Andrei Augusto Passos Rodrigues*
Dados da saúde pública do Rio de Janeiro alertam para o aumento de casos de coronavírus na Zona Norte da cidade, de mais de 1000%, nos últimos dez dias. Este recorte da realidade brasileira demonstra, com clareza, a alta probabilidade de que a ameaça do covid-19 se converta em um desastre no país, alcançando, inclusive a área de segurança pública. Sem uma coordenação adequada, caso as curvas de crescimento da pandemia não sejam contidas, o país poderá enfrentar um colapso, pois não possui uma estratégia nacional de segurança, e na sua política nacional e plano de segurança pública, em nenhum momento, consta pandemia como risco ou ameaça.
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O complexo cenário brasileiro, com suas distintas realidades sociais, culturais e econômicas, deve ser considerado como um fator potencializador da crise, com efeitos mais nefastos nas classes com menor acesso econômico. Segundo dados da ONU/PNUD e da Transparência Internacional, o Brasil possui baixo índice de desenvolvimento humano e ocupava, em 2017, a posição 79 entre 189 países, e a posição 106 de 180 nações, em relação ao índice de percepção de corrupção, outros fatores agravantes.
A contaminação tende a chegar às comunidades carentes dos grandes centros, onde a vulnerabilidade das pessoas, as precárias condições de moradia e a alta densidade demográfica são potenciadores da propagação, razão pela qual os resultados poderão ser absolutamente dramáticos. As medidas para minimizar este impacto deverão ser ditadas por cientistas e profissionais da área de saúde, mas é mandatório que haverá consequências na área de segurança
A condição de subsistência que muitas pessoas vivem nestes ambientes indica que haverá busca desenfreada e a qualquer custo por víveres, sendo plausível pressupor um cenário de saques a mercados e farmácias, enfim, de violência urbana. O crime organizado reagirá de maneira ainda desconhecida, e a ocorrência de golpes, roubos e furtos por criminosos passando-se por agentes de saúde já é uma realidade. As já saturadas instituições de segurança pública terão mais esta gigantesca carga para absorver, e nova dinâmica de trabalho, com um papel social de extrema relevância. As consequências em delegacias, batalhões e sistema prisional – absolutamente superpovoado e em condições subumanas, tornarão a crise ainda maior.
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Estamos, então, condenados ao desastre sanitário e social? Lamentavelmente, se mantidas as disputas políticas e a falta de coordenação observada até o momento, sim, mas há alternativas que podem e devem ser imediatamente adotadas para reduzir danos, e as instituições de segurança pública têm um papel importante neste contexto.
Houve um momento da história em que segurança era sinônimo de opor-se a outros países, o poderio militar era decisivo e importava gerar instabilidades políticas regionais, mas que, felizmente, foram ultrapassadas e superadas pela maioria das nações democráticas após a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. Os tempos foram avançando, os conceitos mudando e hoje, muito além das ameaças tradicionais, surgiram outras difusas e de caráter transnacional. Nenhuma atual ameaça é puramente militar ou pode ser enfrentada por meios militares, e como regra são potencializadas por desequilíbrios demográficos, desigualdades sociais, Estados frágeis e instabilidade econômica. A pandemia do covid-19 é prova inconteste e, aparentemente, o Brasil não está sabendo lidar com a situação.
Países desenvolvidos como os Estados Unidos, Reino Unido ou Espanha têm Estratégia de Segurança Nacional (que não se confunde com Estratégia de Segurança Pública ou Estratégia de Defesa) nas quais as pandemias são um risco mapeado – o que pressupõe plano de ação, recursos materiais e financeiros e coordenação estratégica e operativa. Esses países possuem um tecido social estruturado, boa situação fitossanitária, sistema de saúde historicamente funcionando, sem sobrecarga e, ainda assim, estão enfrentando grande dificuldade com o avanço do covid-19, com muitas mortes e graves problemas nos serviços de saúde. A Itália chegou a 793 mortes em 24 horas, e enfrenta esgotamentos nos hospitais e entraves para tratar com dignidade os corpos das vítimas.
Ainda que o papel positivo e central do ministro da Saúde brasileiro tenha se sobressaído no início da crise, existe uma notória descoordenação e, por vezes, um embate entre as gestões da União, estados e municípios. Os procedimentos e posturas pessoais dos governantes são díspares, as estatísticas são desencontradas, as iniciativas adotadas por uns são desconexas dos outros, ou contrapostas, como no caso da circulação de pessoas e fechamento de aeroportos, testagens que não seguem recomendações da Organização Mundial da Saúde, além de medidas econômicas e pedidos de auxílio financeiro dos estados ainda não efetivados. Há importante ausência de liderança e coordenação, como atesta a situação do Decreto do estado do Rio de Janeiro, que fechou rodovias numa sexta-feira, mas foi suplantado por Decreto Federal no sábado, que reabria as estradas.
Acertadamente, ainda que com grande atraso, o Ministério da Defesa ativou, no último dia 20 de março, o Centro de Operações Conjuntas, que irá permitir a coordenação e o planejamento da atuação dos seus militares. Isso não se pode dizer da área de segurança, que segue fragmentada e com atuação limitada aos comandos de cada estado, sem uma estratégia nacional estabelecida capaz de gerenciar tamanha crise.
Frente a este delicado quadro, e como maneira de reduzir impacto, imprescindível a plena integração nacional, ancorada na gestão com liderança, na integração e na cooperação internacional para a composição de um sistema de gestão e coordenação União-Estados-Municípios, adotando decisões únicas com efeito em todo território nacional, ainda que regionalizadas de acordo com a situação.
Os três níveis de governo, no seu mais alto nível, juntamente com entidades representativas do setor privado, deveriam estar em harmonia, com representantes da saúde, segurança, defesa civil, transporte, comunicações, economia, agricultura e abastecimento, defesa, entre outros, reunidos, permanentemente, colhendo informações, mapeando riscos e adotando decisões conjuntas, técnicas e consensuais. Somente a partir de ações efetivas, coordenadas e integradas será possível enfrentar a mais grave crise nacional das atuais gerações.
*Andrei Augusto Passos Rodrigues é Delegado de Polícia Federal, formado em direito (UFPEL) e mestrando em Alta Gestão de Segurança Pública Internacional (Universidade Carlos III e Centro Universitário da Guardia Civil em Madrid/Espanha). Foi Oficial de Ligação da Polícia Federal em Madrid/Espanha, Secretário Extraordinário para Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça (2013-2017) e Coordenador-Geral de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal. Atualmente é Chefe da Unidade de Gestão Estratégica da Diretoria de Tecnologia e Inovação da Polícia Federal.
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