O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues afirmou nesta semana em artigo no jornal Folha de S. Paulo que “a demanda mundial por alimentos determinada pelo crescimento das populações e renda nos levará a ocupar áreas hoje florestadas, sobretudo com cerrado”. Será mesmo necessário?
O Congresso finalizou nesta semana a votação da medida provisória do Código Florestal. Mais um capítulo da novela de desmonte da legislação ambiental brasileira foi apresentado, em tramitação apressada e votações simbólicas.
Dois pontos centrais desta etapa de tramitação do Código Florestal no Congresso merecem especial atenção: 1) a articulação do governo junto à bancada ruralista; 2) o modelo de desenvolvimento e a expansão agrícola.
Para acelerar a votação da MP, interlocutores do governo no Congresso não mediram forças na hora de fazer concessão à bancada ruralista. A justificativa era que, se a medida perdesse eficácia, causaria um caos jurídico. A principal preocupação da queda da MP seria perder as regras que fixavam parâmetros mínimos para a recomposição das áreas de preservação ambiental (APPs) de margem de rio para propriedades da agricultura familiar, a chamada “escadinha”. Havia, no entanto, soluções para este impasse. Esse dispositivo poderia ser retomado por meio de decreto presidencial.
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Até mesmo questões mais pontuais como as regras de acesso ao crédito agrícola – previstas na MP para assegurar que as instituições financeiras somente concedessem crédito agrícola para proprietários rurais que tivessem suas terras regularizadas ambientalmente – teriam como ser retomadas se a MP perdesse eficácia. As condições de crédito poderiam ser estabelecidas por resoluções do Banco Central, como apontou análise feita pela Consultoria Legislativa do Senado.
Se a MP perdesse a eficácia e se alterações não fossem feitas no Congresso – local onde a bancada ruralista reina com poder de influência incalculável –, mudanças como ampliar a “escadinha” não seriam estendidas facilmente para médios e grandes proprietários e regras de acesso ao crédito vinculado à comprovação de regularização ambiental não seriam esvaziadas tão prontamente.
Mas parlamentares da base, aos mandos do governo ou setores do governo, optaram por fechar acordo e fazer concessões à bancada do agronegócio ao invés de deixar a MP perder a eficácia e buscar soluções alternativas.
O resultado é a ampliação da anistia para recuperação de áreas desmatadas ilegalmente em médias e grandes propriedades – o que levará à perda de mais de 50 milhões de hectares que não serão recompostos –, a autorização expressa para novos desmatamentos em áreas do Cerrado Amazônico e a permissão de recompor áreas de preservação ambiental com espécies frutíferas, deixando os agrotóxicos mais próximos dos rios.
Terá o governo legitimado e promovido no Congresso a consolidação de áreas mesmo degradadas em detrimento da proteção dos nossos recursos naturais?
O texto agora está nas mãos da presidente Dilma, que tem a prerrogativa de vetar ou não as mudanças feitas pelo Congresso. Não é correto falar em segurança alimentar destruindo as florestas. A questão do acesso a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva vai muito além da expansão da produção agrícola e de suas áreas.
Para se ter uma ideia, somente no Brasil 11 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas todos os anos. Segundo a Embrapa, 30 a 40% da produção agrícola brasileira, em média, vai para o lixo. A expansão agrícola sobre áreas de preservação não garante barriga cheia dos nove bilhões de pessoas que atingiremos em 2050. Isso depende de outros fatores.
Temos mais de 30 milhões de áreas degradadas somente pela pecuária no Brasil. Essa degradação está diretamente associada à baixa produtividade. O uso correto de tecnologias, boas práticas agropecuárias e o aumento da eficiência – saindo do atual índice de 0,5 a 1 animal por hectares para 2 a 5 unidades de animal por hectare – é fundamental. O setor agropecuário ainda tem um longo dever de casa a cumprir antes de exigir novas áreas para a produção.
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