Mito é uma narrativa de caráter simbólico-imagético que evolui em determinadas condições históricas de uma dada cultura. Jair Bolsonaro usa isso como poucos. Defesa de “Fora” ou “Impeachment” não o atingem. Pelo contrário, fortalecem a sua mitologia. Para atingi-lo será preciso desmitificar o seu mito, ou seja, provar sua corrupção e dos seus filhos.
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Ao contrário da mentira, uma realidade imaginada é algo em que muita gente acredita e, enquanto essa crença partilhada persiste, a realidade imaginada exerce influência no meio em que está inserida.
É nessa realidade inventada que o bolsonarismo existe e persiste em existir. E qual é essa realidade? É uma realidade que veio sendo consolidada por nossa sociedade desde 2012, algo que cercou a credibilidade política e social de nossas instituições. Realidade esta que ficou marcada por fortes características de corrupção e de falência do papel mediador do judiciário, que se tornou o principal ativista político da atualidade.
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É sabido que cada cultura tem suas crenças, normas e valores característicos, e por certo, estão em constante transformação. No Brasil, a cultura contra o “establishment”, em especial, no contexto da denominada “lava-jato” ganhou uma força inimaginável, e se tornou “cláusula pétrea” da nossa organização social.
Este cenário meio caótico, é propício para o surgimento de novas lideranças e é, também, capaz de forjar mitos; fato consolidado hoje na figura de Jair Bolsonaro. E, acreditem, Bolsonaro sabe muito, mas muito bem disso.
Ao tomar conhecimento da figura que virou – acrescento aqui algum nível qualificado de assessoria que o cerca -, Bolsonaro aplica sua estratégia de sempre estar a emanar diretrizes ao seu núcleo mais fiel, e a buscar sempre materializá-la em ações nas redes sociais e, também, em ações de pequenos grupos nas ruas e nos segmentos que o apoiam.
Do ponto de vista ideológico, ele busca de todas as maneiras, via narrativas ou atos oficiais ou retóricos, reforçar sua aliança com evangélicos, agropecuaristas e caminhoneiros, conhecidos apoiadores de sua gestão e, também, de sua permanente campanha eleitoral.
Tais ações invocam uma coisa primária dos seres humanos, algo que está em nosso subconsciente, que é a necessidade de se defender do inimigo. Como escreve o professor de história e escritor israelense Yuval Harari, nossa evolução biológica nos fez dividir instintivamente a sociedade em “nós” e “eles”.
Para o professor Yuval, nós somos todos responsáveis uns pelos outros, mas não por “eles”. “Nós somos sempre distintos deles, e não devemos nada a eles. Nós não queremos ver nenhum deles em nosso território, e não nos importamos nem um pouco com o que acontece no território deles”. Tais elementos são muito perceptíveis no núcleo que cerca Bolsonaro. Sua insistência na polarização e seus constantes confrontos, seja por questões que envolvem “a velha política” x “a nova política”, os “corruptos” x “não corruptos”, acendem o instinto natural de nossas defesas, o que pode refletir em violência. De todas as atividades humanas coletivas, a mais difícil de organizar é a violência.
Neste contexto, destaco que o mito não é uma mentira, pois é verdadeiro para quem o vive. A narração de determinada história mítica é uma primeira atribuição de sentido ao mundo, sobre o qual a afetividade e a imaginação exercem grande papel.
Os mitos são usados para justificar o modo de vida de uma sociedade. Várias famílias em muitas civilizações antigas, justificavam os seus poderes através de lendas que descreviam suas origens como sendo divinas. E é assim que Bolsonaro atua, trata sua família como seres “superiores”, “puritanos” e não “corruptíveis. Justifica seus atos e ações como se fossem seres mitológicos.
Vale lembrar, portanto, que o mito possui três funções: explicar; organizar; e compensar. Agora veja como Bolsonaro as utiliza: explicar o que aconteceu no passado (corrupção); organizar (dar sentido as relações sociais); e compensar (contar algo que não é mais possível de acontecer; a corrupção). A maior parte dos seus seguidores está circunscrito naqueles que acreditam que ele será o “Messias” que irá pôr fim à corrupção no Brasil.
Freud, que estudou o mito do herói de forma mais ampla, pode ter dado um novo sentido à interpretação dos mitos e às explicações sobre sua origem e função. Para o médico neurologista e psiquiatra, mais que uma recordação antiga de situações históricas e culturais, ou uma elaboração fantasiosa sobre fatos reais, os mitos seriam uma expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes de um povo, de forma perfeitamente comparável ao que são os sonhos na vida do indivíduo
O pensamento mítico envolve e relaciona elementos diversos, fazendo com que eles ajam entre si. Depois, ele organiza a realidade, dando um sentido metafórico às coisas, aos fatos. Como forma de comunicação humana, o mito está obviamente relacionado com questões de linguagem e também da vida social.
Tais elementos explicam porque Bolsonaro mantém a sua taxa de avaliação em ótima ou boa na casa dos 30% desde abril de 2019 (pesquisa Datafolha). Ao longo do primeiro ano de mandato, os índices variaram pouco. Em nenhuma das pesquisas Bolsonaro registrou índice maior de 35%. Ao usar elementos da mitologia, Bolsonaro explica e induz a realidade das pessoas, que se tornam, a cada conflito, mais fiéis a sua estratégia.
Bolsonaro, tanto em sua campanha eleitoral quanto em sua gestão, aposta no fim do governo de coalização – apesar dele fazer negociatas e acordos como todos sempre fizeram. Ele se utiliza de frases e ações contraditórias para garantir que sua mensagem chegue a todos, até mesmo aos que não gostam dele, provocando a sensação de dúvida entre aqueles que se sentem menos seguros de suas convicções.
Ao vermos Bolsonaro atacar a “democracia”, os “poderes”, o “comunismo”, ele o faz de maneira muito consciente e com objetivos claros para reforçar a sua figura mitológica. Ele – e o núcleo que o cerca – sabem que ao atuar assim ele sempre trará à tona sentimentos primários dos seres humanos, tais como: medo e sobrevivência. Com tais elementos latentes em nossa sociedade, todos os atos poderão ser justificados em prol daqueles que buscam um “bem maior” ou, até mesmo, a “purificação” de nossa sociedade e o fim da corrupção.
Portanto, não adianta pedir ou gritar por “Fora Bolsonaro” ou “Impeachment”. Nada disso o derrubará, pelo contrário, fortalecerá o seu mito. Para quem deseja retirá-lo do posto de presidente e desidratá-lo politicamente, o caminho correto é desmitificá-lo, provar que ele é algo fantasioso, irreal e inacreditável.
E qual o caminho para isso? Trabalhar para que as investigações sobre os atos de corrupção dos seus filhos sejam de fato apuradas; provar que ele agiu e continua a agir de forma ilícita perante a sociedade, que cometeu crime eleitoral e, que por fim, mantém relações políticas obscuras com parte do empresariado que financia suas fake news. Indícios e elementos para encontramos as respostas para essas questões já estão no tabuleiro político. Resta saber se há coragem ou vontade política de torná-los públicos.
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