Muito se fala por aí a respeito da necessidade de realização de reformas estruturantes como solução para o Brasil. Elas seriam a base para um futuro sem crise, com geração de empregos, aumento de renda e melhoria generalizada de condição de vida da população.
É comum também ler e ouvir comentaristas culpando o fisiologismo político pelo atraso na execução dessas reformas e apontando os detentores de mandato e autoridades públicas, especialmente do Executivo e do Legislativo, pela demora em transformar o Brasil numa potência relevante para a economia mundial.
Em período eleitoral, então, essa equação fica ainda mais nítida. Afinal, aprovar neste momento medidas consideradas impopulares pode comprometer a conquista de votos para um novo mandato em outubro. Conclusão: em nome da popularidade, vale tudo, inclusive praticar a irresponsabilidade.
Não há dúvidas de que esse quadro é real e gera impactos negativos ao país e à sua população. Mas a questão é: por que ele existe? O que permitiu sua criação? Como ele consegue se perpetuar desde os primórdios da nossa história? Quais são as condições para que ele sobreviva, se alimente e se fortaleça até hoje?
Boa parte da resposta pode ser encontrada no nosso sistema político-eleitoral. A crise de representatividade que experimentamos no contexto atual vem de longe e está intrinsecamente ligada às regras que regem nossa democracia, cujo alicerce está no voto direto.
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Não há sistema mais justo do que a eleição pela escolha da maioria. Ao mesmo tempo, porém, não há sistema mais injusto como o que dita as regras do período imediatamente anterior ao voto: a campanha eleitoral.
Por que injusto? Porque favorece o apelo visual em detrimento do conteúdo, permite a interferência direta do poder econômico, que transforma o período eleitoral numa grande peça publicitária e inibe, abafa, esconde o objetivo principal de informar quem é, o que pensa e o que propõe o candidato.
E um processo que era para ser de convencimento do eleitor em torno de ideias, propostas e projetos visando melhorias para toda a comunidade se transforma numa disputa pela imagem mais bonita, pelos recursos cinematográficos mais impactantes, pela frase de maior efeito, pela encenação mais completa. E por absoluta falta de oportunidade de conhecer melhor todos os candidatos, o eleitor muitas vezes sucumbe a esse bombardeio e acaba contribuindo para eleger alguém que está muito longe de representá-lo.
Para começar a mudar, podemos pensar em vários caminhos. A lei do processo eleitoral deveria priorizar o debate de conteúdo, soluções para problemas diários, locais ou nacionais, simples ou complexos, e proibir a parafernália marqueteira que domina as campanhas.
Por exemplo, todo candidato deveria ser obrigado pela legislação a apresentar, no ato de formalização da candidatura a qualquer cargo, uma plataforma de atuação, algo como uma carta de compromissos, disponível para consulta pública. Já seria um começo para a discussão de ideias, para a busca de consensos em torno de problemas reais, em torno de soluções inovadoras para estimular a economia e gerar empregos, em torno de troca de experiências exitosas em outras partes do país e do mundo para eliminar a pobreza e compartilhar riquezas.
A lei também poderia restringir drasticamente a produção e distribuição de materiais de campanha, seja por meios físicos ou virtuais, padronizando formatos e limitando o uso de imagens. Seria um passo importante para impedir a pasteurização dos candidatos, priorizando a venda de ideias e inibindo a transformação do candidato
num produto de supermercado.
Outra mudança importante na lei seria a obrigação de realização, pelos partidos, de encontros abertos com a população para o debate de ideias, sem maquiagem, com participação direta do eleitorado, bem como de debates entre candidatos adversários. Os formatos podem variar de acordo com os cargos, em razão das diferenças naturais de campanhas para o Legislativo e para o Executivo, mas uma mudança desse naipe abriria espaço para um outro tipo de contato com o eleitor e outro tipo de relação entre o eleitor e seu próprio voto, que voltaria a ser valorizado.
As possibilidades são muitas, especialmente no mundo virtual e de permanente revolução tecnológica em que vivemos, mas o mais importante seria a mudança de conceito das campanhas para aproximar o eleitor das candidaturas pelo conteúdo, não mais pela forma.
E, assim, garantir ao eleitor um mínimo de embasamento para uma escolha consciente, elegendo candidatos que realmente o representem. Como consequência, esse eleitor estaria contribuindo para minimizar o risco de criar monstros que transformam a política em balcão de negócios, para afastar da política aqueles que se utilizam desse espaço público para benefício próprio, e para permitir a ocupação desses cargos por pessoas bem-intencionadas, com boa vontade, com boas referências e com programas claros de atuação, que estariam legitimadas para tomar decisões em nome de quem nela confiou seu voto.
Mesmo as mais polêmicas, potencialmente impopulares, mas muitas vezes necessárias, desde que em nome do bem comum. Ou, por outro lado, podemos criar novas soluções, não necessariamente com impactos negativos. Por que não?
Se o laço entre eleitor e seu representante estiver consolidado, sempre haverá transparência e permanente compartilhamento de sugestões, soluções, ações e decisões. A partir daí, seremos capazes de mudar verdadeiramente o país.
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