A derrota humilhante da seleção brasileira para a Alemanha nas semifinais da Copa por 7 a 1 agitou os oportunistas de ocasião. Agora todo mundo quer atender o desejo da presidente Dilma para “reformar profundamente” o futebol brasileiro. E qualquer desculpa serve.
É preciso tomar cuidado, porém, com propostas descabidas e interesseiras. Senadores e deputados já começaram a apresentar vários projetos de lei com justificativas indecentes para “renovar” o futebol. Tudo jogo de cena. São ações isoladas e eleitoreiras que não fazem o menor sentido. Sem uma política pública de Estado específica, não há como promover a evolução da modalidade e muito menos a do esporte em geral.
A bancada da bola do Congresso Nacional – grupo de parlamentares ligados ao futebol – não perdeu tempo e já está se movimentando para acelerar a votação do Programa de Fortalecimento dos Esportes Olímpicos (Proforte) no plenário da Câmara dos Deputados. Ao contrário do nome de batismo, a proposta foi elaborada inicialmente para perdoar as dívidas dos clubes de futebol que já ultrapassam os R$ 4 bilhões. O relator Otávio Leite (PSDB-RJ) a rejeitou e apresentou substitutivo criando uma espécie de “Lei de Responsabilidade do Esporte” para refinanciar a dívida. Mas não é bem assim.
Leia também
Parte da proposta até atende algumas sugestões do bem intencionado movimento criado pelos próprios jogadores, o Bom Senso Futebol Clube, mas ainda disfarça o calote fiscal. Entre outros pontos positivos, os clubes deverão se adequar a parâmetros de gestão financeira, estar com as contas em dia e administrar seus gastos com responsabilidade. Não poderão atrasar salários e os dirigentes serão responsabilizados judicialmente por atos financeiros irregulares. A antecipação de receita ficará proibida. Excelente até aqui!
Mas o Proforte tem artigos faceiros, alguns sugeridos pelo deputado cartola Vicente Cândido (PT-SP), vice-presidente da Federação Paulista de Futebol e sócio do presidente eleito da CBF, Marco Polo Del Nero. Entre eles, o parcelamento da dívida em 25 anos, a alteração da taxa Selic pela Taxa de Juros a Longo Prazo (muito mais baixa), a criação de um fundo constituído com recursos públicos – que terá sua destinação condicionada a convênios entre clubes e escolas – e isenção de Imposto de Renda à Timemania. Novas loterias serão criadas para ajudar os clubes a quitarem suas dívidas e também não serão tributadas.
Na prática, o Proforte pretende pagar a dívida de entidades privadas com a União usando isenções e dinheiro público. É justo?! Qualquer torcedor contribuinte gostaria de obter tamanha ajuda para pagar seus impostos.
Sem precisar honrar suas contas, os clubes poderão continuar a fazer contratações milionárias de jogadores e renovar os altíssimos salários dos atletas, treinadores e dirigentes. Além de tudo isso, especialistas em política esportiva consideram as punições previstas no Proforte inócuas e brandas demais. É como dizem: “norma sem sanção é norma ineficaz”.
CBF deve ser envolvida
Responsável pela gestão do futebol, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é que deveria entrar em campo para exigir dos clubes mais responsabilidade administrativa e um modelo gerencial mais moderno. E não o Legislativo. Caberia aos parlamentares apenas promover alterações legais necessárias e, ao governo, fiscalizar a contabilidade e negócios dos clubes, com base na legislação vigente.
A CBF deveria investir em sistemas contábeis padronizados para prevenir fraudes e gastos desnecessários, exigir a apresentação de certidões negativas das agremiações e punir severamente gestões deficitárias e irresponsáveis. Também deveria investir parte da fortuna que lucra com a seleção brasileira na construção de centros de treinamento para formar novos jogadores.
Prefere, no entanto, se eximir da obrigação e manter as agremiações nas tetas do Estado. Assim sobra mais dinheiro para seus dirigentes. Durante toda a tramitação do Proforte, por exemplo, a entidade que controla o futebol atuou nas sombras e fez lobby através da bancada que ela financia no Congresso para garantir mais um calote dos seus membros.
A mudança necessária para a transformação do futebol e do esporte em geral não é por aí. Não se pode conceder mais um refinanciamento e ficar por isso, pois não passaria de mais uma ação pontual e emergencial. Já houve outros e os times não quitaram suas dívidas. Por que pagariam agora?
A goleada para a Alemanha é apenas um sintoma da falta de uma política pública para o setor. É preciso uma discussão mais ampla para estabelecer prioridades, responsabilizar, punir e cobrar resultados dos gestores. O esporte nunca teve tantas fontes de recursos, mas não há ninguém que os fiscalize com seriedade.
O Ministério do Esporte (ME), criado para essa finalidade, é dominado por “comunistas” incompetentes e está desmoralizado por tantos escândalos de corrupção. Desde que foi criado, há 11 anos, sempre foi gerido pelo PCdoB para irrigar suas campanhas políticas e nunca estabeleceu metas ou elaborou projetos consistentes.
Além disso, Dilma já sabe que o ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), joga no time dos cartolas e o descartou ao liderar pessoalmente a discussão sobre o futebol.
Não há o que inventar. A governança do futebol alemão se converteu em eficiência em campo e pode inspirar um sistema mais moderno e profissional de gestão para o futebol brasileiro. Mas como é possível pensar em reformulação se os dirigentes da CBF se perpetuam há décadas no poder e interferem diretamente na política nacional?
A discussão do governo sobre os limites da atuação da CBF já é um dos maiores legados da “Copa das Copas”. Precisa, contudo, avançar muito mais e envolver Legislativo, CBF, clubes, jogadores e torcedores.
Mais sobre a Copa do Mundo de 2014
Assine a Revista Congresso em Foco em versão digital ou impressa
Deixe um comentário