A greve de fome que fazem o deputado Domingos Dutra e o militante Manoel da Conceição, ambos do PT do Maranhão, são apenas a face mais dramática de uma situação que, na verdade, permeia todas as três principais candidaturas à Presidência da República. Em todas elas, há arranjos eleitoreiros que podem mesmo constranger alguns correligionários mais empedernidos e ainda crentes dos princípios originais professados por seus candidatos e partidos.
Qualquer democracia – não apenas a nossa – tem o “defeito”, digamos assim, de pender seus governos para o centro. A escolha do líder vira uma média do pensamento nacional. E essa média elimina, na maioria das vezes, os extremos, à esquerda e à direita. No nosso caso, essa tendência se agrava ainda mais por duas razões: a primeira é a falta de partidos ideologicamente consistentes e coerentes, a segunda é o conservadorismo político da maioria da nossa sociedade. O primeiro aspecto faz com que nossos partidos-geléia se amoldem facilmente às circunstâncias colocadas pelo jogo eleitoral do momento. O segundo afasta maiores chances de quem faz discursos mais radicais (como o próprio presidente Lula e o PT puderam verificar antes de 2002, nas vezes em que perderam as eleições).
Nesse jogo de conveniências, apanham a história e o passado dos candidatos e de seus partidos. Na convenção do PMDB, no sábado (12), por exemplo, Dilma foi inicialmente saudada pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). E, no seu discurso, discorreu sobre a história peemedebista, especialmente quanto ao papel que o partido exerceu na redemocratização do Brasil. Erradamente, ela atribuiu a frase “navegar é preciso, viver não é preciso” a Ulysses Guimarães. É verdade, ela é o mote do famoso discurso de Ulysses como anti-candidato à Presidência em 1973. Mas Ulysses a tirou de um poema de Fernando Pessoa. Que, no poema, já a atribuía a “navegadores antigos”. Finalmente, atribui-se a origem da frase ao general romano Pompeu.
Da frase que não era de Ulysses, Dilma falou da campanha das diretas, da articulação para eleger Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e da Constituinte. Faltou dizer que PT e PMDB só estiveram juntos nas diretas. O PT chegou a expulsar seus deputados que votaram em Tancredo no Colégio Eleitoral. E recusou-se a assinar a Constituição comandada por Ulysses. Mais constrangedor: no segundo turno da eleição em 1989, o partido (registre-se que contra a vontade de Lula) proibiu Ulysses de subir em seu palanque (para o PT, Ulysses era “à direita demais” para ser parceiro na campanha). Se Ulysses não podia, imagine Sarney, que agora provoca a greve de fome de Domingos Dutra …
Não é apenas o PT de Dilma que se transforma. Quando foi criado, o PSDB pretendia recuperar os valores que o PMDB, no poder durante o governo Sarney, havia perdido. Seria um partido de centro-esquerda, social-democrata, que não faria acertos com qualquer um nem aceitaria qualquer um nas suas fileiras. Essas premissas já quase ruíram no governo Fernando Collor. O PSDB só não aderiu a Collor e afundou com ele graças à mão firme de Mário Covas, que reverteu a tendência com um duro discurso.
Depois, quando chegou ao poder, virou o que Sérgio Motta batizou de “partido-ônibus”: sempre cabia mais um na legenda. E, ainda conforme Sérgio Motta, começou a ter conversas que só deveriam acontecer com os interlocutores “pelados, numa sauna”. Hoje, sem conseguir arranjar um candidato a vice, o PSDB vê-se atrelado ao conservador DEM.
Certamente, esse não era o sonho de poder do líder estudantil José Serra.
Já Marina Silva, além do seu discurso ambientalmente correto, passou na convenção da semana passada pela saia-justa de ouvir críticas pesadas a José Sarney. Ao lado dela, estava o filho do presidente do Senado, Sarney Filho. O deputado verde com vários anos de PFL e de bigodes vastos como os de Sarney na história.
Enfim, quem quiser pureza e coerência, vai ter dificuldades de encontrá-las nas urnas eletrônicas de outubro.
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