Visto a princípio com ceticismo, o projeto ficha limpa saiu da Câmara dos Deputados na semana passada como um sinal de alento para aqueles que consideram possível deter o banditismo que grassa, não é de hoje, na política brasileira. Para se transformar em lei, e – mais ainda – ter validade já nas eleições deste ano, será preciso percorrer um duro caminho.
A primeira batalha está marcada para esta quarta-feira, 19, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve iniciar a discussão da matéria. Um dos senadores comprometidos com a defesa do projeto, o presidente da CCJ, Demóstenes Torres (DEM-GO) adotou uma atitude preventiva. Avocou para si a relatoria, com o objetivo de votar o projeto na mesma quarta-feira, sem nenhuma emenda em relação ao texto aprovado pelos deputados federais.
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Manter a redação dada pelos deputados é uma exigência básica para tornar real o sonho de colocar em vigor imediatamente regras mais restritivas para o registro de candidaturas. Qualquer mudança tornaria obrigatória uma nova votação do projeto na Câmara dos Deputados. Ou seja, fecharia o caminho para que ele fosse sancionado pelo presidente da República e publicado antes de 10 de junho, prazo em que os partidos começarão a realizar as convenções nas quais definirão seus candidatos.
Com o projeto, fica proibido que um político condenado por órgão colegiado da Justiça se candidate (hoje isso só ocorre após esgotadas todas as possibilidades de recurso, isto é, quando “a sentença transita em julgado”), ampliam-se os crimes passíveis de tornar políticos inelegíveis, impede-se a candidatura de quem renunciou a mandato eletivo para preservar direitos políticos, e são estabelecidos critérios que dotarão a Justiça eleitoral de novos instrumentos para combater a corrupção e os abusos por parte de candidatos ou de ocupantes de cargos eletivos.
Se na Câmara os inimigos do ficha limpa, encabeçados pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), privilegiaram as manobras de bastidores para tentar detonar a proposta, no Senado, o primeiro adversário de peso do projeto se apresenta às claras. Quem? Nada menos que o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), que disse com todas as letras que não vê o assunto como prioridade.
Base do governo dividida
Nesse tema, porém, Jucá – um dos senadores com pendências judiciais em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) – não fala por toda a base governista, que está dividida em relação ao assunto. Mal o projeto chegou no Senado, na última quarta-feira, Eduardo Suplicy (PT-SP) começou a recolher assinaturas para pedir a votação do ficha limpa em regime de urgência. Vários parlamentares de partidos da base governista e da oposição têm aderido à ideia.
No PMDB de Jucá, o senador Pedro Simon (RS) destaca-se entre os mais veementes defensores da aprovação imediata e sem emendas do projeto e o mais influente parlamentar do partido, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), esboçou um gesto favorável à iniciativa. Ao receber representantes da sociedade e deputados empenhados na aprovação do ficha limpa, Sarney prometeu procurar os líderes partidários para colocar o assunto em regime de urgência.
Se o pedido de urgência for aprovado, a matéria poderá seguir direto para votação em plenário, sem a necessidade de ser apreciada pelas comissões. Mas mesmo sob esse regime, a situação do projeto ficha limpa esbarra em dois obstáculos. O primeiro são as quatro medidas provisórias que trancam a pauta do plenário, sendo uma delas a MP que garante reajuste aos aposentados. O segundo, os quatro projetos do pré-sal, que já estão em regime de urgência.
De acordo com a Secretaria-Geral da Mesa no Senado, não há como votar o ficha limpa antes das medidas provisórias e uma possível apreciação antes das propostas do pré-sal só será possível se o presidente da República retirasse a urgência desses projetos. Nem as MPs nem as matérias do pré-sal têm acordo para serem votadas. E, segundo a liderança do governo no Senado, até o momento, não há nenhuma sinalização no sentido de retirar a urgência.
“São grandes obstáculos, mas quando se tem vontade política, se promovem os entendimentos necessários e se apressam os processos de tramitação no Congresso. Dos líderes, o único que mostrou resistência foi o Jucá”, diz o líder do Psol, senador José Nery (PA). “O Senado tem que entender a expectativa que a sociedade tem nesse projeto. Vindo o Senado de duas crises, é a chance que temos de dar uma resposta à sociedade”.
Mobilização social
Enquanto isso, as entidades responsáveis pela apresentação da proposta – que chegou ao Senado após o recolhimento de mais de 1,3 milhão de assinaturas – se preparam para reforçar as estratégias de mobilização. A intenção é intensificar o corpo-a-corpo com os senadores e lotar as caixas de mensagens e de recado nos gabinetes para pedir agilidade na votação do projeto.
Assim como foi feito com os deputados na Câmara, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), em parceria com a ONG Avaaz, pretende mostrar aos senadores que o projeto ficha limpa é prioridade para a sociedade. Segundo o coordenador do MCCE, juiz Márlon Reis, será feita uma nova chamada de mobilização nos próximos dias.
“A Câmara fez a parte dela. Se o Senado não permitir que passe o projeto, o ônus vai recair sobre os senadores. E será o pior de todos os ônus: nós levaremos esse resultado para as campanhas eleitorais”, afirma Márlon. Nas próximas eleições, dois terços das cadeiras do Senado serão renovados.
A coordenadora de campanhas da Avaaz, Graziela Tanaka, responsável pela mobilização via internet, avisa que, se o Senado demonstrar que não tem pressa para aprovar a proposta, será logo deflagrada uma chuva de e-mails e telefonemas para os senadores.
“Sem dúvida, os deputados foram sensíveis à pressão popular. A gente acredita que os senadores não têm tantos motivos pessoais para serem contra o ficha limpa. Nossa expectativa era que seria mais difícil passar na Câmara e que no Senado passaria mais fácil”, observa Graziela.
Jovita José Rosa, diretora do MCCE, acrescenta: “O Brasil inteiro participou. A sociedade está ansiosa por essa lei. Queremos que o projeto seja incluído logo na pauta do plenário e que fique o menos possível no Senado. Queremos agilizar a votação para o ficha limpa valer para as próximas eleições.”
Data de validade
Esse é outro obstáculo a ser enfrentado, se o projeto de fato se transformar em lei, como acreditam os integrantes das 44 entidades representativas da sociedade civil que compõem o MCCE, movimento impulsionado principalmente pela igreja católica.
A verdade é que muitos deputados federais, mesmo não simpatizando muito com a ideia, terminaram concordando em aprovar o projeto ficha limpa na presunção de que as normas votadas só entrariam em vigor a partir das eleições de 2012. Esse é, com efeito, o entendimento de alguns juristas, para os quais qualquer alteração na legislação eleitoral precisa de um prazo mínimo de um ano para passar a valer.
Mas não é o que pensa o coordenador do MCCE, Márlon Reis, um experiente juiz eleitoral que também preside a Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe). Conforme o seu entendimento, o princípio da anterioridade (previsto pela Constituição) não cabe para normas de inegebilidade. Tanto assim, argumenta ele, que a própria Lei de Inelegibilidade atual, publicada em maio de 1990, valeu para as eleições daquele mesmo ano.
Seja como for, é certo que a definição final sobre o tema caberá à Justiça. Por isso, muitos partidos estão se antecipando e já anunciaram que não permitirão o lançamento de candidatura de quem não se enquadrar nas regras do projeto ficha limpa. Até agora, três agremiações assumiram compromisso público nesse sentido: DEM, PSDB e PT.
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