Na última terça-feira (8), a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou o texto preliminar do relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, Danilo Forte (União-CE). Um dos pontos anunciados na reunião foi a criação da emenda parlamentar de liderança (ou emendas RP5), parcela do orçamento público cuja destinação será definida pelas bancadas partidárias. A proposta preocupa especialistas na sociedade civil, que temem pelo retorno do extinto orçamento secreto.
Emendas parlamentares são parcelas do orçamento que ficam sob o controle do Congresso Nacional, divididas em categorias que variam conforme o critério de distribuição. O orçamento secreto foi o nome atribuído às emendas parlamentares de relator, modalidade em que a destinação dos recursos era definida pelo relator do orçamento, sem critérios claros para aplicação e de identificação de quem fez a solicitação. Tais emendas foram consideradas inconstitucionais ao final de 2022 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
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Na véspera do voto da ministra Rosa Weber, que concluiu pela inconstitucionalidade das emendas de relator, o Congresso Nacional aprovou uma resolução reformando o orçamento secreto. A reforma incluía a retirada do poder de destinação do relator do orçamento e sua entrega aos líderes das bancadas, estabelecendo um desenho próximo ao que foi proposto na última semana por Danilo Forte.
Apesar da promessa do relator em garantir critérios transparentes e objetivos para a criação das emendas de liderança, a sugestão ainda preocupa o juiz de Direito Márlon Reis, coautor da Lei da Ficha Limpa. “A decisão do STF não foi sobre uma norma em particular. Ela foi sobre um conceito. Qualquer coisa que se aproxime desse conceito apreciado pela Suprema Corte é igualmente inconstitucional”, apontou.
Além da semelhança para com o orçamento secreto, o jurista destaca novidades na inconstitucionalidade da proposta. “O Congresso Nacional desviou perigosamente para o pork barrel, o patrocínio de demandas locais com verbas do orçamento por parlamentares. Essas iniciativas são fruto dessas políticas paroquiais. A nova emenda repete e reitera processos já identificados pelo Supremo, e aprofunda outros, como esse caminho que o Legislativo vem tomando nos últimos anos de se estabelecer como um palco para alimentação de interesses paroquiais”, explicou.
O cientista político Marcelo Issa, diretor do movimento Transparência Partidária, teme os efeitos da emenda de liderança por motivos distintos. Ao seu ver, o problema não está no mérito da nova emenda parlamentar, da qual ele enxerga como parte de um debate válido sobre o papel do Legislativo no processo de elaboração do orçamento. O problema está na forma com que o Congresso Nacional utiliza emendas parlamentares.
“Na forma de implementação, o histórico depõe contra. As emendas em geral não observam critérios de eficiência e transparência, então não há motivos para acreditar que uma nova modalidade de emenda passará a adotar esses critérios”, ressaltou. Para ele, a sugestão de Danilo Forte não configura uma tentativa de driblar a decisão do STF, mas sim um reflexo das lideranças partidárias de permanecer exercendo controle sobre as contas públicas.
Um dos argumentos adotados por Danilo Forte na CMO para justificar a nova emenda é o fato de o modelo já ter sido adotado com sucesso em outros países, como na Alemanha. O advogado Luciano Santos, representante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, uma das entidades que participaram na ação contra o orçamento secreto no STF, avalia que, no Brasil, a nova categoria pode acabar corrompida pela própria natureza partidária brasileira.
“Na Alemanha, citada pelo relator como modelo, a mentalidade dos deputados é outra. Não existem gabinetes individuais, os gabinetes são coletivos da bancada. As decisões são tomadas por bancada, os interesses não são individuais”, disse. Com isso, as emendas conseguem ser ajustadas às pautas de cada partido. O mesmo, ao seu ver, não se aplica ao Brasil.
“Nem sempre as lideranças dos blocos ou dos partidos brasileiros representam aquilo que o partido pensa. Os partidos brasileiros tradicionalmente não adotam a prática da democracia interna, de fazer discussões sobre seus programas. O que se está tentando fazer é mudar uma roupagem para ter o poder de decisão na distribuição das emendas”, argumentou.
A inclusão das emendas partidárias na LDO de 2024 não é garantida. Segundo o relator, poderão ser apresentadas emendas ao projeto até o dia 16, e o relatório final a ser apresentado à CMO ficará pronto no dia 20. Se aprovada a sugestão, os valores ficarão sob critério da Lei Orçamentária Anual.
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