Henrique Ziller *
O mensalão, quando ainda não havia caído em desgraça, era a ferramenta mais sofisticada e ousada da realpolitik. A vitória cabal do pragmatismo, o anúncio de uma nova configuração da relação dos poderes da República. A chamada governabilidade seria, assim, a volta triunfal do primado da política sobre o Direito. Não contavam seus operadores com a possibilidade de que alguns ministros insubordinados, no STF, a classe média, e a “velha (e reacionária) mídia” se oporiam a esse modus operandi já impregnado em diversos entes na nação (na União, nos estados e nos municípios), com força suficiente para superar a acomodação política cultural de nossa população.
Lula admitiu candidamente que o PT só fez o que os outros partidos também faziam: a política é assim mesmo. Talvez seja, e somos nós – que entendemos a corrupção como câncer – que estamos do lado errado, causando algum embaraço à evolução natural das atividades político partidárias eleitorais.
A punição do mensalão só poderia ser conquistada no campo do Direito. E a já saudosa dupla Britto/Barbosa entendeu de patrocinar esse espetáculo importando teses aqui nunca antes aplicadas, visto que nossa legislação é o paraíso legal dos corruptos e corruptores (há quem diga que isso muda um pouco agora, com a edição da Lei 12.846/2013 – vamos ver).
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A defesa dos mensaleiros se revoltou contra a teoria do domínio do fato, buscando desqualificá-la por sua suposta inadequação ao ordenamento jurídico brasileiro. A roda começava a virar… Agora, era o STF que agia de maneira política, ouvindo legitimamente os anseios da população brasileira. Os mensaleiros que antes faziam a política desprezando o Direito agora clamavam em sua defesa pelo direito para vencer a política.
É natural que se lance mão de todo e qualquer argumento para se evitar a pena de restrição de liberdade – qualquer um faria isso. Não se pode condenar essa atitude, ainda que carregue alguma incoerência.
A pior consequência do episódio, no entanto, foi o desmonte do STF, agora totalmente aparelhado e submisso ao poder Executivo federal, com o fim específico de aliviar as penas dos mensaleiros. Mesmo uma eventual vitória da oposição em outubro próximo não vai significar muita coisa: uma Casa com essa configuração vai se adequando aos novos ventos, vai se acomodando aos novos governantes, como ocorreu durante bom tempo na relação de Gilmar Mendes com Lula.
O STF que tivemos há pouco foi aquele que entendeu como se comportar em meio às tensões da política e do Direito, atento à nação como um todo. O STF de agora escolhe um ou outro caminho em função dos interesses que está representando, de um grupo bem restrito. Mudaram os referenciais. O STF da dupla BB era muito melhor.
* Henrique Ziller é graduado em Comunicação Social pelo UniCeub, pós-graduado em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing e mestre em Administração Pública pela UnB. É auditor federal de controle externo no TCU e diretor do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC).
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