* Marco Aurélio de Carvalho , Lenio Streck, Gabriela Araújo e Fabiano Silva dos Santos .
Começou como um grupo pensando na defesa de Prerrogativas da Advocacia. Afinal, os primeiros componentes , todos advogados militantes, viam crescer a nefasta criminalização do exercício da profissão que abraçaram. Lembremos que o ministro Gilmar Mendes já havia denunciado, anos antes, a existência de um estado policial no Brasil, com crescente politização do judiciário e consequente judicialização da política.
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As missões e tarefas do Grupo – batizado de Prerrogativas e, para os “íntimos”, apenas Prerrô – foram crescendo na medida em que avançavam as arbitrariedades, cujo ápice se pôde sentir com o impeachment da então Presidenta Dilma Roussef.
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A Operação Lava Jato, com o lema “os fins justificam os meios”, avançava com suas poderosas divisões sobre o terreno das liberdades. Não simplesmente sobre a liberdade de acusados, mas também , e em especial, sobre o próprio conceito de direito. Era o direito sendo usado como lawfare, o direito usado como instrumento da política, como já denunciava Joseph Raz nos anos 70.
Mais do que lutar contra o arbítrio, o Prerrô sempre teve como mote a defesa do conceito de Rule of Law, isso que não tem tradução, mas que se tem chamado de Estado de Direito.
PublicidadeNa verdade, o Estado de Direito que protege o cidadão contra o uso arbitrário do próprio Direito.
Este sempre foi o lema do Prerrô, que nunca se omitiu ou se escondeu na conveniência do silêncio.
A luta contra as conduções coercitivas – finalmente inquinadas como inconstitucionais pelo STF – teve o dedo do Prerrô. Fizemos dezenas de intenções : textos, manifestos , entrevistas e debates – buscando mostrar a incompatibilidade desse tipo de privação de liberdade.
Veio o turning point na presunção da inocência, o Habeas Corpus 126.292. E o Prerrô cresceu em demandas. E em membros. Vários anos de lutas, desde as iniciais das ADCs 43, 44 e 54. Em todas as ações, com singular pluralidade, estava o Prerrô. E nos Amici Curiae…
E em 2019, essa primeira fase da luta da presunção da inocência foi vencida. Textos, palestras, sustentações orais: o Prerrô estava em todos os lugares. E veio o resultado em novembro: por 6 a 5, reestabeleceu-se o artigo 283 do CPP.
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Mas foi apenas o primeiro passo. Em 2020 o Prerrô estará em campo, buscando manter a garantia da possibilidade de o réu recorrer em liberdade. Sabemos que a luta será árdua. Há PECs, projetos e jusfakenews a serem combatidos. O Prerrô não quer ver as liberdades serem derrotadas por falsas narrativas.
O Prerrô não quer, também, que a Advocacia seja vista como parte do problema, e não da solução …
Na discussão da Lei do Abuso de autoridade, uma vez mais, desde o início, o foi determinante.
Enfrentamos narrativas de que era uma “lei pro crime” e que os juízes, promotores e policiais seriam intimidados. Com o passar do tempo logo veremos que quem ganhou foi a cidadania. No Brasil sempre é assim: quando se falava em abolir a escravidão, os “donos de escravos” alarmistas gritavam: o Brasil vai quebrar. Fugiam do debate principal, e fingiam não sentir a vergonha de sustentar o insustentável.
Vergonha que ainda macula nossa Sociedade e que se esconde no racismo estrutural que tanto precisamos combater. A Lei das Empregadas domésticas tinha a advertência: causará desemprego. O caos. E mais uma vez não foi isso que aconteceu. Uma parte de nossa elite ainda insiste em manter privilégios absurdos decorrentes de nossa lamentável herança escravocrata.
Com a Presunção de Inocência não foi diferente… Colunistas de grandes veículos de comunicação anunciaram , com alarmismo, a iminente soltura de milhares de bandidos perigosos e de um significativo número de “titulares” dos casos que mais comoveram a opinião pública.
Desnecessário dizer que não foi o que aconteceu, e nem poderia ser . Há previsão legislativa específica para que se evite o que realmente precisa ser evitado. E o pior é que estes mesmos colunistas sempre tiveram consciência plena a respeito.
Pois agora o Prerrô está muito tranquilo para dizer: a Lei do Abuso é bem-vinda. E é um elemento civilizatório, presente nos países democráticos, e em alguns até com muito mais rigor.
É bem-vinda, também, a reafirmação do papel contramajoritário do STF, tão bem sintetizado nos corajosos julgamentos das ADCS de Presunção de Inocência, na discussão das conduções coercitivas , no debate do compartilhamento de dados do Coaf e na afirmação de que os réus delatados tem o direito de se manifestar depois de seus delatores.
O Pacote Anticrime também esteve no radar do Prerrô. Seus membros batalharam. Resultado: de um limão, saiu uma limonada. Ou semi-limonada. A ver no futuro. Mas lá está o juiz de garantias, a mudança necessária na delação, a preservação da imagem dos réus e tantas outras conquistas.
E o Prerrô, com seus quase 300 membros, esteve no Parlamento, fazendo audiências públicas, emendas parlamentares, textos em jornais e revistas. Sabemos, neste caso, que o trabalho foi, em um campo, de redução de danos, e noutro, para surpresa de muitos, de significativos avanços.
Tema polêmico, mas nem por isso nos omitimos. E não o faríamos…
Mas o Prerrô não é só trabalho. Prerrô é congraçamento. É futebol. Prerrô cobra escanteio e faz o gol. E defende. Aliás, o Perro é sempre melhor na defesa do que no ataque, se nos permitem a alegoria.
Em 2017 o Prerrô F.C. enfrentou o Politeama, glorioso time do Chico Buarque. Sem VAR, perdemos por 6×5. A revanche será em 2020. No entremeio, também em 2017, em Brasilia, realizamos um torneio interno , no Campo Kakay.
Em 2019, homenageamos o grande Sigmaringa Seixas, fazendo a Copa SIG, no campo Sócrates. O Prerrô saiu campeão.
Preocupado com a institucionalidade e a campanha sórdida que sofria a Suprema Corte, o Prerrô fez, em 2019, um jantar de apoio e desagravo ao Tribunal na pessoa de seu Presidente, em que estiveram presentes personalidades do mundo da politica e do direito, dos mais diversos espectros ideológicos.
Fez, também, um histórico Jantar de encerramento do ano, com a participação de quase 450 colegas. Na ocasião, os patronos do Grupo foram merecidamente homenageados ( Weida Zancaner, Celso Antonio Bandeira de Mello, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, i.m, e Antonio Cláudio Mariz de Oliveira) .
Hoje o Prerrô tem 256 membros – máximo que o whatsapp permite – 25% são professores ligados às grandes Universidades. O restante – tem de tudo – de juiz à defensor, de advogado público à privado, e membros de ONG, MST etc.
Tem, também, uma inacreditável fila de espera de mais de 300 pessoas…
Há um livro famoso de John Austin, chamado “Como fazer coisas com palavras”. Pois não é que o Prerrô comprova que existe, mesmo, a linguagem perlocucionária? Fazemos, sim, coisas com palavras. E procuramos, também, desfazer arbitrariedades usando a poderosa arma da palavra.
Enquanto os grupos de Whatsapp Brasil afora se transformaram em células terroristas de ignorância artificial-digital, nosso Prerrô prova o contrário.
O Grupo hoje já tem um site . Um grupo sem CNPJ, sem burocracias, que, acreditamos, ajuda cotidianamente a proteger o Estado de direito.
Somos um grupo de juristas, somos um grupos de amigas e amigos, somos um grupo de boleiros. O Prerrô esteve presente no jogo do dia 22 de dezembro entre os Amigos de Chico e Lula contra os Amigos do MST, vencido pelo primeiro por 2×1. Prerrô joga e fiscaliza as instituições.
Acreditamos, neste breve balanço, que o Prerrogativas ajudou a criar uma atmosfera de resistência no país. No fundo, o que o Prerrô faz é uma espécie de constrangimento compreensivo-interpretativo. O Prerrô busca fazer aquilo que o grande jurista alemão Bernd Rüthers lamentou faltar na Alemanha dos anos 20-30 do século XX: o constrangimento na interpretação do direito. Por isso, o título de seu livro é: Unbegrentze Auslegung (uma interpretação na-constrangida). Este é o papel que o Prerrô quer fazer. Mostrar o valor do Direito para evitar que o Direito seja utilizado contra o próprio Direito.
Em 2020, temos um encontro marcado com a diversidade, com a inclusão, com a defesa da Democracia, do Estado De Direito e da nossa profissão.
Esperamos encontrar cada vez mais aliadas e aliados na construção de uma sociedade mais justa, mais segura e mais solidária, livre de preconceitos, do ódio e de qualquer tipo de desigualdade – social, econômica, de gênero ou de raça.
Por aqui, há braços e abraços…
*Advogados e integrantes fundadores do Grupo Prerrogativas.
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