[vc_row][vc_column][vc_column_text]Dividimos com todo o nosso público o conteúdo abaixo, enviado no último dia 31 para os assinantes do Farol Político, um dos serviços Premium do Congresso em Foco. Saiba como assiná-lo.
A ideia em um segundo
Marcos temporais, ainda que sejam postiços, criam a possibilidade de compreender como repetição e transformação se juntam para criar o fluxo da história. A humanidade avança repetindo-se e transformando-se. Nesta edição, o Farol Político lança luz sobre sete questões essenciais que o turbulento ano de 2020 trouxe à tona.
1. A pandemia e seus efeitos
Antes mesmo de chegar ao país, a pandemia foi politizada pelo presidente Jair Bolsonaro, passando a fazer parte dos conteúdos a alimentar os embates ideológicos. A postura do Poder Executivo federal e dos seus apoiadores foi negacionista (“gripezinha”, ações na contramão do que preconiza a ciência), diversionista (tentativa de manipular dados, a busca do culpado chinês) e divisiva (guerra aos governadores e a instituições como Congresso e STF).
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A nova vertente de politização da pandemia, agudizada nos últimos 45 dias, é a guerra das vacinas, que colocou em polos opostos Bolsonaro e um de seus principais correligionários em 2018 e atual arqui-inimigo, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Após vetar a compra da vacina chinesa, o presidente deu repetidas demonstrações de desencontro com o conhecimento científico.
Numa só oportunidade, anunciou que não tomará vacina porque já teve covid-19 e por isso se considera imune (ignorando a possibilidade de reinfecção), colocou em dúvida a eficácia e a segurança das vacinas (que passaram por testes rigorosos e já estão em uso em mais de 50 países) e, desprezando o fato de as reações adversas até aqui observadas serem raríssimas, disse que a vacina poderia transformar alguém em jacaré (metáfora que estimula o boicote à vacinação).
Do ponto de vista administrativo e sanitário, o Brasil tem sido apontado pelos cientistas e até por aliados de Bolsonaro como um dos piores exemplos – quando não o pior – de gestão governamental da pandemia. Não temos ainda cronograma de vacinação. O ministro da Saúde, um general que mostra completa ignorância sobre o tema, faz coro às sandices do presidente. O governo federal, além de não providenciar as vacinas, sequer foi capaz de comprar as seringas necessárias para a vacinação. E chegamos, conforme a contabilidade oficial, perto de 200 mil mortes por covid-19.
Do ponto de vista político, os resultados não são ruins para Bolsonaro. Grande parte dos brasileiros aceita suas explicações tecnicamente erradas e não associa ao seu desempenho o peso da contagem de óbitos e outros efeitos negativos da pandemia, ao mesmo tempo em que o vincula a algo visto unanimemente como positivo, o auxílio emergencial.A mais recente pesquisa Datafolha não deixa dúvidas de que o presidente teve êxito na estratégia de transferir as responsabilidades de gestão da pandemia para terceiros, como governadores, prefeitos ou mesmo para o STF e o Congresso: 52% dos brasileiros acreditam que ele não tem nenhuma culpa pelas mortes causadas pela pandemia e 37% consideram seu governo bom ou ótimo.
Os próximos meses mostrarão se tais percepções vão ou não se alterar com o fim do auxílio emergencial e os desdobramentos da guerra da vacina.
2. Reformas travadas
A pandemia travou toda a pauta reformista do Legislativo. Nem a reforma tributária, nem a reforma administrativa, nem propostas encaminhadas ao final de 2019, como a PEC do Pacto Federativo e a PEC Emergencial, andaram. O que não significa que o Congresso Nacional não tenha atuado.
Ao contrário. Em função da pandemia e em muitos casos da ausência de propostas vindas do Executivo, o Parlamento assumiu grande protagonismo, sobretudo até metade do ano. No caso da Câmara dos Deputados, as 180 proposições legislativas aprovadas ao longo do ano representam o maior número verificado desde 2011, como mostra a tabela abaixo, preparada pela Secretaria-Geral da Mesa (SGM) da Câmara.
3. O declínio de Paulo Guedes
O ministro da Economia assumiu o papel de bufão e brincou consigo mesmo, afirmando em entrevista que prometia “não prometer mais nada”. Matraqueador de números fantasiosos e perspectivas edênicas, o outrora Posto Ipiranga, apresentado como solução para todas as mazelas econômicas nacionais, viu seu ideário hiperliberal ruir. As reformas não avançaram. O Estado brasileiro, chamado para aliviar o custo social da pandemia, aumentou de tamanho. Em vez da prometida privatização ampla, criou-se uma nova estatal (a Nav Brasil, empresa vinculada ao Ministério da Defesa que cuidará do tráfego aéreo). E teve de lidar com uma debandada de técnicos da sua equipe.
Nos próximos dois anos a economia deve assumir papel crescente na avaliação de popularidade do presidente da República e certamente será um dos fatores de grande peso no processo eleitoral de 2022. Diante desse cenário, Guedes deve ter uma travessia turbulenta em 2021, dada a pressão feita por vários ministros e pelo Centrão para abrir os cofres de uma nação com graves problemas fiscais.
4. Presidencialismo de coalizão
O Farol Político estreou, um ano atrás, mostrando a vulnerabilidade da opção inicial feita pelo presidente Jair Bolsonaro para se relacionar com o Congresso Nacional. Escrevemos que a ideia de contornar o presidencialismo de coalizão e tentar governar amparado no apoio de bancadas setoriais, como a evangélica e a da segurança, revelava-se “frágil desde o início, uma vez que no Congresso os partidos são fortes; dominam recursos institucionais de coerção de comportamentos praticamente inexistentes nas bancadas temáticas”.
Descumprir uma determinação partidária, afinal, pode levar o parlamentar a ser excluído de relatorias, de indicações para comissões importantes, além de trazer prejuízo às suas pretensões eleitorais. Em 2020, Bolsonaro deu uma guinada radical e mergulhou de vez no presidencialismo de coalizão ao se aliar ao Centrão. Valeu-se de todos os recursos disponíveis na chamada caixa de ferramentas do Executivo: cessão de ministério, pagamento de emendas parlamentares, troca da liderança do governo na Câmara. Esses movimentos resultaram efetivamente em mais votos no Congresso, além de afastarem as possibilidades de impeachment do presidente.
5. Golpe x impeachment
No ano que passou, o país caminhou no fio da navalha.
De um lado, foi ameaçado pela tentativa de golpe por parte do presidente da República, expressa em várias manifestações públicas, que incluíram uma sessão de apologia ao AI-5, o ato que deu poderes ilimitados à ditadura militar para cassar, censurar, prender e perseguir opositores políticos (merece atenção, sobre o tema, um importante relato da revista Piauí).
De outro, falou-se muito em impeachment do presidente, ideia que de fato entrou nas cogitações de importantes líderes parlamentares, sobretudo nos meses de março a maio, no auge dos atos bolsonaristas pelo fechamento do Congresso e do Supremo
Tribunal Federal.
Como costumam apontar os cientistas políticos, porém, instituições importam e elas são essenciais para exercer constrangimentos à ação de indivíduos em favor do interesse comum. Bolsonaro não teve apoio nem dos chefes militares nem da sociedade para a sua aventura autoritária. Ao mesmo tempo, Rodrigo Maia jamais aceitou acender o pavio do impeachment, respeitando assim uma barreira que as principais lideranças empresariais, as Forças Armadas e outros segmentos que mantiveram o apoio ao governo não queriam ver ultrapassada.
6. As eleições municipais
Tanto Bolsonaro quanto a oposição tiveram maus resultados nas eleições municipais. O presidente amargou muitas derrotas entre os candidatos que apoiou, culminando com a do irmão de Alcolumbre em Macapá. Na esquerda, apenas o Psol cresceu, embora tenha brilhado menos pelas poucas prefeituras que conquistou do que pelo significativo fato de ter chegado ao segundo turno em São Paulo. Em ambos os casos, o fracasso está longe de indicar que qualquer dessas forças está fora de combate.
Tratamos amplamente do assunto em edição que você pode consultar aqui. Abaixo, alguns sinais que a disputa municipal deixou para 2022:
– uma centro-direita fortalecida, mas que terá de encontrar um candidato e lidar com possíveis defecções para enfrentar Bolsonaro e a extrema-direita;
– uma extrema-direita encolhida, mas coesa em torno de Bolsonaro, que se beneficia de um sistema de poder que favorece muito o candidato à reeleição;
– um PT reduzido em estatura, mas ainda com musculatura suficiente para ter poder de fogo no cenário eleitoral;
– uma centro-esquerda (PDT e PSB à frente) que superou os petistas na porção obtida do mapa de poder municipal, mas ainda incapaz de ser alternativa consistente para 2022 sem contar com o PT.
7. O isolamento internacional do Brasil
Bolsonaro apostou alto em Trump e perdeu feio com a eleição de Joe Biden. Ter demorado 38 dias para cumprimentá-lo pela vitória, obviamente, em nada ajudará nas relações futuras entre Estados Unidos e Brasil, que já recebeu censura pública do Congresso norte-americano por causa das atitudes do atual governo em relação à democracia e ao meio ambiente.
Como é próprio de líderes populistas, Bolsonaro usou e abusou da arte de inventar inimigos para agregar adeptos em torno de si. Sua militância foi ao êxtase por causa das reiteradas bravatas presidenciais contra nações e governantes estrangeiros, mas o país apenas se isolou ao entrar em rota de colisão com quase todos os seus parceiros comerciais importantes. Entre eles, China (o maior deles), França, Alemanha e Argentina. Após passar as duas últimas décadas em posição de protagonista nos debates globais sobre o clima, o país passou a ser ignorado em eventos importantes na área e é visto agora com desconfiança pela diplomacia internacional, como recentemente disse ao Congresso em Foco o embaixador da União Europeia.
De resto, é preciso reconhecer o duplo significado da derrota de Trump. De um lado, ela reduz as perspectivas de turbulência para os próximos quatro anos. Do outro, a votação significativa que recebeu e a pantomina em que se envolveu ao se recusar a aceitar os resultados eleitorais demonstram a força que o nacionalismo radical de direita mantém. Também lá a convocação contra inimigos imaginários (a globalização, o socialismo, os imigrantes etc.) sustenta discursos e práticas negacionistas, que desafiam o conhecimento científico, a preservação ambiental e a saúde.
Mas não se trata de uma exclusividade da direita. López Obrador, no México, repete argumentos muito parecidos aos de Trump e Bolsonaro para condenar medidas recomendadas tecnicamente, como o distanciamento social e o uso obrigatório de máscaras em ambientes compartilhados com outras pessoas. Alega agir em nome da liberdade de cada um.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelo jornalista Sylvio Costa. Nesta edição, contamos com a colaboração de João Frey e Lucas Vinícius (análise de dados) e Vinícius Souza (design).
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