Antonio Vital*
O Brasil tem 123 milhões de celulares, 17 vezes mais que o número de linhas existentes dez anos atrás, quando a Telebrás foi privatizada. Nesse período, ocorreu muito mais do que o crescimento do setor. A internet, as novas tecnologias, os novos serviços e a tendência mundial de fusão de empresas e atuação em áreas distintas como telefonia fixa, celular e transmissão de dados desatualizaram a legislação. O mercado bilionário das teles já faz muita gente questionar as velhas regras, como a proibição de produção audiovisual pelas empresas telefônicas ou até mesmo os limites geográficos das operadoras. Só que quem pode sair perdendo nessa história é o consumidor.
Esse foi o tom do debate promovido pela TV Câmara, na noite de terça-feira (11), no programa Expressão Nacional. Participaram Antônio Domingos Teixeira Bedran, conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara; o professor Walter Moura, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor; e o deputado Wellington Fagundes (PR-MT), que foi relator do projeto que dá às empresas de telefonia o direito de produzir e distribuir conteúdo audiovisual.
O debate foi motivado pela notícia de que a Oi pretende comprar a BrasilTelecom, um negócio patrocinado pelo governo sob a alegação de que é importante, do ponto de vista estratégico, a formação de uma mega tele de capital nacional para competir com a espanhola Telefonica (que tem participação na Vivo e na TIM) e com a mexicana Telmex (que controla a Claro e a Embratel). A empresa a ser formada, já apelidada de BrOi, teria 22,6 milhões de linhas fixas, 62% do total do país, além de 17 milhões de celulares em operação.
Informações não confirmadas oficialmente dão conta de que o BNDES estuda emprestar US$ 1 bilhão para os grupos La Fonte e a Andrade Gutierrez, controladores da Oi. Mas a operação financeira é a segunda etapa do processo. A primeira é uma mudança na Lei Geral de Outorgas, que hoje impede a fusão de operadoras concorrentes. Sem a alteração, a Oi (antiga Telemar) teria que abrir mão de sua concessão de telefonia fixa (que abrange Minas, Rio e as regiões Norte e Nordeste). Isso para comprar a BrasilTelecom (que atua no Sul e no Centro-Oeste).
Será a maior reforma legal no setor de telefonia desde a privatização da Telebras, em 1998. E embute um risco político para o governo. A oposição lembra que Sérgio Andrade, da Andrade Gutierrez, foi o principal doador da campanha de Lula à reeleição e que a Oi investiu R$ 5,2 milhões na Gamecorp, empresa de Fábio Lula da Silva, filho do presidente. Welington Fagundes admitiu o interesse do governo no negócio, mas minimizou os riscos. “O governo quer essa fusão e quem não deve não teme”, disse.
Arnaldo Jardim, que é contrário à operação, aponta riscos de que a fusão das empresas diminua a concorrência e acabe prejudicando o consumidor. Ele questiona também o caráter estratégico da operação de criação de uma empresa de grande parte de capital nacional em um mundo globalizado.
Mas existe uma necessidade prática para essas mudanças, como admitiu o conselheiro da Anatel Antônio Domingos Teixeira Bedran – que participou ativamente do processo de privatização do setor, dez anos atrás. As regras estabelecidas pelo falecido ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta, parecem não se adequar mais ao perfil das empresas. A telefonia fixa, móvel e a longa distância estão cada vez mais integradas. E as telefônicas não vendem só telefones. Oferecem serviços de transmissão de dados, som e imagem, por cabo, microonda ou satélite, em um só pacote.
Aproveitando os ventos de mudança soprados pela BrOi, as empresas de telefonia fixa pediram à Anatel alterações em outros pontos que vêm represando os negócios. A Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo (Abrafix) quer mudar também os serviços de telefonia celular e TV por assinatura, o que pode, em tese, permitir a fusão da Vivo com a TIM e a formação de uma mega empresa de telefonia móvel. As duas são controladas pela Telefonica, mas a lei hoje obriga uma atuação independente das duas.
Querem também acabar com as restrições à entrada das empresas de telefonia no setor de TV por assinatura. Hoje, a lei impede que um grupo estrangeiro tenha mais de 49% de empresas de TV a cabo. Por isso, a Telmex não pode ampliar sua participação na NET. Mas essa medida depende de mudança na Lei do Cabo. Esta alteração poderia beneficiar o grupo mexicano Telmex, que também é dono da Embratel e da Claro.
Confuso? Isso é só uma parte do que vem por aí.
Além de permitir a produção de programas audiovisuais pelas telefônicas, o projeto relatado por Wellington Fagundes determina que nenhuma emissora de TV poderá controlar empresas de telecomunicações, como acontece hoje com a Globo, controladora da Net. O projeto foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico e hoje está na Comissão de Ciência e Tecnologia, onde o relator é o deputado Jorge Bittar (PT-RJ).
As possibilidades de negócio são tão variadas que recentemente a revista Época elencou uma série de intenções mais ou menos confirmadas das empresas do setor. Por esta lista, a Claro pretenderia adquirir o controle da NET/Virtua; a TIM gostaria de alugar a rede de telefonia fixa das concorrentes para oferecer o serviço de transmissão de dados e a Vivo teria a intenção de comprar a fatia da Telefonica ou vender sua participação por 3,5 bilhões de euros.
Um cenário em que o setor de telefonia fixa, celular, de transmissão de dados e de produção e transmissão de conteúdos televisivos é dominado por duas ou três mega-empresas com atuação em vários setores e em todo o território nacional assusta os defensores do direito do consumidor. “Cada vez mais, o consumidor vai ficar com menos poder diante disso”, disse Walter Moura.
O programa sobre o futuro da telefonia será reprisado sexta (14), às 4h e às 11h30; sábado (15), às 12h; domingo (16), às 9h30; e segunda (17), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (18), às 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo o tratamento dispensado aos brasileiros no exterior. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
*Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional.
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