A história do Brasil (também da América Latina e da África – veja Manoel Bomfim, A América Latina) constitui um dos relatos de enorme superação dos povos cruelmente colonizados. Ao mesmo tempo, coloridos por fatos deprimentes e desabonadores, tisnados de sangue e de roubalheira generalizada. Nesta magnífica terra de palmeiras, onde canta o sabiá, “tudo que é nego torto, do mangue ao cais do porto” (Chico Buarque), já foi inoculado com o vírus da corrupção. Na Colônia, no Império, na República, nas ditaduras e nas democracias.
O ex-senador Luiz Estevão, que acaba de ser preso (em 27 de setembro), começou a trabalhar cedo e rapidamente fez fortuna na agropecuária, construção civil, revenda de automóveis e pneus, estação de rádio, banco de investimentos. Tornou-se um grande empresário (Grupo OK) e, ao mesmo tempo, conforme reconheceu a Justiça, um “barão ladrão”. Foi fiador do “empréstimo” (mais que suspeito) de US$ 5 milhões para Collor (Operação Uruguai).
Foi deputado e depois senador (como político, concedeu-se nova licença para roubar). Envolveu-se com o juiz Nicolau dos Santos Neto no desvio das verbas públicas do TRT de São Paulo (prejuízo de mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos). Foi cassado pelo Senado. Prometeu devolver para a União R$ 468 milhões.
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Tem mais de 30 anos de prisão para cumprir, somando-se duas condenações, uma ainda sem trânsito em julgado. O escândalo é do princípio dos anos 1990. Veio à tona em 1998 e até hoje, depois de 20 anos, ainda não está resolvido pela Justiça brasileira (maldita morosidade!). A cultura ocidental inventou o capitalismo, a ciência e o Estado de Direito (Max Weber). No sistema capitalista selvagem (que não tem nada a ver com o capitalismo distributivo da Escandinávia, por exemplo, que eu admiro), tudo é instrumentalizado em função da roubalheira das elites poderosas imorais.
O Estado de Direito, na verdade o Estado e o Direito no capitalismo selvagem, não são nada sagrados. São impuros e corrompidos pelos donos do poder. Tudo isso necessita de profundas reformas. O capitalismo no Brasil, diferentemente do que ocorre na Escandinávia, transformou-se em mero instrumento de dominação, das classes hegemônicas. É usado para promover o progresso, mas concomitantemente para o mal, para garantir a impunidade dos detentores “da ordem” (altos funcionários, políticos e agentes econômicos/financeiros).
Nos países de capitalismo civilizado, o Estado de Direito é costumeiramente usado para o bem (veja Mattei/Nader, Pilhagem). Mas isso não é a regra. É exceção. A investigação de uma roubalheira e a punição de um ex-senador constituem no Brasil uma suada vitória da corrente contra-hegemônica. A morosidade da Justiça, no entanto, retrata o normal uso do Direito e das instituições jurídicas para favorecer o capitalista selvagem, o bandoleiro, o corruptor e o corrupto.
O mal uso do Estado de Direito projeta a impunidade. Quando esta não acontece (em raros casos), preserva-se ao menos a riqueza ilícita nas mãos dos bandalheiros. A forma corrente de se alcançar esse indecente resultado consiste em a Justiça jogar todas as energias na pena de prisão (que satisfaz o desejo da patuleia), deixando a riqueza intacta ou não devidamente sancionada (com, pelo menos, o dobro do proveito ilícito obtido). É dessa forma que o Titanic chamado Brasil vai se afundando. Necessitamos de reformas profundas. Frente ao criminoso do colarinho branco não podemos deixar barato: devolução de, no mínimo, o dobro do proveito obtido ilicitamente.
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