Ruy Martins Altenfelder Silva*
Em setembro de 2010 escrevi artigo indagando: num país em que a saúde, a educação e outros serviços essenciais deixam a desejar, o leitor contribuinte é favorável a que os escassos recursos públicos sejam utilizados para pagar a construção de estádios que sediarão os jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014? A resposta deverá ser precedida por uma análise serena do orçamento do país. Mas não basta cortejar apenas as receitas e despesas, para verificar a viabilidade do evento. Essa é uma boa oportunidade para a sociedade lançar um olhar crítico sobre a qualidade das despesas cobertas pelos cofres públicos.
O jurista e professor Ives Gandra Martins mostra que, apesar de a carga tributária atingir a marca estratosférica de 37% do PIB, uma fatia da ordem de R$183 bilhões/ano é canalizada para remunerar os menos de 1 milhão de servidores federais, que recebem vencimentos e aposentadorias muito superiores aos dos cidadãos que labutam na iniciativa privada – e, além disso, vêm sendo autorizados novos aumentos de até 56%. Gandra Martins ainda compara esse montante com o Bolsa Família: R$12 bilhões/ano para atender 11 milhões de brasileiros.
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Esse é apenas um dos exemplos para evidenciar que o aumento da carga tributária não é acompanhado de contrapartidas para a sociedade como um todo. O investimento público para o desenvolvimento, que gera empregos e infla o setor produtivo, decresceu quatro vezes em relação ao período em que a carga tributária era de 24% do PIB, caindo de 4% para 1% do PIB. O resultado está aí, à vista de quem quer ver: infraestrutura sucateada, educação precária, saúde deficiente, aumento da violência e outras mazelas. Nós, os contribuintes, não recebemos serviços públicos a que temos direito pelo que pagamos de impostos.
Se os governos gastassem menos com o custeio da máquina e com a mão de obra oficial, o país teria desenvolvimento socioeconômico bem mais elevado e justo. Mas não é isso que acontece.
Outro ponto a considerar é o já anunciado – e publicamente criticado pela Fifa – atraso nas obras incluídas nos compromissos assumidos para que o Brasil sediasse a próxima Copa. Historicamente, tais atrasos quase sempre significam estouros orçamentários, obrigando a reajustes que chegam até a mais do que duplicar os custos inicialmente previstos, dispensas de licitação e projetos concluídos a toque de caixa, com sérios riscos para a qualidade das obras. Segundo cálculos divulgados pela imprensa, a previsão de gastos com construção e reformas dos 12 estádios indicados para a realização de 64 jogos (se mantido o atual número de seleções em competição) já saltou de R$ 1,9 bilhão para R$ 5,1 bilhões (a arena paulista não foi concluída nessa conta), entre 2007 e 2010. Portanto, nem bem as obras começaram, já se estima acréscimo de 168%.
Incluindo as obras de infraestruturas e outras (aeroportos, malha viária, hotelaria, treinamento de mão de obra, etc.), o investimento previsto oficialmente para a Copa deve bater nos R$ 33 bilhões, com pouco mais de 10% bancados pela iniciativa privada e o restante saindo dos cofres públicos, na forma de aplicação direta ou de financiamento do BNDES em condições favorecidas. Por tudo isso, comprometer recursos públicos para construção de estádios, como ocorreu nos últimos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, representa desvio de dinheiro indispensável para as atividades públicas essenciais.
Recente matéria publicada no conceituado El Pais destaca que o Brasil chegará à Copa de 2014 como campeão de gastos em estádios. A matéria informa que as obras já consumiram R$ 8 bilhões de reais – mais do que a África do Sul e a Alemanha juntas. No mundial da Alemanha (2006) foram gastos R$ 3,6 bilhões de reais (1,57 bilhões – U$) para o mesmo número de estádios. Na África do Sul (2010) o valor aproximado foi de 3,27 bilhões (1,39 bilhões – U$) para 10 estádios.
Como dizem as vozes mais respeitáveis, a Confederação Brasileira de Futebol, a FIFA e seus patrocinadores – que organizam o alentado calendário de competições amistosas e oficiais que culminam com a Copa do Mundo – bem que poderiam destinar parte das centenas de milhões de dólares que arrecadam com tais eventos para financiar a maior festa do planeta bola. Nada mais justo. Recursos públicos para esse fim, nunca!
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).
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