O governo ainda insiste no projeto trem-bala. Ao invés de dar prioridade à saúde, segurança e educação, como pedem os brasileiros, e apresentar propostas sérias, bem pensadas e coerentes, que sejam de “projeto de governo” e não “de empreiteiras”, volta com essa maluquice, defendida na Folha de S. Paulo de 30/06/2013, e mais uma vez com frágeis argumentos, pelo presidente da EPL S/A.
De tão ruim, o projeto do trem-bala já foi refeito várias vezes, após fracassados leilões. A cada nova rodada, seus defensores levam o governo a prometer mais e mais dinheiro público para tirar do papel o trem de alta velocidade (TAV), que nasceu com a promessa de que seria feito sem qualquer aporte de recursos públicos.
Quando se considera que governar, mais que construir estradas, é fazer opções, e que o orçamento dos governos não passa de dinheiro retirado dos cidadãos, não se pode entender como dar prioridade a projeto tão dissociado da realidade brasileira. E desnecessário, apenas justificável (?) pela cobiça de alguns por acesso a recursos públicos.
A fragilidade dos argumentos em defesa do TAV pode ser ilustrada por declaração da então ministra Dilma Roussef, chamada de “mãe do TAV” pelo seu antecessor. Disse ela, ao fazer um balanço do PAC em 03/06/2009: “Nossa ideia é que o trem de alta velocidade fique integralmente pronto em 2014, ou pelo menos a ligação entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Isso é uma questão importante porque esse meio de transporte vai ser extremamente facilitador numa região que é muito importante na movimentação da Copa.”
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Hoje sabemos que a afirmação não tinha fundamento e ninguém, honestamente, imagina esse trem operando antes de 2025/30. Assim, a real justificativa para o projeto deve ser outra, e ainda permanece obscura.
Em seu recente artigo o presidente da EPL S/A critica os “técnicos” – assim, entre aspas – que se opuseram à construção de Itaipu, da Ferrovia do Aço ou da ponte Rio-Niterói e nos convida, retoricamente, a imaginar o impossível, indagando: “É Possível imaginar o Brasil sem essas obras?”
Assim é; pensávamos que usar argumentos retóricos para justificar o comprometimento de tanto dinheiro público era prática ultrapassada, característica de um Justo Veríssimo ou Rolando Lero, personagens do Chico Anísio. Vemos, pois, que o atraso persiste.
Claro, o presidente da empresa de planejamento dos transportes brasileiros poderia também ter citado a Transamazônica, a ferrovia Norte-Sul, o projeto de irrigação da Jaíba ou o da transposição das águas do rio São Francisco, ou mesmo a Copa do Mundo da Fifa de 2014, todas elas obras que ainda hoje não mostraram os benefícios prometidos pelos seus promotores. Embora freqüentes na prática governamental brasileira, esses exemplos não conviriam à argumentação retórica…
Por outro lado, se pudéssemos imaginar como seria o Brasil sem essa ou aquela obra, poderíamos também tentar imaginar como seria nosso país se o governo fosse sério com relação à saúde, educação, infraestrutura básica e segurança pública. Certamente pensaríamos num Brasil muito melhor.
Diz ainda o artigo citado que o problema fundamental é “qual é a solução para a mobilidade das pessoas no populoso eixo Rio-São Paulo?” Ainda retoricamente, afirma que não há como discutir ampliações rodoviárias ou aéreas nesse eixo. Como não, se ambos esses fluxos são bem inferiores aos existentes nas ligações entre megalópoles como Washington-Nova York-Boston ou São Francisco-Los Angeles, ou mesmo Paris-Bruxelas? Se lá pode, por que aqui não?
Ao contrário do que se alega, a mobilidade entre Rio e São Paulo será agravada pela concentração de recursos públicos no trem-bala, que não leva carga e, pois, não substituirá caminhões, e atrairá ainda mais brasileiros para a congestionada região. Aliás, investir noutras regiões do país – que em nada se beneficiarão com o TAV – daria maior contribuição à melhor mobilidade no eixo Rio-SP. Oportunidades alternativas de melhor uso do nosso dinheiro existem aos montes. Por exemplo, ainda que possa parecer futurístico, investimento em internet de alta velocidade e incentivos ao uso de teleconferências, em substituição a viagens, seria opção mais barata, de maior alcance social e mais adequada ao nascente mundo das redes sociais virtuais.
Enquanto a Coréia do Sul já tem e os EUA investem para que todas as suas escolas possuam internet de alta velocidade, o Brasil pensa em contratar hoje uma tecnologia que, quando entrar em operação, necessariamente já estará ultrapassada, pelo próprio modelo de licitação com o qual se tenta viabilizar o TAV. O governo repete, assim, os erros de Geisel ao contratar mirabolante plano de construção de centrais nucleares… ainda hoje incompleto.
Até quando nossos governantes continuarão cometendo os mesmos erros que tanto prejudicam e irritam a população?
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