Luciane Gorgulho e Fabrício Brollo*
O Congresso Nacional acabou de aprovar a medida provisória nº 851, convertida em PLC nº 31, que autoriza a criação dos chamados fundos patrimoniais. Conhecidos pelo termo em inglês “endowments”, tais fundos são internacionalmente usados para financiar, com doações privadas, universidades, hospitais, orquestras e outras organizações sem fins lucrativos que atuam pelo interesse público. No Brasil, a ausência desse instrumento na legislação traz dificuldades para a gestão dessas organizações.
É eloquente o exemplo das instituições culturais e sua histórica luta para garantir estabilidade no financiamento de suas atividades correntes. É que elas dependem de recursos públicos, sujeitos à volatilidade das contas fiscais, ou da captação de patrocínios privados, em geral por meio de incentivos tributários, tais como a Lei Rouanet, condicionados ao lucro das empresas apoiadoras.
A exigência de concentrar esforços na captação de recursos a cada exercício dificulta o planejamento de longo prazo, deixando para segundo plano ações relacionadas à sua missão, justamente aquelas que deveriam dar solidez e perenidade às instituições e ao patrimônio cultural.
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Os fundos patrimoniais usam as doações captadas para gerar rendimentos financeiros que sustentem de forma perene as instituições ou as causas apoiadas, deixando intacto o seu valor principal. Hoje, não há restrição legal para que instituições privadas sem fins lucrativos constituam estruturas assemelhadas, mas a ausência de um marco regulatório definido pode ensejar riscos à blindagem do principal desses fundos contra contingências jurídicas diversas.
A ausência de critérios mínimos de governança e fiscalização também representa um desestimulo à doação privada. Além disso, no campo público, a medida provisória aprovada passa a permitir, por exemplo, a doação de ex-alunos a universidades, bem como de frequentadores a museus e a orquestras.
O BNDES se engajou no tema a partir de 2013 pela sua atuação em prol do patrimônio cultural. Passou a apoiar a estruturação jurídico-administrativa de fundos patrimoniais de instituições que tiveram projetos de preservação apoiados e, em 2016, promoveu o I Fórum Internacional de Endowments Culturais. Em junho de 2018, a segunda etapa do II Fórum realizada no Congresso Nacional mostrou que o tema passou a mobilizar sociedade e parlamentares, mesmo antes do trágico incêndio ocorrido em setembro no Museu Nacional.
Na construção do texto final, o BNDES apoiou a ampliação das causas abarcadas pelos fundos patrimoniais — inicialmente restritas ao ensino superior — e defendeu uma estrutura única que contemplasse as instituições públicas e privadas.
Estabelecido o marco regulatório, o Banco poderá avançar em ações de apoio a outros segmentos de interesse público como educação, saúde, segurança e meio ambiente. Poderá ainda ter um papel indutor na constituição de fundos patrimoniais com padrões adequados de gestão e governança, condição necessária para alavancagem de recursos privados.
O texto, que segue agora para sanção presidencial, é exemplar de um esforço conjunto entre sociedade civil e governo do qual o BNDES se orgulha de ter participado. Ele demonstra que é possível avançar institucionalmente quando o denominador comum da causa é a defesa de interesse público e a construção de legados para as futuras gerações.
*Chefe e gerente do Departamento de Educação e Cultura do BNDES
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