Em 2010, a cidadania brasileira saudou a aprovação de um dos maiores avanços jurídicos de combate à corrupção e aos maus costumes no meio político. Por si só, o trâmite do então projeto de lei de iniciativa popular da Lei da Ficha Limpa é digno de nota. Ao todo, 1,6 milhão de assinaturas de cidadãos eleitores em formulários de papel, e outros tantos em petição eletrônica na internet. Uma rara demonstração de força e firmeza de propósito da sociedade.
Pela Lei Complementar n° 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, criou novas condições de inelegibilidade para candidatos em eleições majoritárias e proporcionais. A lei torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado (com mais de um juiz), mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.
Mas, como nem tudo são flores, desde a promulgação da nova lei, diversas decisões da Justiça, tanto no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral quanto no Supremo Tribunal Federal, vêm resultando em sentenças favoráveis a políticos cujo registro havia sido cassado pelos TREs dos estados.
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A mais recente decisão contra a Ficha Limpa – e consequentemente contra a vontade de mais de dois milhões de cidadãos que querem candidatos com reputação ilibada e mais interessados no bem público do que nos “bens públicos” – veio do STF, no apagar das luzes do ano passado.
Um político da região serrana do estado do Rio de Janeiro candidatou-se a prefeito de Teresópolis protegido por um recurso ao tribunal eleitoral, visto que o mesmo já havia sido considerado inelegível pelo TSE até 2016. O motivo? Abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação. Ele venceu as eleições, teve sua candidatura invalidada em definitivo pelo TSE e o caso foi parar no Supremo.
Pois no dia 21 de dezembro de 2015, aproveitando-se do recesso do Judiciário, o político ingressou com um pedido de liminar. Para surpresa de muitos, o ministro Ricardo Lewandowski – numa decisão monocrática – determinou que “os votos obtidos pelo candidato sejam considerados válidos, em respeito à manifestação da soberania popular no pleito de 2012“. E o político tomou posse do cargo de prefeito, deixando a cidade na incômoda situação de ter 3 prefeitos em apenas quatro meses.
Engana-se quem pensa que este é um caso isolado. Esta decisão acabou servindo de incentivo a outros políticos “pegos” na Ficha Limpa a apresentarem recursos no Supremo. E esta é uma perigosa flexibilização do disposto na Lei da Ficha Limpa.
Por exemplo, o candidato que venceu as eleições para prefeito de Criciúma (SC) e foi impedido pela justiça eleitoral entrou nessa onda e também apresentou recurso no meio do recesso do Judiciário. E o coerente ministro Ricardo Lewandowski também deu ganho de causa. Resultado: mais um político inelegível toma posse, escarnecendo da sociedade e das leis. E isso com a ajuda, involuntária ou não, de um magistrado que acaba por confundir garantias constitucionais de alguns cidadãos “incomuns” com tolerância garantista para a perpetuação dos crimes contra os direitos fundamentais de todos os cidadãos.
Infelizmente, ele só se esqueceu da soberania dos milhões de cidadãos brasileiros que assinaram a Lei da Ficha Limpa e que ainda acreditam que essa seja uma ferramenta eficaz de combate aos desvios de recursos públicos e à corrupção política.
No caso de Teresópolis, como a decisão foi liminar, o pleno do STF ainda vai julgar em definitivo. Se a cidade se mobilizar e manifestar, temos alguma chance de reverter a situação. Quanto a Criciúma, o político só está aguardando a definição dos trâmites para tomar posse.
Não tem mágica. É preciso que a sociedade entenda de uma vez a sua responsabilidade política de exercer um efetivo controle social sobre mandatos e, principalmente, a devida execução dos orçamentos públicos. E, para isto, é fundamental a participação e o suporte às organizações da sociedade civil dedicadas ao controle social.
Em seu recente depoimento aqui para o programa Agentes de Cidadania da Voz do Cidadão, a ativista social Lizete Verillo, vai direto no ponto. Ela observa: “O que o Brasil precisa neste momento é a conscientização da sociedade sobre a importância do trabalho de organizações como a ong Nossa Teresópolis, a Rede Amarribo Brasil-IFC e tantas outras espalhadas pelo país. Valorizadas e fortalecidas, estas organizações podem lutar para que casos como esse de Teresópolis sejam cada vez mais a exceção. Lembrem-se: vítimas de trombas d´água, estouros de barragens e outras mazelas são na verdade vítimas de gestores públicos inescrupulosos“.
Portanto, nas próximas eleições, cobre dos partidos políticos a escolha de nomes íntegros e de reputação ilibada para concorrer. E cobre desses nomes o compromisso com a res publica. Somente assim podemos evitar tristes casos como o de Teresópolis e Criciúma, e assim fortalecer a Lei da Ficha Limpa, a cidadania e a própria democracia em nosso país.
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