Sete anos após o ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2135/2000, pelos partidos de oposição à época (PT, PSB e PCdoB), o Supremo Tribunal Federal finalmente, no último dia 2, suspendeu em caráter liminar, por oito votos a três, o caput do artigo 39 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998. A conseqüência da decisão foi o restabelecimento do texto original da Constituição de 1988, que mantém o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Antes da ADI, os partidos ingressaram, em 1998, com um mandado de segurança, que não foi julgado pelo STF.
O julgamento no Supremo não tratou do mérito, mas do processo de votação, disciplinado pelo art. 60, § 2º da Constituição, segundo o qual a Carta Política só pode ser alterada por 3/5 dos deputados e senadores, em duas votações separadas, em cada Casa do Congresso. O texto proposto no substitutivo do relator da Proposta de Emenda à Constituição, deputado Moreira Franco (PMDB-RJ), para o caput do art. 39 da Constituição foi objeto de destaque para votação em separado e não alcançou, no primeiro turno, os 308 votos para sua aprovação, o que levaria, automaticamente, à permanência do texto original da Constituição.
O relator, querendo ser mais realista que o rei, reconheceu a derrota do texto por ele proposto, mas não restabeleceu o texto original, transformando o § 2º do art. 39 no caput do mesmo artigo, numa fraude evidente do processo de votação. Incluiu como caput do art. 39 um texto que tinha sido aprovado como § 2º. Com essa manobra, estava excluindo da Constituição, sem que tivesse sido aprovada sua supressão, o caput original do art. 39 da Carta de 1988, exatamente o que tratava do regime jurídico único e dos planos de carreira.
No julgamento da ADI votaram pelo reconhecimento da fraude e, portanto, a favor do retorno do RJU os ministros Neri da Silveira, relator (já aposentado), Ellen Gracie (atual presidente) e os ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau, Carlos Ayres de Britto, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso (que havia pedido vistas da matéria). Votaram pela validação do texto que eliminava o RJU, os ministros Nelson Jobim (aposentado), Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. O processo ficou parado no período de 2002 a 2006 em decorrência de pedido de vista do então ministro Nelson Jobim, que contribuiu para retardar a derrota do governo.
A decisão se deu em caráter liminar e com efeito ex-nunc. Isso significa que ainda haverá o julgamento definitivo e que, a partir da publicação da decisão liminar, não poderá haver contratação pelo regime de emprego no governo federal, apenas e exclusivamente pelo regime jurídico único ou de cargo efetivo. A lei que permitia a contratação por emprego público, que tinha sido utilizada durante o Governo FHC para contratação de um pequeno número de servidores do Hospital das Forças Armadas, agora fica sem qualquer validade.
Outra conseqüência importante da decisão é que o governo, caso consiga aprovar o Projeto de Lei Complementar nº 92/2007 e decida pela criação de fundações de direito privado, com autorização legislativa em cada caso, não poderá adotar, para essas fundações, a contratação de pessoal pela CLT. Para tanto terá que alterar a Constituição, já que, segundo o caput do art. 39, ora restabelecido, só se admite a contratação de servidor para prestação de serviço público (na administração direta, autarquias e fundações públicas, o que abrange tanto as fundações públicas de direito público quanto de direito privado) mediante concurso público e em cargo efetivo, por força do regime jurídico único.
Também há dúvida quanto à natureza jurídica do fundo de pensão dos servidores, mesmo existindo entidades similares no setor privado, embora haja juristas que defendem que as entidades fechadas de previdência privada, estruturadas sob a forma de fundação, por serem regidas pelo art. 202 da Constituição e sua regulamentação, são de tipo diferenciado.
Um dado importante desse processo é que o autor da ADI foi o advogado Luiz Alberto dos Santos, atual Subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil, que, injustamente, é acusado algumas vezes de ser contra os servidores públicos. É o mesmo advogado que, ainda em 2001, também em nome do PT, defendeu no STF a ADI por Omissão, também vitoriosa, determinando o cumprimento da revisão geral anual. Uma das maiores autoridades em administração pública no Brasil, ele é um dos integrantes do atual governo que mais se batem em favor da paridade, da valorização e da profissionalização dos servidores públicos e da ampliação dos mecanismos de controle social na administração pública.
Como homem de governo e profissional disciplinada, servidor público de carreira que conhece os limites de sua atuação, defende com firmeza suas convicções, mas obedece e defende as decisões de Governo, ainda que tenha discordado e sido vencido em debates internos prévios à sua adoção. Ciente das possibilidades de êxito da ADI, teve papel importante para evitar que, no governo federal, fosse aplicada a lei do emprego público, tornando ainda mais complexa a solução do “imbróglio” jurídico criado pela fraude na promulgação da Emenda Constitucional 19 e na “quebra” irregular do regime jurídico único.
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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