Danton Júnior, de Porto Alegre
Especial para o Congresso em Foco
Eleito governador do Rio Grande do Sul aos 33 anos, Eduardo Leite (PSDB) chega ao final do primeiro ano de mandato enfrentando uma greve de diversas categorias de servidores públicos. O motivo é o conjunto de medidas apresentado pelo governo, composto por sete projetos e uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê uma “reforma estrutural do Estado”, com alterações na previdência e no plano de carreira do funcionalismo.
Entre as propostas, estão mudanças que visam conter os gastos com pessoal, que hoje representam 82% das despesas líquidas do Estado. O conjunto de medidas inclui a extinção de avanços temporais (como triênios e quinquênios), fim da incorporação de gratificações à aposentadoria, alterações no plano de carreira do magistério, adequação à reforma da Previdência nacional, fim da remuneração a servidor preso (atualmente ocorre o provimento de dois terços do salário), entre outros itens.
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O pacote de medidas apresentado à Assembleia foi gestado após dez meses de discussão entre as diferentes secretarias. Em um documento de 144 páginas divulgado na internet, o governo do Estado alega, entre outras razões, a dívida com a União, que chegou a R$ 63 bilhões em 2018; os saques dos depósitos judiciais e do Caixa Único, que somam R$ 19 bilhões; o passivo com precatórios de R$ 15,8 bilhões; e a dívida consolidada de R$ 73,3 bilhões em 2018. As contas da Previdência, segundo o Piratini, são “alarmantes”. O Estado conta com mais pensionistas (60%) do que servidores ativos (40%). O déficit previdenciário é calculado em R$ 12 bilhões para o ano de 2019.
“Diante de um cenário extremamente grave pós-crise, em que a economia não se recupera, o Estado não tem capacidade de pagamento. Essas medidas são medidas estruturantes, que vão mexer na receita e na despesa, aumentando a receita em cerca de R$ 1,5 bilhão na previdência e que vai promover uma economia de, em dez anos, mais de R$ 8 bi só nas despesas”, descreve a secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos. O impacto fiscal total das medidas, incluindo o não aumento das despesas com pessoal, é calculado em R$ 25 bilhões ao longo de dez anos.
A ação do governo fez com que diversas categorias do funcionalismo – que nos últimos quatro anos recebem os salários de forma parcelada – deflagrassem uma greve. A tensão entre governo e servidores culminou em confusão no último dia 26, durante manifestação em frente ao Palácio Piratini. O Cpers-Sindicato, entidade que representa os professores, afirma que dezenas de manifestantes foram agredidos pela Brigada Militar. O governo divulgou nota repudiando a “tentativa de invasão” ao Piratini e informando que dois policiais ficaram feridos.
O conjunto de medidas anunciadas pelo governo, protocoladas na Assembleia Legislativa em regime de urgência (com exceção da PEC), causou desconforto mesmo entre parlamentares que integram a base aliada. As duas maiores bancadas governistas, o MDB e o PP, manifestaram-se publicamente contrárias à proposta. “Da forma que foi apresentada, não há condições de ser votada”, afirmou o líder do PP, Sérgio Turra. “Será necessário um profundo e amplo diálogo com os parlamentares e com a categoria, no sentido de aprimorar o projeto e deixá-lo atrativo para os professores”, diz a nota divulgada pelo MDB.
O líder do governo na Assembleia, deputado Frederico Antunes (PP), afirma que há a intenção de dialogar. Ele ressalta que o prazo para cumprimento do regime de urgência encerra-se no dia 13 de dezembro. A sessão ordinária seguinte ocorre no dia 17. A partir desta data, o projeto passa a trancar a pauta do Legislativo. “Neste momento já teremos condições de ter conversado com categorias, com deputados e feito os ajustes possíveis em cada um dos projetos”, observa o parlamentar.
“O crescimento da inatividade combinado com a necessidade imediata da reposição de quadros só vai nos levar a um aumento da necessidade arrecadatória para essa finalidade”, resume Antunes. O parlamentar acredita que, se não houver ajustes na previdência e nos chamados “penduricalhos” presentes em algumas carreiras, a situação financeira do Estado tende a piorar ainda mais.
O pacote faz parte de um conjunto de medidas que o governo considera essenciais para que o Estado recupere a sua capacidade de investimento. Entre essas outras medidas estão privatizações no setor de energia, gás e mineração; parcerias público-privadas; simplificação de leis e processos; e a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
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O governo afirma ser possível colocar os salários dos servidores em dia até o final de 2020. “Com a adoção das novas alíquotas, ampliação de base e aprovação destas reformas, além de privatização prevista para o próximo ano e adesão ao Regime (de Recuperação Fiscal), acredito que até o final do próximo ano isso seja, sim, possível caso a gente tenha todas as medidas aprovadas”, observa Leany.
Segundo a secretária, o primeiro passo pós-reforma é a revisão de incentivos fiscais. “A (Secretaria da) Fazenda tem trabalhado com isso e no próximo ano será objeto também de análise e proposição do governo”, explica.
A oposição e os sindicatos têm protestado, alegando que o governo deve priorizar o combate à sonegação e às desonerações fiscais. “Precisamos realmente corrigir algumas distorções, mas essa correção tem que começar ‘nos de cima’, no topo da pirâmide”, afirma o deputado Edegar Pretto (PT). O parlamentar petista também critica a destinação de até R$ 55 milhões do orçamento do Estado para emendas de parlamentares, o que significa que cada deputado estadual poderá indicar o destino de R$ 1 milhão.
Greve, uma das maiores dos últimos anos
Entre servidores da ativa e aposentados, havia a expectativa de que o governo Leite colocasse o pagamento de salários em dia ao longo deste ano, o que não ocorreu. A greve do magistério, iniciada há duas semanas, é considerada uma das maiores dos últimos anos e tem contado com o apoio inclusive de alunos e pais. Os grevistas contabilizam 1.551 escolas envolvidas no movimento, sendo 767 totalmente paralisadas.
O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS-Sindicato) alega que o pacote do governo desestimula o professor a buscar a qualificação. O quadro remuneratório, hoje, é composto por seis níveis – o primeiro abrange professores com ensino médio, e o último, com pós-graduação. A diferença salarial entre estes dois extremos é de 100%. A ideia do governo é criar cinco níveis, do ensino médio até o mestrado e doutorado. A diferença entre as duas pontas do magistério, para professores que estiverem ingresso na carreira, cairia para 7%.
“Mesmo que o professor faça um mestrado ou doutorado em uma universidade pública, esse valor (os 7%) provavelmente ele vai gastar em xerox”, compara a presidente do Cpers, Helenir Schürer. De acordo com a sindicalista, há o risco de que o Rio Grande do Sul retroceda a antes de 1974, quando os professores graduados ou pós-graduados eram minoria. Por isso, segundo ela, o plano de carreira hoje em vigor foi elaborado visando reverter o quadro apresentado naquela época, quando 61% dos educadores careciam de formação superior. Hoje, conforme o sindicato, três a cada quatro professores contam com pelo menos a graduação.
O quadro é agravado pelo fato de a categoria não contar com reajuste salarial há cinco anos. Há quatro anos os salários são pagos de forma parcelada. “Estamos numa semifalência”, resume Helenir. O número de pedidos de aposentadoria aumentou nesse período, porém deu um salto ainda maior nos últimos dias, após a apresentação do pacote pelo governo. O cenário gera preocupação para o próximo ano letivo, ainda mais levando-se em conta que hoje já faltam professores em muitas escolas. “O ano que vem pode ser um ano de muito caos na educação”, teme Helenir.
Outra queixa dos professores refere-se ao abono permanência, incentivo concedido pelo Estado àqueles que estão aptos a se aposentar, mas decidem permanecer na ativa. Hoje esse incentivo corresponde a 50% do salário básico. O governo quer reduzir esse valor para 10%, sob a alegação de que o gasto do Estado com essa gratificação aumentou quase dez vezes nos últimos 11 anos.
“Isso quer dizer que as pessoas não terão estímulo nenhum para continuar trabalhando”, protesta o presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do Rio Grande do Sul (Fessergs), Sérgio Arnoud. A estimativa da Fessergs é de que o Estado tenha cerca de 7 mil servidores em condições de se aposentar.
A Fessergs também critica uma medida que considera “antissindical” por suspender o direito do servidor de participar de assembleias durante o horário do expediente. Os sindicalistas argumentam que o direito está garantido por convenções internacionais assinadas pelo Brasil junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT). “É uma restrição ao direito da liberdade de organização sindical e visa impedir que haja protestos, organização ou qualquer tipo de resistência”, alega Arnoud.
O governo do estado alega que, “embora a sindicalização seja um direito constitucional e sagrado do servidor, não pode o contribuinte ser obrigado a arcar com a remuneração do servidor afastado de suas tarefas”.
Além da mobilização dos servidores, Arnoud acredita que os deputados estaduais devem se sensibilizar temendo possíveis impactos eleitorais. “Tem coisas que não são palatáveis por ninguém, principalmente na véspera de um ano eleitoral”, observa. Sindicalistas têm percorrido câmaras de vereadores pelo estado para pleitear a aprovação de moções de repúdio ao pacote.
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Alterações na Previdência
Na questão previdenciária, as principais mudanças são a adesão aos parâmetros nacionais de idade e tempo de contribuição, de acordo com a Emenda Constitucional nº 103. O segundo ponto é a ampliação da base. Leany ressalta que, hoje, os servidores pagam 14% sobre o seu salário e que os inativos não contribuem. A proposta do governo prevê que vão contribuir com 14% quem ganha acima de R$ 1.000 até o teto do regime geral da previdência, que é de R$ 5.839,45.
A terceira mudança é a adoção de alíquotas maiores acima do teto do regime. O governo quer inserir a cobrança progressiva para a base de contribuição ou do benefício acima do limite máximo estabelecido para o regime geral. O aumento da contribuição, segundo a secretária, vai permitir que o déficit financeiro, neste ano previsto em R$ 12 bilhões, seja reduzido em cerca de R$ 1 bilhão no próximo ano.
Leite: plano de carreira “engessa” remuneração
Em um vídeo de 11 minutos postado em sua página no Facebook, o governador Eduardo Leite justifica as medidas adotadas “para enfrentar o enorme desequilíbrio fiscal do Estado” – em especial as mudanças no plano de carreira do magistério.
“Infelizmente, muitos professores, pais e alunos ainda não entenderam os principais pontos do que estamos propondo”, observa Leite. Segundo o governador, o plano de carreira atual, em vigor desde 1974, engessa a remuneração dos professores “ao vincular diversos benefícios a percentuais do salário”, o que conforme Leite impossibilita o governo de conceder os reajustes que a categoria merece.
Hoje, para que os professores não recebam abaixo do piso nacional do magistério, que é de R$ 2.557,80 para quem trabalha 40 horas, o Estado precisa pagar um completivo. O salário-base para quem ingressa no primeiro nível é de R$ 1.260,20. O projeto do governo prevê que esta categoria tenha como salário-base inicial o valor do piso. “O apego do Cpers a um plano de carreira que limita a própria carreira do professor prejudica qualquer tipo de avanço remuneratório mais expressivo, como ocorreu com outras categorias no Rio Grande e inclusive ocorre com os professores de outros estados, que possuem outros planos de carreira”, observa Leite.
Ex-prefeito de Pelotas, Eduardo Leite já sinalizou que não pretende disputar a reeleição (detalhe: nunca o Rio Grande do Sul reelegeu um governador). “Acho que isso é um facilitador, porque ele coloca não a sua carreira à frente da reforma, mas essas mudanças e a necessidade de se adotar um modelo responsável como algo que está acima da sua reeleição”, afirma a secretária Leany.
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