“…Tempo, tempo, tempo, tempo…
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos…
Por seres tão inventivo…
Que sejas ainda mais vivo…”
O trecho de “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso, cabe como reflexão no momento em que a Lei Maria da Penha completa 10 anos (foi promulgada em 7 de agosto de 2006). E nos ajuda a refletir sobre o cotidiano de milhões de meninas e mulheres em situação de violência e sobre a lentidão no enfrentamento adequado, apesar do significativo salto para prevenir e erradicar as diversas formas de violência contra a mulher.
Importante frisar que foram e são os movimentos sociais feministas e de mulheres historicamente preponderantes nas iniciativas para as conquistas até agora obtidas. São esses movimentos os principais responsáveis desde a retirada da invisibilidade desse tipo de violência, até a construção dos conceitos e meios para desnaturalizá-la, além de qualificar as ações de prevenção, atenção e combate, superando o caráter exclusivamente punitivo para enfrentar as violências sociais e institucionais dessas discriminações.
Lembremos da força e êxito da mobilização das mulheres no processo de elaboração da Constituição de 1988, que antecedeu em duas décadas à Lei Maria da Penha e é marco para a igualdade de direitos, cuja efetividade ainda nos desafia permanentemente.
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A partir da criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial (ambas em 2003), vinculadas à Presidência da República com status de ministério, acentuou-se o ritmo do enfrentamento à violência contra a mulher. Infelizmente, esse status foi perdido no governo interino, que reduziu esses ministérios a secretarias subordinadas ao Ministério da Justiça e Cidadania.
Em 10 anos, avançamos com medidas legislativas e normativas; organismos criados em governos estaduais e municipais; serviços de atenção e inclusão nos diversos poderes, com o Pacto de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2007) e o respectivo envolvimento das diversas esferas e âmbitos do Estado; as Conferências Nacionais de 2004, 2007, 2011 e 2016; e com o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, resultantes dessas conferências e cujo processo de construção provoca grande mobilização e decisões frutos do debate entre entidades governamentais e sociedade civil nos estados e municípios.
Na Bahia, destacam-se a criação de organismos e equipamentos como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM-BA) e o salto de uma para 15 delegacias especializadas. Também o Pacto de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres hoje alcança 77 municípios baianos. Foram implementados programas e projetos como o Mulher, Viver sem Violência, com adaptação de dois ônibus para atendimento multidisciplinar às mulheres em áreas rurais mais afastadas de centros urbanos; além de novos centros fixos para o mesmo atendimento em municípios (sendo que nos três últimos governos estaduais o salto foi de dois para 25 núcleos).
Tivemos, ainda, a campanha Quem Ama Abraça – Fazendo Escola, desenvolvida pela da SPM-BA com a Comissão de Mulheres da Assembleia Legislativa e a Secretaria Estadual de Educação; e a criação da Ronda Maria da Penha pela Polícia Militar, também com a SPM. Há alguns anos, temos o grupo específico de atuação das PMs – Maria Felipa; e a Ouvidoria, Ministério Público e Secretaria de Justiça implantaram áreas específicas para operar com a violência de gênero. Entretanto, todas ainda carecem de recursos para implementar essas políticas, superar resistências institucionais, qualificar suas ações e torná-las abrangentes, especialmente para interiorizá-las.
Ainda há insuficiência de Varas – como previstas na Lei Maria da Penha: hoje são apenas seis no estado, onde processos se acumulam. Para atender à demanda nas delegacias especializadas, faltam veículos, equipe suficiente e qualificada, privacidade na atenção, rigor no cumprimento de protocolos nas perícias e investigação ainda falha, o que dificulta ou impede o julgamento adequado, gerando inclusive impunidade por ausência de elementos comprobatórios confiáveis.
Diante dos desafios dessa realidade, o ritmo para fazer valer a Lei Maria da Penha tem que ser acelerado. Vamos continuar lutando por mais avanços, pela garantia de não retrocesso na legislação e nas conquistas obtidas e em defesa da dignidade e dos direitos das mulheres. O tempo não para. A luta continua!
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