É cada vez mais estarrecedor o novo embate ideológico que vem tomando conta do debate sobre meio ambiente no Brasil e no mundo. De um lado, representantes de quase 200 países acabam de bater o martelo para definir regras, comuns a todos, destinadas a limitar em dois graus centígrados o aumento da temperatura média do planeta até o fim do século. De outro, um movimento de negação do aquecimento global aos poucos ganha adeptos e se fortalece, ainda que sem uma estrutura formal definida, mas com apoios cada vez mais preocupantes.
O contexto fica ainda mais desanimador quando nos deparamos com esse debate no mês em que se completam 30 anos do assassinato de Chico Mendes, ambientalista e líder sindical que se transformou em ícone da luta pela preservação da Floresta Amazônica e em defesa da sustentabilidade, base de um equilíbrio entre natureza e a intervenção humana.
Se naquela época e até pouco tempo atrás o enfrentamento se dava entre defensores da natureza e fontes limpas de energia contra grandes grupos econômicos interessados em manter o atual modelo de exploração baseado no petróleo, ignorando o efeito nocivo da poluição no planeta, agora o que se observa é a tentativa de se criar uma nova “verdade”, apostando na substituição teórica do problema. Dessa forma, o aquecimento global seria parte de uma “armação” global, uma “farsa” para garantir ainda mais “lucro” a organizações ambientalistas.
A nova interpretação acompanha o fortalecimento político de grupos ligados a ideias conservadoras, determinante no Brasil para a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República. Pelo menos dois ministros indicados pelo futuro presidente são simpáticos à tese e já demonstraram dar pouca importância ao debate sobre aquecimento global.
A desistência do Brasil de sediar, no final de 2019, a reunião da 25ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-25) pode ser interpretada como uma mensagem direta, e não uma simples sinalização, da nova postura do governo brasileiro diante do tema. O encontro foi transferido para o Chile.
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Para especialistas, a decisão enfraquece o protagonismo do Brasil na redução de emissão de dióxido de carbono na atmosfera e foi mal recebida na COP-24, encerrada no sábado, 15 de dezembro.
Durante o encontro, realizado em Katowice, Polônia, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que o país antecipou o cumprimento da meta e atingiu o resultado esperado para 2020 – entre julho de 2017 e agosto de 2018, o Brasil registrou a absorção de 1,28 bilhão de toneladas de gases causadores do efeito estufa, superando a meta de reduzir em 38% as emissões. É triste imaginar que essa boa notícia possa virar água em pouco tempo.
Os 197 países da COP-24 aprovaram o chamado “livro de regras” para garantir o cumprimento do Acordo de Paris, de 2015. O resultado final foi considerado aquém do esperado por ambientalistas, mas o acordo possível diante da posição mais dura de países fundamentais para o processo, como Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia e Kuwait.
Eles se negaram a aceitar as conclusões do Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em outubro, que considera mais seguro trabalhar com a meta de limitar o aumento de temperatura global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, e não mais 2°C, como vinha sendo considerado e acabou fixado no documento final da COP-24.
O relatório alerta para “consequências devastadoras” do aquecimento, inclusive com impactos sobre o crescimento econômico, o que não deixa de ser um paradoxo, uma vez que os críticos à tese do aquecimento usam como argumento exatamente o contrário – ou seja, acusam ambientalistas de ameaçar o crescimento econômico.
Não se pode considerar mera coincidência o fato de os países refratários ao alerta do IPCC figurarem entre os principais produtores de petróleo do mundo, sendo também consumidores e, portanto, ao mesmo tempo beneficiários econômicos da exploração do petróleo e grandes emissores de dióxido de carbono na atmosfera.
No fundo, a ganância econômica permanece ditando as regras e o futuro do planeta, cada vez mais ameaçado pela mesma humanidade que dele depende. No entanto, a esperança deve estar sempre ativa, ainda mais às vésperas da virada de ano, quando a energia se renova.
Se a inteligência humana foi capaz de transformar as riquezas naturais em tudo o que conhecemos hoje, será capaz também de recuar, refletir e recalcular a rota em direção a um futuro em que o ser humano possa viver melhor, com justiça social, distribuição de riquezas e crescimento para todos. Se cada um fizer a sua parte sem cobiçar a parte do outro, tudo será mais fácil.
Afinal, o resultado coletivo é sempre a soma de ações individuais. Nas palavras de Chico Mendes: “No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras. Depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade”.
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