A situação da ITA , empresa aérea vinculada ao grupo Itapemirim que opera desde julho deste ano, foi o centro de uma audiência pública realizada no último dia 6 pela Comissão de Viação e Transportes (CVT) da Câmara. O tema central da audiência – que eram as resoluções da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) relativas à outorga de concessões aéreas – descambou para versões conflitantes sobre a realidade da empresa dos aviões amarelos.
A reunião tinha um verniz didático: o diretor de Relações Institucionais do Grupo Itapemirim, Ricardo Bezerra, iniciou sua intervenção dizendo que o processo da Anac é duro, mas que a agência faz o trabalho correto e necessário, para saber se uma empresa tem a capacidade de transportar pessoas. A fala que poderia ter até dez minutos, foi concluída em pouco mais de dois, com Ricardo – ex-diretor da Anac por dois mandatos – dizendo que a empresa passou “com louvor” em tais testes.
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Sergio Alexander Leitão, que ocupa o cargo de gerente técnico de outorgas e cadastro da superintendência de padrões operacionais da Anac, indicou que o papel do processo é garantir uma ampliação do mercado, com aumento da concorrência dentro dos padrões de segurança exigidos pela aviação civil. Tratando exclusivamente da questão das resoluções, ele buscou resumir quais são os objetivos do seu setor: “Prezar pela segurança de voo, incentivar ao máximo a concorrência e a entrada de novas empresas aéreas, reduzindo ao máximo a burocracia que nós consideramos desnecessárias para a entrada dessas empresas.”
Mas, já na primeira pergunta enviada por espectadores pela internet, foram levantadas dúvidas sobre a conduta da empresa.
Até quando a Itapemirim, empresa de transportes terrestres que está em recuperação judicial, iria leiloar seus bens, em vez de pagar os credores da dívida da empresa, questionou uma espectadora. “Irão desviar para a Ita?”, continuou. “O que o governo e seus órgãos reguladores podem fazer para que a ITA não se transforme na Itapemirim, que está em recuperação judicial?”, ou “o que o Ministério Público do Trabalho podem fazer para preservar os trabalhadores da ITA para que se tornem, num futuro muito próximo, os ex-funcionários que nada receberam do Grupo Itapemirim?”. Autor da audiência pública, o deputado Roman (Patriota-PR) leu mais de uma dezena de questões, todas colocando diretamente a nova empresa em suspeição sobre a liquidez da operação da aérea.
“O que nos preocupa é uma empresa formada praticamente no período de pandemia, sem condições financeiras já que 95% do seu capital social é de uma empresa em recuperação judicial”, lamentou Marcelo Miranda, que é representante da família Cola, antiga dona da Itapemirim. “E as notícias que estamos ouvindo, seja por via televisa, internet ou jornal, tem mostrado um quadro caótico em relação a esta companhia, que parece que mal começou e já está em uma operação de risco para nós passageiros”. Uma pessoa enviou seu CPF e pediu para saber quando receberia na condição de credora da empresa. O deputado diz, em dois momentos, que é o tipo de demanda que chega a ele toda semana.
Miranda afirmou que o dinheiro que deveria ser usado para salvar a empresa de ônibus e sanar suas dívidas agora está sendo bombeado para a aérea. Ele lembrou uma entrevista do presidente da Itapemirim, Sidnei Piva, em que ele declarou que vende passagens abaixo do preço de mercado. “Como é que a Anac autoriza, em regime de urgência, que a Itapemirim Transportes Aéreos venha a operar desta forma?”, questionou. “Como uma empresa com um capital social tão pequeno pode estar voando? Que garantias nós temos que ela não vai ser mais uma que vai ficar por aí?”
Como revelou o Congresso em Foco nessa quarta-feira (16), apesar de acumular um prejuízo de R$ 176,33 milhões desde dezembro de 2018, credores pedindo a falência e ter cerca de 4.600 ex-funcionários que aguardam até hoje o pagamento de rescisões, o empresário Sidnei Piva de Jesus alça voos internacionais. Dono do grupo Itapemirim, empresa em recuperação judicial desde 2016, e da Ita Linhas Aéreas, que também já coleciona dívidas trabalhistas, ele surpreendentemente abriu, em 21 de abril deste ano, uma nova e bilionária empresa no Reino Unido no valor de £780 milhões, quase R$ 6 bilhões na cotação atual.
‘Não deveria jogar pedras’
Ricardo Bezerra tentou escapar da questão em um primeiro momento, alegando que a audiência não tratava daquele tema. “Este tema de recuperação judicial está sendo tratado na Justiça, no foro correto”, disse, antes de rebater as acusações de Marcelo Miranda como um “devaneio”. A Viação Itapemirim estaria cumprindo a recuperação judicial acordada com os credores, e a ITA seria uma empresa totalmente independente – apesar de a empresa aérea realmente estar sendo viabilizada com um dinheiro que deveria pagar os credores.
Sobre a operação da empresa, Bezerra defendeu que todos os empregados sabem de sua responsabilidade, e que quatro aeronaves estão prontas para se unir à frota de seis aeronaves no Brasil, tomando 4% do mercado aéreo. “É uma empresa que devia ser motivo de orgulho do Brasil. Um empresário como Sidnei Piva, que teve a paixão por linha aérea com 100% do capital brasileiro”, afirmou. “Isso é motivo de estarmos comemorando. E isso é motivo de a Câmara dos Deputados, deputado Roman, estar ajudando a empresa, e não tacando pedras.”
Roman rebateu. “Uma das funções que a Câmara dos Deputados tem é a de fiscalização”, disse. “A gente sempre tem que lembrar o senhor que aqui é a casa de representação do povo, e o Senado representa os estados. Se não for, em nível federal, este órgão aqui para dizer que quatro mil e poucas pessoas estão na fila para receber e que os recursos da recuperação judicial estão sendo usados dentro da própria empresa, eu não sei qual órgão seria.”
Também pressionado pelas perguntas, o gerente da Anac disse que os critérios financeiros são levados em consideração, mas que mesmo sua atuação tem um limite. “No caso concreto da Itapemirim, sim, as certidões negativas foram todas apresentadas para o CNPJ da empresa que postulou a outorga, a Itapemirim Transportes Aéreos” , defendeu. “A lei não nos permite verificar a regularidade do Grupo Itapemirim como um todo. A competência da Anac nos restringe neste ponto.”
Mais problemas
O advogado da família Cola, Olavo Chinaglia, chamou de oportuna a intervenção da Câmara no tema. “Ricardo acabou de mencionar que o plano de recuperação judicial vem sendo cumprido de acordo com a Justiça. Tenho que fazer o registro que esta afirmação não é verdadeira”, disparou. “Não existe nenhum credor relevante que tenha tido seus créditos satisfeitos.”
Chinaglia abriu sua manifestação para revelar informações que circulam entre grupos de funcionários da ITA, assim como entre grupos de pessoas de diferentes empresas da aviação civil. Ressaltando que não tinha como confirmar as acusações, o advogado disse que a empresa estaria colocando em voo pilotos que não tinham completado o curso de formação. “Isso circula entre pilotos e, se isso de fato ficar comprovado, gera perplexidade no mínimo”, advertiu. Os funcionários não estariam sendo pagos integralmente foi outra das denúncias.
Os riscos seriam claros, já que a aviação civil possui regras estritas a serem cumpridas, e funcionários mal pagos ou sem a capacidade de tornar grandes aeronaves seguras acabam por colocar em risco toda a população. Já que não cabe a Anac analisar este aspecto da questão, Chinaglia defendeu uma mudança urgente nos critérios que cabem ao regulador.
“É preciso que se analise o processo de recuperação judicial da Itapemirim”, pediu. “Até para que se possa que quem fala a verdade é quem cumpre o plano, ou quem fala a verdade é quem não recebeu nada.”
Caminho de Transbrasil, Vasp e Avianca
O deputado indicou, durante sua fala, que a Câmara está atuando sobre o tema após um pedido do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que a comissão seguirá “rigorosamente, sem prevaricar” a investigação sobre o tema.
O prognóstico sobre a companhia não seria dos melhores: “Eu visualizo, me parece, que nós estamos indo para um caminho que foi Transbrasil, que foi Vasp, e foi Avianca e que nós estamos aqui, na aviação competente de transporte, dando voz ao povo que nos solicita”, disse. Tanto a Transbrasil quanto a Vasp se tornaram insolventes no início dos anos 2000; a Avianca Brasil foi à falência em 2019.
Roman considerou que a análise da Anac seria superficial e levaria a uma espécie de tragédia anunciada. O deputado disse que procurará fazer as audiências sobre o tema no parlamento a cada três ou quatro meses.
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