Mário Coelho
Contestada e desacreditada, a CPI da Corrupção na Câmara Legislativa do Distrito Federal chegou ao fim na última quarta-feira (25) pedindo que 20 pessoas sejam indiciadas pelo Ministério Público por 17 crimes diferentes. Apesar de não trazer revelações que possam chocar os brasilienses após a realização da Operação Caixa de Pandora, o relatório tem o mérito de organizar as informações e mostrar que o cenário de “metástase institucional”, como uma vez definiu o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que levou à prisão e renúncia do ex-governador José Roberto Arruda (DEM), iniciou-se no governo anterior, de Joaquim Roriz (que tenta agora novo mandato pelo PSC), e ocorre pelo menos desde 1999.
O relatório aprovado pelos quatro integrantes da CPI que compareceram à sessão de quarta-feira (o único ausente na sessão foi Batista das Cooperativas, ex-líder do governo Arruda na Câmara). O relatório demonstra que o esquema, idealizado no governo Roriz, em linhas gerais manteve-se o mesmo, já que o principal operador, Durval Barbosa, foi mantido. Essa é a razão da força das denúncias de Barbosa, depois que fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público. Ninguém poderia conhecer melhor os detalhes do processo de desvio de recursos públicos do que ele.
Leia também:
CPI aprova pedido de indiciamento de Arruda e Roriz
Relator de CPI pede indiciamento de Arruda e Roriz
Durval Barbosa, delegado aposentado da Polícia Civil, saiu da chefia da Companhia de Desenvolvimento do Distrito Federal (Codeplan) nos dois últimos governos de Joaquim Roriz (1999 a 2006) para tornar-se secretário de Relações Institucionais de Arruda. Nos dois cargos e nos dois governos, sua missão era a mesma: intermediar os contratos assinados com empresas prestadoras de serviço, especialmente de informática. Essas empresas eram agraciadas com generosos contratos com dispensa de licitação. Em contrapartida, abasteciam de propina os caixas dos dois últimos governos do DF.
“A gênese do esquema de corrupção revelado à nação pela Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal está nos contratos de gestão feitos por órgãos e empresas públicas do Distrito Federal com o Instituto Candango de Solidariedade, desde o início de 1999, quando o Sr. Joaquim Domingos Roriz assumiu o cargo de governador do DF”, diz o relatório da CPI da Corrupção, elaborado pelo deputado distrital Paulo Tadeu, do PT. Para ele, o esquema entrou no governo de Arruda com “uma volúpia crescente e insaciável”.
Mais de R$ 4 bilhões
Um indício de que o esquema era vantajoso para empresas e o governo é o valor pago pelos contratos assinados. De 2000 a 2010, foram emitidas ordens bancárias, pelas diversas unidades gestoras do GDF, em favor das empresas citadas no Inquérito 650DF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegando ao montante de R$ 4.213.666.532,69. Mesmo após o escândalo estourar em 27 de novembro de 2009, parte das empresas citadas no processo continuou disputando generosas fatias do orçamento local.
No entanto, para conseguir celebrar os contratos com as empresas, o governo precisou encontrar uma brecha na Lei das Licitações (Lei 8.666/93). Segundo afirmou Durval Barbosa ao delatar o esquema para o Ministério Público, o primeiro passo foi celebrar, em 1999, um contrato de gestão da Codeplan com o Instituto Candango de Solidariedade. A partir desses contratos, o ICS foi, paulatinamente, assumindo a função de
principal provedor dos produtos e serviços de informática para os órgãos e entidades do GDF.
Até 2008, quando foi extinto por Arruda, o ICS recebeu aproximadamente R$ 2,3 bilhões do governo para executar contratos nas mais diversas áreas. Por ser uma entidade privada, não precisava respeitar as normas obrigatórias para a gestão pública. Ou seja, seus contratos podiam ser: sem licitação, sem menor preço, sem concorrência. “A soma de recursos repassados a esse instituto, apenas pelos órgãos da administração direta, autárquica e fundacional é impressionante e, ao mesmo tempo, assustadora”, diz o relatório.
Segundo a apuração da CPI, a área de informática foi a mais usada para operar o esquema criminoso. Trata-se de uma área para a qual o poder público distrital não se preparou com quadro técnico especializado, nem com legislação específica e deixou as soluções de informática nas mãos de terceiros sem escrúpulos, que se alinharam a autoridades também inescrupulosas para se apropriar do dinheiro do Estado.
Na prática, os esquemas com as empresas de informática começaram com os contratos assinados com o ICS. Depois, na segunda metade do último governo de Roriz, passaram para as atribuições da Codeplan. Por fim, já no governo Arruda, os próprios órgãos do GDF passaram a contratar os serviços. “Na essência, porém, não houve qualquer mudança, pois os procedimentos e métodos de contratação foram sempre absolutamente os mesmos, como também foram as mesmas empresas e os mesmos gestores”, afirmou Paulo Tadeu no relatório.
Ao analisar relatórios do Tribunal de Contas do DF (TCDF) dos últimos 11 anos, os técnicos da CPI encontraram números impressionantes. Dos exercícios de 1999 a 2009, o governo do DF empenhou aproximadamente R$ 30,3 bilhões em gastos gerais. Vão desde ao fornecimento de materiais para as secretarias funcionarem até o pagamento de contratos de terceirização. Deste total, quase metade foram pagas sem o Executivo ter realizado uma licitação sequer: R$ 13,9 bilhões (45,78%) saíram dos cofres do Estado sem observar a Lei 8.666/93.
“Não se pode deixar de frisar que, embora José Roberto Arruda seja o símbolo desse esquema corrupto, o governo de Joaquim Domingos Roriz foi muito mais pródigo nos contratos com dispensa de licitação do que o seu sucessor”,opina Tadeu no relatório.
Eleitoreiro
Criada em dezembro de 2009, a CPI da Corrupção foi instalada efetivamente em janeiro. Porém, quase não conseguiu funcionar. Houve uma série de parlamentares entrando e saindo da composição, poucos depoimentos foram tomados presencialmente e, para piorar, os deputados não tiveram acesso às partes protegidas por segredo de Justiça do Inquérito 650DF. Na prática, os parlamentares tiveram tanto acesso às investigações iniciais quanto jornalistas, advogados e qualquer pessoa que requisitou os documentos ao STJ em novembro passado.
Criar a CPI foi uma forma encontrada pelos deputados que davam apoio ao governo de Arruda de, ao mesmo tempo, passar a imagem de que o Legislativo estava investigando as denúncias de corrupção sem, na verdade, investigar. O objeto inicial era apurar as revelações da Operação Caixa de Pandora. Porém, governistas conseguiram mudar o objeto da comissão. Aumentaram a abrangência para 19 anos, englobando, além do governo Arruda, os três mandatos de Roriz e a administração de Cristovam Buarque (1995 a 1998). O objetivo era criar dificuldades para a oposição mirar no então governador. E, de quebra, disparar contra o PT e contra Roriz, desafeto de Arruda.
“Essa CPI não tem validade porque demorou seis, sete meses para ter um relatório, que ainda foi feito por um deputado que é candidato do PT. É um relatório político-eleitoral que tem o objetivo de tanto convencer a população de que o ex-governador Roriz é responsável pelo governo Arruda”, afirma Paulo Fona, coordenador de Comunicação da campanha de Roriz.
Fona disse que os contratos do governo distrital com o ICS começaram no governo Cristovam. Na época, ele era filiado ao PT. O hoje candidato à reeleição ao Senado saiu do partido e se filiou ao PDT após ser demitido do Ministério da Educação pelo presidente Lula por telefone.
Na edição de ontem do jornal de campanha de Roriz, Folha Azul, a equipe de campanha parte para cima do PT. Cita a CPI como um dos exemplos para criar um ambiente negativo contra o ex-governador, líder nas pesquisas de opinião no DF. “Denuncismos, ações orquestradas, ofensas, provocações, injúrias, injustiças. A velha estratégia do PT e seus aliados volta a ser usada para tentar impedir a vitória de Roriz”, diz trecho da matéria publicada.
Deixe um comentário