mudar com a aprovação da emenda constitucional é o aumento do prazo prescricional de processos disciplinares no Conselho. Com essa mudança, Deltan pode perder o que o advogado considera como seu principal escudo. “O processo dele ficou 45 vezes pautado até prescrever. A prescrição, que ele sempre condenava, é algo de que ele sempre se valeu”, afirma Fabiano dos Santos.
O advogado defende que fraudes como as atribuídas a Deltan só serão possíveis de se combater a partir de reformas como as propostas na PEC 05. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia se manifestou de forma semelhante. “Todo o debate que ora ocorre no Congresso Nacional no âmbito da PEC 05/2021 demonstra a necessidade de que esse órgão de controle demonstre, de fato, sua independência para investigar desvios de condutas de membros da carreira”, diz o grupo em nota.
A associação considera que a defesa da reforma no conselho não diz respeito apenas a Deltan. “O que está em jogo não são apenas as condutas dos procuradores da República no âmbito da força-tarefa da Operação Lava Jato, mas, a depender de como reaja, a própria instituição Ministério Público.”
A representação assinada em nome dos parlamentares é a menos exigente das enviadas em resposta às possíveis fraudes de Deltan. Na avaliação dos parlamentares, as condutas apuradas na Operação Spoofing, que apura as conversas vazadas envolvendo Deltan, configuram dilapidação do patrimônio nacional e improbidade administrativa, devendo o procurador ser demitido do Ministério Público Federal.
Já a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia foi mais exigente em sua representação diante do Conselho, considerando que “o fato envolvendo uma possível falsificação do depoimento de uma testemunha por parte de procuradores da República, para prejudicar um ou mais acusados, com claras intenções políticas, configura diversos crimes, inclusive de prisão”.
Os deputados consideram “estarrecedor” o conteúdo das denúncias, e que “caso seja confirmado pelo CNMP, deve inevitavelmente levar à responsabilização dos procuradores da República”. Fabiano dos Santos acredita que os documentos vazados possuem fortes indícios de veracidade.
“As datas batem direitinho. Se você olhar a data das mensagens [ 3 de janeiro de 2015] dois, três meses depois Barusco assina a delação em que inclui PT, inclui PP e mais coisas. O que é uma coisa absurda, porque a delação precisa ser algo espontâneo. E eles ainda fizeram um acordo com ele para dar mais benefícios”, explica o advogado.
O Congresso em Foco tentou contactar o procurador Deltan Dallagnol para solicitar sua posição quanto ao vazamento de conversas e as representações diante do CNMP. Não houve resposta. O espaço permanece disponível para que ele se manifeste.
Em manifestação nas redes sociais, Deltan diz que a indicação de parte do CNMP por membros do Congresso Nacional é preocupante. “Ela dá para políticos uma grande influência no conselho que pune promotores e procuradores que os investigam. Ou seja: promotores e procuradores estarão debaixo de um risco constante de retaliação e de demissão quando incomodarem as pessoas poderosas”, alerta.
Com a influência política sobre parte das atividades do conselho, o temor do procurador é de que senadores e deputados fiquem imunes a investigações. “Esse mesmo conselho vai poder derrubar denúncias, pedidos de prisão e condenações contra poderosos, tornando-se uma quinta instância de revisão em um sistema de justiça que é único no mundo, haja ter quatro instâncias”.
Deltan Dallagnol considera que a PEC pode comprometer ainda outras atividades do Ministério Público além da fiscalização sobre agentes políticos. “Essa PEC atinge todo o trabalho do Ministério Público em defesa da saúde, da educação, do meio ambiente, do consumidor e contra a corrupção”, declarou.
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