Caso Battisti: les coulisses obscures, editado por Viviane Hamy, com um prólogo de Fred Vargas. A tradução foi um ato de recriação do brilhante Baptiste Baudoin. Em contato permanente com ele, decidi reconstruir boa parte do livro, o adaptando aos novos fatos que aconteceram entre a soltura de Battisti (8 a 9 junho de 2011) até a entrega do original português em 2013.
Nestes dois anos, muitas coisas mudaram externamente, e várias (não tantas) internamente. No mundo exterior, Battisti continuou sofrendo perseguição e provocações. Seu processo por documentos falsos não foi arquivado como cabe em qualquer interpretação razoável da Convenção de Genebra. Também apareceram MPs burocratas fazendo denúncias forjadas (qualquer cidadão comum que apresentasse um 10% dessas falácias seria processado por litigante de má fé).
Também aconteceu uma mudança nos advogados: o brilhante defensor de Cesare, Luís Barroso, passou à condição de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), trazendo a esta paleolítica instituição um sopro de bom senso, inteligência e coragem. Battisti passou alguns duros tempos, enquanto a Polícia Federal (por ordem de ainda-não-sabemos-quem-embora suspeitemos) congelou durante mais de 30 meses seu documento de identidade para estrangeiro, que é obrigatório para qualquer residente permanente, e sem a qual poderia ser expulso.
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Além disso, ele foi proibido de se expressar num seminário sobre sua obra literária. Na UFSC, onde foi convidado por um grupo de intelectuais progressistas, os fascistas que abundam nessa região do país (alguns com laços históricos com velhos imigrantes pró-nazistas) promoveram vários tumultos. O mais triste e grotesco esteve representado por um professor de Engenharia e alguns outros pistolões, que acharam imoral, absurdo, criminoso, etc, que uma universidade pública convidasse a um escritor condenado pela “sagrada” justiça mafiosa para palestrar sobre literatura. Que barbaridade! Sem dúvidas, estes clowns pensavam que devia ser um médico ou um engenheiro quem devia falar desses temas. Essas opiniões oligocefálicas certamente não têm influência teórica, mas sim política: a ladainha dos professores serviu para estimular um grupo de vândalos pós-teens, que mal e duramente conseguiam ler as palavras de ódio que alguém lhes havia passado em enormes cartazes (para que pudessem lê-las passando o dedinho pela linha).
Os provocadores tiveram parcial sucesso quando o governo, em vez de proteger Battisti e enviar um grupo, mesmo pequena, de membros da PF, proibiu ao escritor assistir àquele simpósio. Mas, por outro lado, houve uma vantagem. Pude substitui-lo e, em minha condição de estrangeiro-não-estigmatizado, pude fazer o que foi proibido a Battisti (mas que ele não se propunha fazer): denunciei as tramoias subjacentes, e também, é claro, falei de sua obra literária.
Dentro ainda dos fatos externos à redação do livro, houve mudanças na defesa de Cesare pós Barroso. A equipe que acompanhava o caso de Cesare para assuntos fora da extradição não conseguiu (por razões que desconhecemos) esclarecer o enigma “onde está a carteirinha de Cesare?”, uma charada que talvez possa ser resolvida tendo em conta esse ato final de censura contra Battisti escritor.
Hoje Cesare tem dois brilhantes advogados, Torun e Bottini, ambos progressistas e, sobretudo, de pensamento ético independente de quaisquer pressões. Há 40 dias que Cesare já tem sua “carteirinha”, pondo fim a seu longo périplo.
No plano interno da preparação do livro, nestes dois anos apareceram dados novos, embora não muitos. Mais de 80% do processo, caso não tenha sido destruído, está fechado a sete chaves, e não sabemos de nenhuma pessoa neutra que tenha tido acesso a ele.
Conseguimos alguns documentos sobre altas figuras da repressão italiana que afirmam que os atos atribuídos a Battisti eram políticos e não crimes comuns. Alguns desses dados tinham sido fornecidos antes ao STF, mas o relator da época desprezou totalmente. As conexões da perseguição de Battisti com a politicagem italiana ficou mais clara: sabemos, por exemplo, mais detalhes do fracasso dos italianos para formar quórum contra Battisti na União Europeia, encontramos mais oito contradições entre as falsas testemunhas contra Battisti, e, o mais importante, apresentamos o processo de construção das procurações falsificadas. Há detalhes que eu não tinha conseguido apurar na versão dos Cenários Ocultos, que agora aparecem. Atos suspeitos da polícia e a magistratura, a desaparição aparente de perícias e laudos, etc.
Alguns dados que só eram relevantes para o Brasil foram reduzidos de 100 a 63 páginas, e foram acrescentadas 214 páginas de dados relevantes à escala universal, e maiores detalhes sobre as diversas fraudes no processo. Há um ganho de 151 páginas.
Como já aconteceu na versão portuguesa, foi impossível saber como e em que quantidade foram pagos subornos às grandes figuras, mas pelo menos pudemos obter alguns dados sobre o montante que teria sido pago a dois escritores (um francês e um brasileiro) por escrever contra Battisti. O primeiro teria recebido entre 30 e 40 mil euros por um livro bastante grande, que contém algumas informações verdadeiras e não apenas intrigas. Sobre o outro, só sabemos que a Itália comprou duas edições fechadas e que deu um prêmio ao autor quando ainda a tinta estava fresca, mas não sabemos qual foi o montante embolsado pelo autor. Fringe benefits (benefícios indiretos) são desconhecidos em todos os casos.
O leitor pode ver que o título de meu livro foi modificado: “coulisses” são bastidores e não “cenários”.
“Obscures” parece uma palavra mais adequada que “ocultos”. De fato, se estivessem totalmente ocultos, eu nunca poderia ter tido acesso a eles. Em realidade, estavam na escuridão. Foi necessário acender uma lanterna, algo que fizeram centenas de amigos e colaboradores que, como na edição anterior, manterei em sigilo. Eles são as “luzes protegidas”, com que dei nome a meu blog pessoal.
Vários jornalistas e políticos brasileiros receberão nos próximos dias cópias do livro. Quando receba a minha poderei fornecer detalhes sobre os aspectos da edição.
O livro será lançado ao público em 6 de fevereiro de 2014.
Como podem ver, com ou sem carteirinha, a luta continua! Os direitos de um imigrante não dependem de ser acusado de tal ou qual coisa, mesmo se a acusação fosse verdadeira, muito menos quando é falsa. A lei se aplica depois de cometido o delito e não antes…
O próximo passo é a tradução da versão francesa ao Italiano. O antropólogo Italiano, grande estudioso da cultura latino-americana e ativista de esquerda, Fabrizio Lorusso, publicou dois capítulos iniciais no site de revista Carmilla.
Por enquanto, parece haver medo de algumas editoras italianas para publicar o livro. As negociações continuam, mas é justo que as pessoas protejam sua segurança.
Estou cogitando a publicação em espanhol e em inglês, mas nada tem sido decidido.
Obrigado a todos, muito especialmente a dúzias de pessoas (seus nomes não estão protegidos mas não tenho espaço para citar todos) de diversos lugares: defensoria pública, cursos de direito e ciências sociais, escritores, que me consultaram para escrever assuntos inspirados em meu livro.
Uma observação: nenhum destes livros é uma biografia. Portanto, não sou biógrafo de Battisti. Agradeço o elogio, mas não tenho talento para biografias nem me interesso pela vida íntima de pessoas públicas. Já temos TV, revistas e colunas de fofoca em abundância.
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