Em entrevista recente ao portal Congresso em Foco, disse que a esquerda sentiria saudades de Joaquim Levy, frente à gestão de Nelson Barbosa, não porque aquele tivesse qualquer compromisso com as causas patrocinadas pela esquerda, mas porque não teria a mesma efetividade deste, que não é visto como neoliberal. Os anúncios recentes do novo ministro comprovam a assertiva.
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, anunciou neste mês de fevereiro que o governo enviará ao Congresso, ainda no mês de março, duas propostas de lei complementar: uma com a chamada reforma fiscal e outra para tratar da renegociação da dívida com estados e municípios, ambos com forte impacto sobre o gasto público.
A primeira, batizada de reforma fiscal, que vai além do mero ajuste, teria por objetivo “adotar um limite global para o gasto público da União”, instituindo uma espécie de gatilho que dispararia sempre que fosse alcançado determinado patamar de despesa frente ao Produto Interno Bruto. Trata-se, essencialmente, da mesma proposta apresentada em 2005 por Antonio Palocci quando ministro da Fazenda e que, então, foi rechaçada por Dilma por considerar a proposta incompatível com a necessidade de desenvolvimento do país e do povo brasileiro.
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De acordo com as regras do gatilho, atingido o limite global de despesa, o corte seria feito, automática e cumulativamente, em três momentos. O primeiro momento levaria à suspensão de concessões de novas desonerações, suspenderia concurso público, congelaria as despesas discricionárias e proibiria qualquer aumento de despesa. O segundo momento aprofundaria os cortes com a suspensão de subsídios e de reajuste nominal dos salários dos servidores públicos. E o terceiro levaria à suspensão da política de aumento real do salário mínimo.
A lógica do gatilho, nesse particular, não difere, em quase nada, do que seria proposto por governos neoliberais, já que elege os mais pobres e os que vivem de salário como variável do ajuste e não discute a questão da dívida pública, que só no ano passado aumentou em R$ 600 bilhões, principalmente em função do aumento da taxa Selic. Com dizia Dilma em 2005, “para crescer, é necessário reduzir a dívida pública”, e fazer o ajuste apenas para gerar superávit primário não resolve o problema dos juros elevados que consomem imediatamente qualquer esforço fiscal.
A segunda proposta, relativa à dívida dos estados e municípios, imporia uma série de exigência aos entes federativos como condição para negociar o alongamento dessas dívidas perante a União, especialmente a obrigatoriedade de reduzir despesa com pessoal e previdência, além de se desfazer de suas empresas estatais. O modelo é rigorosamente o mesmo colocado em prática por Fernando Henrique Cardoso em 1997, quando houve a grande negociação da dívida dos estados e estabeleceu-se como contrapartida o corte de direitos e a federalização das empresas estatais, que foram privatizadas na sequência.
Assim, os governos estaduais e municipais que ainda tiverem estatais – e alguns estados ainda têm, como as empresas de energia, de água e esgoto e gás – terão que vender ou transferir esses ativos para a União, além de promover reformas administrativas e previdenciárias, como condição para negociar e alongar o perfil de suas dívidas.
É verdade que Joaquim Levy proporia reformas com esse escopo e até mais radicais, porém não teria a legitimidade perante as forças de centro-esquerda e até de esquerda do ministro Nelson Barbosa, que sempre se apresentou como um desenvolvimentista.
A diferença entre Barbosa e Levy, além da calibragem de suas propostas, está na capacidade de entregar o prometido. O primeiro, antes de assumir a pasta da Fazenda, não era visto como neoliberal nem vinculado ao sistema financeiro, como claramente era o segundo. Isso reduziria a rejeição do primeiro nos partidos de esquerda e nos movimentos sociais.
O problema é que Barbosa adotou, embora com menos intensidade, as propostas de Levy. E, patrocinada por Barbosa, qualquer proposta teria mais chances de efetivação do que as lideradas por Levy. Logo, sob Barbosa, a agenda neoliberal será implementada com mais facilidade, constrangendo fortemente a capacidade de resistência do Partido dos Trabalhadores – ao qual, embora não seja filiado, está associado.
Os partidos e os movimentos sociais que tenham compromisso com quem vive de salários – trabalhador do setor privado, servidor público e aposentados e pensionistas – precisam entrar em ação para evitar que o ajuste recaia sobre os mais pobres, que dependem do Estado e dos direitos sociais que lhes dão proteção.
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