Luis Gustavo Reis *
Hoje, 12 de fevereiro de 2019, completou-se 14 anos do assassinado da missionária norte-americana Dorothy Stang. Defensora incansável de pequenos agricultores, posseiros e sem-terras, irmã Dorothy, como era conhecida, foi brutalmente fuzilada por pistoleiros de aluguel em uma estrada de terra, próxima ao município de Anapu, no estado do Pará. A freira morreu aos 73 anos de idade.
Irmã Dorothy iniciou sua vida religiosa em 1950, período em que fez votos de pobreza, castidade e obediência. Renunciou uma vida de classe média norte-americana para caminhar ao lado de pessoas desfavorecidas em qualquer lugar do mundo onde fosse enviada pela congregação religiosa da qual pertencia. Chegou ao Brasil em 1966, naturalizou-se brasileira, e desenvolveu diversos projetos no Xingu, buscando geração de emprego e renda para os trabalhadores rurais da região. No Pará, por exemplo, teve participação fundamental em projetos de desenvolvimento sustentável reconhecidos nacional e internacionalmente pelo impacto que tiveram no processo de reflorestamento de áreas degradadas.
Defensora de uma reforma agrária justa, irmã Dorothy mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na região amazônica. Entre as inúmeras iniciativas em favor dos desfavorecidos, ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores (Escola Brasil Grande) nas adjacências da rodovia Transamazônica.
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Em 2004, em virtude dos intensos trabalhos que desenvolvia, Dorothy Stang recebeu o Prêmio de Direitos Humanos da OAB. No ano seguinte, um documentário-livro chamado Amazônia revelada, patrocinado pelo CNPq e o Ministério dos Transportes, rendeu profundas homenagens à missionária. Sua trajetória também foi retratada no documentário dirigido por Daniel Junge, Mataram irmã Dorothy, produzido nos EUA e narrado por Wagner Moura.
Os pistoleiros que atiram em Dorothy foram presos e condenados a 30 anos de prisão. O mesmo destino teve um dos mandantes do crime, Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão. No entanto, após decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, o fazendeiro foi solto em maio de 2018 e, atualmente, responde ao processo em liberdade.
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Por que relembrar a morte de Dorothy Stang é tão importante? Porque os assassinatos na floresta não pararam desde que a irmã foi morta, pelo contrário, seguiram ativos nos governos petistas, atravessaram o governo Michel Temer e já deixam seus primeiros rastros na gestão Bolsonaro. Cabe aqui um oportuno parêntesis para destacar, sobretudo aos desabituados ao pensamento crítico e independente, que os governos petistas foram os responsáveis por patrocinar dois dos principais desastres ambientais encravados no coração da Floresta Amazônica e que impactaram negativamente o modo de vida de centenas de pessoas: O Complexo Hidrelétrico do rio Madeira e a Belo Monte . Fechado o parêntesis, sigamos com o texto.
Um relatório publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), aponta que, em 2017, foram mortas 71 pessoas no campo, número recorde batido apenas em 2003. Desde que a CPT começou a fazer o levantamento, em 1985, houve 1.904 mortos por conflitos no campo. Desse total, apenas 113 casos foram julgados, ou seja, somente 8% desses crimes.
O que se descortina no governo Bolsonaro não é nada alvissareiro. Ao nomear para o Ministério da Agricultura uma representante do agronegócio predador e para o Ministério do Meio Ambiente um ruralista condenado pela Justiça por fraude no processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do rio Tietê, o governo deixa claro a política que defende para o campo: o fim das demarcações de terra e a complacência com a grilagem.
Ao longo da campanha presidencial e no primeiro discurso como presidente da República, Jair Bolsonaro repetiu um dos seus slogans: “nossa bandeira jamais será vermelha”. Ante apoiadores histriônicos e embriagados pela vitória sob o petismo, o mandatário perdeu a oportunidade de ser razoável na escolha das palavras, bem como de ter a compostura e a serenidade que, em tese, espera-se de um chefe de Estado. Em vez disso, atiçou seus asseclas e jogou mais gasolina num país que já arde em chamas da cegueira ideológica.
Seria adequado que Jair Bolsonaro, ao empregar suas sôfregas metáforas, se preocupasse em valorizar de fato o verde da bandeira brasileira, que representa a riqueza das florestas do país, em vez de estimular atitudes torpes daqueles que a desejam manchada pelo vermelho-sangue derramado pelos contínuos assassinatos no campo. Seria importante também que o presidente e aqueles que “torcem para o Brasil dar certo”, mantivessem o amarelo do estandarte nacional, que representa a riqueza mineral do país, bastante vilipendiado e destruído pela lama de mineradoras criminosas que patrocinaram a campanha de aliados do presidente.
Na floresta que mistura terra e sangue, Dorothy Stang compõe uma das peças de um mosaico assombroso que, no século XX, engloba Chico Mendes, Eldorado dos Carajás, indígenas guaranis kaiowás, José Claudio Ribeiro da Silva, Maria do Espírito Santo da Silva e tantos outros personagens anônimos de um conflito que parece interminável.
Conforme denunciaram os bispos católicos, em abril de 2013, quem de fato matou a missionária foi o latifúndio. Também levam créditos na morte o descaso das autoridades, alertadas sob as constantes ameaças sofridas pela matrona cristã, e a negligência da opinião pública.
Poucos dias antes de morrer, a freira escreveu: “Não vou fugir nem abandonar a luta desses agricultores desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”.
Irmã Dorothy tombou à sepultura, mas suas palavras e seu exemplo irão permanecer oxigenando a luta daqueles que buscam construir um país onde todos possam viver a plenitude de suas cidadanias.
* Luis Gustavo Reis é professor e editor de livros didáticos.
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