Mário Coelho
Pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar um caso envolvendo a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) com seu quorum completo. Nesta quarta-feira (23), os 11 ministros julgarão o caso do ex-deputado estadual mineiro Leonídio Bouças (PMDB), condenado por improbidade administrativa em 2002. Ele concorreu com o registro de candidatura barrado e acabou não tendo votos suficientes para se eleger.
Porém, seu caso servirá não apenas para pacificar a questão sobre se as novas regras de inelegibilidade valem para as eleições passadas ou apenas a partir do pleito municipal de 2012. Dentro do recurso extraordinário apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e remetido ao STF, está o argumento de que o julgamento ofendeu o parágrafo 57 do artigo 5º da Constituição Federal.
O artigo está dentro do capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos. Ele prevê que todos os brasileiros são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. A defesa do peemedebista argumenta, no recurso extraordinário enviado ao Supremo, que Bouças não poderia ser barrado, já que seu caso não transitou em julgado ? ou seja, não chegou até a última instância possível de julgamento e obteve o veredito final. Os advogados dele usam como base o parágrafo 57 ? ?ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória?.
Ou seja, para os advogados do candidato, a alínea L, na que Bouças foi enquadrado, é inconstitucional por, na visão deles, ofender o princípio previsto na Carta Magna. Caso uma corrente majoritária no STF concorde com os argumentos da defesa, a Lei da Ficha Limpa será ferida de morte, ficará totalmente desfigurada. A principal inovação trazida pela nova regra foi justamente a possibilidade de políticos com condenações por órgãos colegiados terem o registro negado.
Questão ultrapassada
Até então, somente aqueles com condenações definitivas, sem possibilidade de recursos (ou seja, que já ?transitaram em julgado?), é que ficavam inelegíveis. ?Não acredito que isso vá acontecer?, diz o coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis. Ele enfatiza que, no caso da improbidade administrativa, a questão do trânsito em julgado é tratada na lei, e não na Constituição Federal, que é o instrumento fundamental no qual o STF ampara as suas decisões. ?O Supremo é o guardião da Constituição?, ressaltou Márlon.
O coordenador do MCCE, que também é juiz eleitoral, lembrou que, no julgamento do recurso extraordinário apresentado por Joaquim Roriz (PSC), então candidato ao governo do Distrito Federal, as questões da anterioridade e do ato jurídico perfeito já foram vencidos. Na ocasião, terminou empatado em cinco votos apenas a discussão sobre o princípio da anualidade (artigo 16 da Constituição Federal).
Porém, o presidente do STF, Cezar Peluso, afirmou no começo do ano que as outras alíneas da Lei da Ficha Limpa também são ?objeto de polêmica?, e vão gerar discussão na mais alta corte do país. Ele ressaltou que a lei é ?bem intencionada?, mas que é preciso ver se está de acordo com a Constituição Federal. ?As outras alíneas, inclusive essa sobre a renúncia, dependendo do próximo ministro que seja nomeado, podem ser revistas?, disse Peluso, em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico.
Nem tudo está decidido sobre a Lei da Ficha Limpa
O TSE, após dizer que a ficha limpa vale para 2010 em duas consultas analisadas no ano passado, teve que analisar caso a caso. E, então, limitou a extensão da lei em alguns casos. Assim, hipóteses como rejeição de contas de prefeitos, cassação de mandato por abuso de poder político e econômico, foram limitadas pela corte eleitoral. A expectativa é que o Supremo faça a mesma coisa.
?O que vai se discutir agora é artigo a artigo, se podem ser aplicados ou não?, afirmou o advogado Jackson Domenico, especialista em direito eleitoral. Ele usa uma metáfora culinária para comentar a necessidade de, na sua visão, limitar ou esclarecer os efeitos da Lei da Ficha Limpa, assim como fez o TSE. ?É como cozinhar um bacalhau. Você deixa na água antes para tirar o sal. Com a ficha limpa será a mesma coisa?, completou.
Desempate
A matéria foi chamada à pauta do Supremo na semana passada pelo relator Gilmar Mendes . Nos dois julgamentos anteriores, de Joaquim Roriz e do ex-deputado Jader Barbalho (PMDB), candidato ao Senado pelo Pará, ele se posicionou contra a aplicação imediata da lei e também ao fato de atingir condenações e renúncias acontecidas antes da publicação da norma, em 4 de junho do ano passado.
Na ocasião dos dois julgamentos anteriores, duas decisões não podem ser mudadas. A primeira é da renúncia como condição de inelegibilidade. A outra é se a lei pode atingir fatos ocorridos antes da sua publicação. Houve empate na questão do artigo 16 da Constituição Federal, que prevê o princípio da anualidade. Por um critério de desempate, o STF decidiu que as novas regras valeram para a eleição passada.
O ministro Luiz Fux, empossado recentemente na corte, vai dar o voto definitivo na questão da anualidade. Seu voto é um mistério. Quando questionado sobre o fato de seu voto desempatar a questão da anualidade na ficha limpa, Fux limita-se a dizer que se preparou para isso a vida inteira. ?Sou juiz de carreira. Não tenho nem o direito de dizer que vou estranhar o que vou fazer”, afirmou, logo após ser sabatinado na Comissão de Constitução de Justiça (CCJ) do Senado, em 9 de fevereiro.
Com posse de Fux, STF deve analisar Ficha Limpa
Improbidade
Leonídio Bouças e seu irmão, Renato César Corrêa Bouças, foram condenados em 2002, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) por improbidade administrativa. Contra os dois, pesava a acusação de terem usado máquina estatal para promover a campanha eleitoral de Leonídio a deputado estadual de Minas Gerais, no mesmo ano. Para o TJMG, houve enriquecimento ilícito e proveito patrimonial, com prejuízo ao erário.
Como punição, Leonídio foi condenado à perda da função pública de deputado estadual e teve os direitos políticos suspensos por cinco anos. A alínea L, na qual o peemedebista foi enquadrado, prevê a inelegibilidade de oito anos para os que ?forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito?.
Após ser barrado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Leonídio recorreu ao TSE. A corte superior não chegou a analisar seu caso em plenário. Houve, no entanto, decisão monocrática do ministro Aldir Passarinho Junior. Ele negou o recurso do peemedebista. Passarinho ressaltou, na decisão, que inelegibilidade não constitui pena, mas sim requisito ?a ser aferido pela Justiça Eleitoral no momento do pedido de registro de candidatura?
?O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a Lei Complementar nº 135/2010 atende ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, porquanto resultou da ponderação de tal princípio com o da moralidade e probidade para o exercício do mandato eletivo, considerada a vida pregressa do candidato?, disse o ministro, que também exerce o cargo de corregedor-geral eleitoral.
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