A Constituição de 1988 elencou textualmente categorias de agentes públicos com garantia de vitaliciedade no desempenho de suas funções. São elas: magistrados (artigo 95, inciso I), membros dos Tribunais de Contas (artigo 73, parágrafo terceiro) e membros do Ministério Público (artigo 128, parágrafo quinto, inciso I, alínea “a”). Outras categorias, como os servidores públicos em geral, possuem estabilidade, e não vitaliciedade.
A diferença substancial entre vitaliciedade e estabilidade reside nos meios pelos quais o agente público pode perder o cargo, de forma não voluntária, conforme disposto nos artigos 41 parágrafo primeiro, e 169,parágrafo quarto. Os vitalícios, somente através de decisão judicial transitada em julgado. Já os estáveis, não apenas por decisão judicial transitada em julgado, mas também em decorrência de processo administrativo, insuficiência de desempenho e excesso de despesa com pessoal.
Os militares, por sua vez, constituem categoria de agentes públicos historicamente específica, com marcantes diferenças de regramento constitucional e legal em relação aos servidores públicos e demais profissionais a serviço do Estado, razão pela qual a análise da questão aqui posta necessariamente deverá ser feita em vista de tais peculiaridades.
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Cumpre identificar, inicialmente, oficiais cujo vínculo com as Forças Armadas é precário, sendo certo que a Constituição remete à legislação ordinária dispor sobre a estabilidade do militar (artigo 142, parágrafo terceiro, inciso X). Carece de sentido, no tocante aos mesmos, indagar a respeito de eventual estabilidade ou vitaliciedade. Cumprido o lapso temporal de serviço, previamente estabelecido, o desligamento desses oficiais é automático.
Nessa situação teremos os oficiais temporários, que ingressam nas Forças Armadas por meio diverso do concurso público; e os oficiais efetivos não estabilizados, que, a despeito do ingresso por concurso público, são abraçados por condições específicas de carreira legalmente estabelecidas (tempo máximo de serviço, etc.).
Tais condições, à rigor, limitam a aplicação do artigo 50, inciso I, da Lei n. 6880/80, o qual dispõe como direito do militar “a garantia da patente em toda a sua plenitude, com as vantagens, prerrogativas e deveres a ela inerentes, quando oficial, nos termos da Constituição”.
Assim, nosso universo de análise restringir-se-á aos oficiais militares em relação aos quais resta aplicável, sem ressalvas, o referido dispositivo legal e cujo vínculo, portanto, não seja precário; grosso modo, os oriundos da Academia Militar das Agulhas Negras, da Escola Naval e da Academia da Força Aérea.
Defende-se que tais militares, mais do que à estabilidade, fazem jus à vitaliciedade, muito embora tal prerrogativa não esteja textualmente colocada na Constituição de 1988. Argumenta-se a existência de uma verdadeira vitaliciedade implícita, decorrente do teor do artigo 142, parágrafo terceiro, inciso VI, da Carta: “o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.”
A expressão “por decisão de tribunal militar” em princípio corrobora a visão acima, ao restringir a perda do posto ao pronunciamento de um tribunal. Assim sendo, os oficiais, a exemplo de magistrados, membros de Tribunais de Contas e membros do Ministério Público, seriam vitalícios, uma vez que a perda do cargo decorreria somente de decisão judicial.
No entanto, se faz necessária análise mais detida. Por problemas disciplinares, o oficial poderá responder perante Conselho de Justificação, órgão previsto no artigo 48 da Lei n. 6.880/80, e regulamentado pela Lei n. 5.836/72, com instância final no Superior Tribunal Militar (STM), em tempo de paz. Aquela Corte poderá declarar o militar indigno do oficialato ou com ele incompatível, determinando a perda de seu posto e patente.
O ponto nodal aqui é a natureza do processo perante o Conselho de Justificação. Trata-se de processo administrativo até a fase de remessa dos autos ao STM, quando então assume, para muitos, natureza jurisdicional. Em razão disso, não restariam dúvidas a respeito da vitaliciedade dos oficiais, visto que a perda do posto decorreria então de decisão judicial, e não de mero processo administrativo.
O STM, no Conselho de Justificação n° 54-56.2012,7.00.0000/DF, parece ter concluído pela natureza jurisdicional da competência daquela Corte, na fase final do procedimento. Já no Agravo Regimental n° 53-32.2016.7.00.0000/MS, a mesma Corte pontuou que o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou entendimento no sentido de não caber recurso extraordinário em Conselhos de Justificação, visto que o procedimento, apesar de ter sua homologação levada a efeito por tribunal militar, não se afasta de sua natureza administrativa.
De fato, o STF há bastante tempo reconhece expressamente a natureza administrativa do Conselho de Justificação, mesmo quando da fase final de julgamento, perante tribunal militar. Exemplificativamente, temos o RE 318469/DF, em que se fixou a natureza administrativa da decisão do STM que, em Conselho de Justificação, decretou a perda de posto e de patente, por indignidade e incompatibilidade com o oficialato.
A questão da vitaliciedade ou estabilidade do oficial das Forças Armadas está, portanto, intrinsecamente ligada à natureza da decisão final do STM nos Conselhos de Justificação. Tendo em vista que o STF reputa ser administrativa aquela decisão, pensamos ser algo problemático sustentar a vitaliciedade do oficial, já que o pressuposto desta é a perda involuntária do posto somente através de decisão judicial transitada em julgado.
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