Enquanto o presidente Jair Bolsonaro enviou para o Congresso um projeto de lei que autoriza mineração em terras indígenas contra a vontade dos índios, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação com pedido de urgência para que a Justiça Federal em Marabá (PA) cancele processos minerários incidentes em terras indígenas da região, pois é necessário que haja o consentimento das comunidades atingidas.
> Bolsonaro quer explorar terras indígenas contra a vontade dos índios
No total, 52 terras indígenas fazem parte da ação que começou em novembro do ano passado. As quatro novas terras indígenas citadas são: Mãe Maria (localizada em Bom Jesus do Tocantins), Nova Jacundá (Rondon do Pará), Sororó (Brejo Grande do Araguaia, Marabá, São Domingos do Araguaia, e São Geraldo do Araguaia), e Tuwa Apekuokawera (Marabá e São Geraldo do Araguaia).
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As ações pedem para que a Agência Nacional de Mineração (ANM) indefira todos os processos atuais nessas áreas e os que surgirem antes do cumprimento das exigências legais para a autorização da atividade, que incluem a necessidade de consentimento das comunidades.
A Constituição Federal prevê que qualquer medida administrativa que possa levar à autorização da atividade minerária em terra indígena só pode ser tomada depois que houver oitiva das comunidades sobre o decreto legislativo autorizador, autorização do Congresso Nacional, consulta prévia, livre e informada às comunidades relativa à autorização administrativa, e regulamentação legal.
Para os procuradores da República que assinam as ações, o simples registro e cadastramento desses processos contraria a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil e garante o direito à consulta prévia, livre e informada.
Segundo levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) por solicitação do MPF, o Pará tem um total de 2.266 processos minerários incidentes em terras indígenas, números maiores que, pelo menos, outros seis dos nove estados da Amazônia Legal (o levantamento não incluiu Amazonas e Amapá, ficando restrito aos dados do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). No total, nesses seis estados da Amazônia atualmente existem 3.347 processos, registrados em áreas de 131 terras indígenas inseridas nas diferentes fases do processo de regularização fundiária (identificadas e delimitadas, declaradas e homologadas).
Impactos socioambientais
O MPF também destaca a ocorrência de impactos socioambientais resultantes do sobrestamento de processos minerários em áreas indígenas, onde os requerimentos minerários são utilizados para conferir uma aparente legitimidade à exploração minerária ilegal – sobretudo à garimpagem. “Para além de estimular o lobby, o sobrestamento gera insegurança jurídica aos indígenas e transforma as terras indígenas em reservas minerárias”, criticam os procuradores da República.
Como exemplo desses impactos, o MPF cita garimpo ilegal flagrado em zona intangível de proteção integral da Terra Indígena Zo’é, na região do baixo Amazonas, noroeste do Pará. A investigação demonstrou que a área explorada coincidia com os polígonos de quatro processos minerários pendentes de apreciação pela ANM, requeridos justamente pelos autointitulados donos do garimpo. Em ação judicial, o MPF informou que os impactos causados são de mais de R$ 350 mil.
“É certo que os processos minerários não produzem, por si sós, os danos socioambientais, mas integram um feixe de ‘documentos’ que conferem aparência de legalidade à atividade. Esses documentos são utilizados in loco para garantir a detenção sobre a área do garimpo, recrutar trabalhadores, contratar serviços e até mesmo ludibriar os indígenas”, relata o MPF nas ações.
Violação de direitos
A Convenção 169 da OIT determina que os governos devem consultar os povos interessados sempre que sejam previstas medidas administrativas que possam afetá-los, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acrescenta que a consulta deve ocorrer desde a fase de planejamento do projeto, plano ou medida, com suficiente antecedência ao começo das atividades de execução, e a Corte Interamericana, por sua vez, esclarece que a consulta deve ocorrer desde as primeiras etapas de planejamento da proposta, e não unicamente quando surja a necessidade de aprovação da comunidade, de modo a permitir que os grupos participem e influenciem a tomada de decisão.
Por isso, para o MPF o ato administrativo de sobrestamento dos processos minerários em terras indígenas, ao gerar direito de preferência, afeta diretamente os povos indígenas que nelas habitam e, portanto, não poderia ser editado sem consulta prévia, livre e informada. Apesar de o requerimento e o sobrestamento dos processos minerários não serem, por si sós, exploração minerária, são os primeiros de uma série de atos que, ao final, poderão resultar na autorização de lavra minerária ou garimpeira, observam os procuradores da República nas ações.
Terras Indígenas citadas nas ações | Municípios onde estão localizadas |
Alto Rio Guamá | Garrafão do Norte (PA), Nova Esperança do Piriá (PA), Paragominas (PA), Viseu (PA) e Santa Luzia do Pará (PA) |
Alto Turiaçú | Araguanã (MA), Centro do Guilherme (MA), Centro Novo do Maranhão (MA), Maranhãozinho (MA), Nova Olinda do Maranhão (MA), Paragominas (PA), Santa Luzia do Paruá (MA), e Zé Doca (MA) |
Anambé | Moju (PA) |
Andirá-Marau | Aveiro (PA), Barreirinha (AM), Itaituba (PA), Juruti (PA), Maués (AM), e Parintins (AM) |
Apyterewa | São Félix do Xingu (PA) |
Arara | Altamira (PA), Brasil Novo (PA), Medicilândia (PA) e Uruará (PA) |
Arara da Volta Grande do Xingu | Senador José Porfírio (PA) |
Araweté/Igarapé Ipixuna | Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA) e Senador José Porfírio (PA) |
Badjônkôre | Cumaru do Norte (PA) e São Félix do Xingu (PA) |
Barreirinha | Paragominas (PA) |
Baú | Altamira (PA) |
Bragança-Marituba | Belterra (PA) |
Cachoeira Seca do Iriri | Altamira (PA), Placas (PA), e Uruará (PA) |
Cobra Grande | Santarém (PA) |
Juruna do Km 17 | Altamira (PA) |
Karajá Santana do Araguaia | Santa Maria das Barreiras (PA) |
Kararaô | Altamira (PA) |
Katxuyana-Tunayana | Oriximiná (PA) |
Kayabi | Apiacás (MT) e Jacareacanga (PA) |
Kayapó | Cumaru do Norte (PA), Ourilândia do Norte (PA), São Félix do Xingu (PA) e Tucumã (PA) |
Koatinemo | Altamira (PA) e Senador José Porfírio (PA) |
Kuruáya | Altamira (PA) |
Las Casas | Floresta do Araguaia (PA) e Pau D’arco (PA) |
Mãe Maria | Bom Jesus do Tocantins (PA) |
Maracaxi | Aurora do Pará (PA) |
Maranduba | Araguacema (TO) e Santa Maria das Barreiras (PA) |
Maró | Santarém (PA) |
Menkragnoti | Altamira (PA), Matupá (MT), Peixoto de Azevedo (MT), e São Félix do Xingu (PA) |
Mundurucu | Itaituba (PA) e Jacareacanga (PA) |
Munduruku-Takuara | Belterra (PA) |
Nhamundá-Mapuera | Faro (PA), Nhamundá (AM), Oriximiná (PA) e Urucará (AM) |
Nova Jacundá | Rondon do Pará (PA) |
Panará | Altamira (PA), Matupá (MT) e Peixoto de Azevedo (MT) |
Paquiçamba | Vitória do Xingu (PA) |
Paquiçamba (reestudo) | Anapu (PA), Senador José Porfírio (PA) e Vitória do Xingu (PA) |
Parakanã | Itupriranga (PA), Jacundá (PA), e Tucuruí (PA) |
Parque Indígena do Tumucumaque | Alenquer (PA), Almeirim (PA), Laranjal do Jari (AP), Óbidos (PA), e Oriximiná (PA) |
Rio Paru D’Este | Alenquer (PA), Almeirim (PA), e Monte Alegre (PA) |
Sai Cinza | Jacareacanga (PA) |
Saruá | Ipixuna do Pará (PA) |
Sawré Muybu | Itaituba (PA) e Trairão (PA) |
Sororó | Brejo Grande do Araguaia (PA), Marabá (PA), São Domingos do Araguaia (PA), e São Geraldo do Araguaia (PA) |
Tembé | Tomé-Açu (PA) |
Trincheira/Bacajá | Altamira (PA), Anapu (PA), São Félix do Xingu (PA) e Senador José Porfírio (PA) |
Trocará | Tucuruí (PA) |
Trombetas-Mapuera | Caroebe (RR), Faro (PA), Nhamundá (AM), Oriximiná (PA), São João da Baliza (RR) e Urucará (AM) |
Turé-Mariquita I | Tomé-Açu (PA) |
Turé-Mariquita II | Tomé-Açu (PA) |
Tuwa Apekuokawera | Marabá (PA), São Geraldo do Araguaia (PA) |
Xikrin do Cateté | Água Azul do Norte (PA), Marabá (PA) e Paraupebas (PA) |
Xipaya | Altamira (PA) |
Zo’é | Óbidos (PA) |
*Informações do Ministério Público Federal no Pará
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