*Bruno Figueiredo
Formou-se no Brasil uma grande corrente onde juntam forças e lançam todos os esforços para que se salvem os “CNPJs”. Passeiam pela Praça dos Três Poderes grupos empresariais muito preocupados em salvar empresas. Para tanto, busca-se limitar as fiscalizações, como também a atuação dos sindicatos. Pretende-se impor assim uma lógica de sacrificar pessoas para que se salvem empresas.
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A empatia humana nunca foi o forte da “aristocracia”, quase escravagista, brasileira. Em tempos de pandemia espalham-se os absurdos. Todo tipo de fraude, onde a patronal deixa de pagar salários.
Quando o trabalhador esboça qualquer reação a patronal diz: “busque seus direitos”. De forma desafiadora a patronal conta com uma morosidade quase cúmplice de parte do Poder Judiciário. Sendo muito normal que patrões atrasem salários, ou simplesmente demitam os trabalhadores sem pagar qualquer verba.
Para muitos a empatia humana talvez não seja suficiente para buscar salvar vidas. Entretanto, tal operação, a elevação absurda das taxas de exploração, poderá resultar em sérios prejuízos para a balança comercial. O Brasil tem sofrido, desde o ano passado, uma fuga de capitais. Agora está sendo advertido pelos investidores estrangeiros contra os desmatamentos na Amazônia[1].
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Nos Estados Unidos quem regulamenta as relações comerciais do país é a Câmara dos Deputados. O responsável pelo comitê de relações comerciais chegou a declarar que se opõe fortemente contra acordos comerciais entre o país e o Brasil[2]. Entre outros fundamentos está o desrespeito do governo brasileiro, não só ao meio ambiente, mas também aos direitos sociais e garantias trabalhistas.
Várias empresas no mundo estão se vendo obrigadas a montar o que chamam de “Labor Compliance”, um departamento de fiscalização para ver se a empresa atende as normas trabalhistas. Na medida em que existe uma organização de trabalhadores nos países centrais da economia mundial, as empresas respectivas não aceitariam uma competição com empresas que adotam práticas trabalhistas que tornam o trabalho quase escravo. Desta forma, para que haja um patamar mínimo civilizatório é necessário que os sindicatos de trabalhadores do mundo somem esforços. O desrespeito sistemático das leis trabalhistas afeta o conjunto da sociedade.
Um caso emblemático na União Europeia onde o governo sueco contratou uma empresa da Letônia para reformar suas escolas, fez com que o sindicato de trabalhadores suecos exigisse que os trabalhadores contratados pela empresa letã tivessem os mesmos direitos dos demais trabalhadores que laboram no país. Houve inclusive a condenação da Suécia no caso, que ficou conhecido como “Laval un Partneri Ltd v Svenska Byggnadsarbetareförbundet”[3].
Posteriormente, a Suécia se viu obrigada a ajustar sua legislação sobre o tema. Conforme se observa na publicação da OIT: “O Governo sueco nomeou, em 2013, uma comissão parlamentar (Inquérito) para analisar possíveis opções para resolver o conflito entre o direito do trabalho da UE e o direito do trabalho sueco, a fim de evitar o dumping social”[4]. Ou seja, houve uma condenação da União Europeia que resultou em mudanças legislativas em um de seus países membros.
Existem diversos outros casos em que os países da União Europeia foram condenados por comprarem produtos oriundos de países que não respeitam as medidas protetivas para evitar o Dumping Social. O conceito reside em evitar que as leis de proteção social e trabalhista se tornem meros elementos decorativos “para inglês ver”. Ou seja, se em um determinado país existem leis trabalhistas e sociais, mas se uma empresa pode sistematicamente descumprir tal legislação, sem que haja qualquer consequência, o Estado em tese estaria sendo conivente com o Dumping Social.
No Brasil, para se combater o Dumping Social se tem recorrido muito ao que dispõe o Art. 404 do Código Civil. Entretanto, para o caso emergencial existe um dispositivo legal que tem sido pouco utilizado. Trata-se do Decreto-Lei nº 368/1968:
Art. 1º – A empresa em débito salarial com seus empregados não poderá:
I – pagar honorário, gratificação, pro labore ou qualquer outro tipo de retribuição ou retirada a seus diretores, sócios, gerentes ou titulares da firma individual;
II – distribuir quaisquer lucros, bonificações, dividendos ou interesses a seus sócios, titulares, acionistas, ou membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;
III – ser dissolvida.
Parágrafo único. Considera-se em débito salarial a empresa que não paga, no prazo e nas condições da lei ou do contrato, o salário devido a seus empregados.
Tal medida pode vir a ser requerida tanto pelos sindicatos como pelo Ministério Público. No referido dispositivo legal a interpretação para salário é ampla. De modo que, em se aplicando tal dispositivo, talvez haja assim um mecanismo que venha a coibir o abuso patronal. Pois se a empresa está com os salários em atraso não é razoável que possa distribuir lucros, dividendos e pro labore.
Em meio a esta pandemia, cresce o nível de desemprego, e a exploração dos empregadores sobre os empregados tem-se elevado a patamares avassaladores. Os trabalhadores terminam se vendo coagidos a aceitar trabalhar, mesmo sem salários, ou aceitando supostos “acordos individuais”, que constituem verdadeiras fraudes. Muitas empresas se utilizam de atrasos deliberados dos salários como forma de fazer capital de giro com o salário dos trabalhadores. Há inclusive um debate absurdo em que os juros de futuras condenações trabalhistas só passariam a incidir após a condenação em si. Portanto, há assim um incentivo a fraude.
Para romper com este ciclo vicioso, que beneficia a sonegação de direitos, os sindicatos precisam garantir medidas eficazes e ágeis. Bloquear a distribuição de lucros, enquanto existirem salários em atraso, pode se tornar uma boa alternativa em muitos casos. Desta forma, existe aí uma ferramenta que pode ser utilizada para coibir patrões de simplesmente deixar de pagar os salários. Tal dispositivo legal certamente é muito menos utilizado do que o número de casos em que os empregadores deliberadamente atrasam os salários de seus empregados.
O que impede o combate ao Dumping Social no Brasil não é a falta de uma legislação que coíba tal prática. Nem mesmo uma suposta omissão dos sindicatos. O maior motivador do Dumping Social é a lógica escravocrata que coloca o lucro acima da vida humana.
[1] https://www.ft.com/content/ad1d7176-ce6c-4a9b-9bbc-cbdb6691084f?utm_medium=Social&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR2-iOqlZ_EPk3S190nk35HmKyc0sfo3Agx0UX1OH5ZEVMD7vSnOLP3fJ0w#Echobox=1592901470
[2] https://www.reuters.com/article/usa-trade-brazil/u-s-house-panel-says-opposes-any-u-s-trade-deal-with-brazil-idUSW1N2AE02F?il=0
[3] Cf.: (disponível no seguinte endereço de internet: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62005CJ0341&from=EN)
[4]“The Swedish Government appointed in 2013 a Parliamentary Committee (Inquiry) to review possible options to solve the conflict between EU labour law and Swedish labour law in order to prevent social dumping.”
(The Right to Social Security in the Constitutions of the World: Broadening the moral and legal space for social justice, Fl. 278, 02 September 2016; Reference: 978-92-2-130401-2[ISBN] Authors: International Labour Standards Department Cf.: https://www.ilo.org/global/standards/subjects-covered-by-international-labour-standards/social-security/WCMS_518153/lang–en/index.htm)
*Bruno Figueiredo é advogado formado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e especialista em Direito do Trabalho. Integra a equipe do escritório Parahyba F T Advocacia Associada em parceria com o escritório Cezar Britto & Advogados Associados.
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