José Rodrigues Filho *
A submissão de países em desenvolvimento como o Brasil à agenda de organizações internacionais como Banco Mundial, Nações Unidas e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), por exemplo, tem trazido conseqüências desastrosas, reforçando, em muitos casos, severas desigualdades, além de esconder a realidade dos fatos. Apesar das severas críticas à agenda destas organizações, pouca coisa mudou, visto que elas têm como princípio básico a orientação de um mercado internacional globalizado, através de um sistema integrado, que reforça cada vez mais a utilização de tecnologias de informação. Contudo, a integração desses sistemas tem trazido benefícios para os fornecedores ocidentais, de forma desproporcional, considerando que dois terços do comercio é controlado por corporações transnacionais.
Com esta agenda em evidência, os países em desenvolvimento têm que investir cada vez mais em tecnologias de informação para manter os mercados dos países ricos cada vez mais aquecidos, reforçando assim o chamado determinismo tecnológico, que considera a tecnologia de informação como panaceia e solução dos problemas dos países pobres. Ademais, a agenda destas organizações é apoiada pelos executivos das corporações internacionais, intelectuais, parte do mundo acadêmico e uma comunidade de ‘criadores de mitos’ e de ‘idiotas tecnológicos’, que acha que a tecnologia de informação é realmente a solução de tudo.
Portanto, a prioridade de investimentos em tecnologia de informação em países em desenvolvimento fortalece o poder monopolístico no mundo desenvolvido, criando uma espécie de dependência eletrônica nos países pobres, além de esconder algumas distinções e desigualdades, que vêm aumentando, a taxas cada vez mais elevadas, inclusive nos países ricos. No momento, é possível que as cinzas das nuvens do vulcão Eyjafjallajökull estejam afetando a população da Europa tanto quanto a crise financeira que atingiu a velha Grécia. No caso do Brasil, a dependência eletrônica está levando o governo, em muitos casos, a investir mais em tecnologias de informação do que em programas sociais que podem beneficiar as camadas sociais mais pobres.
É preciso compreender que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) não são as tecnologias mais importantes para os países em desenvolvimento. E-mails, por exemplo, não são mais importantes do que um programa de vacinação, que pode evitar a morte de milhares de pessoas. Também não é um substituto para água potável. No momento atual, o governo parece até negligenciar estes programas de vacinação. É o caso da vacinação da gripe suína no país. É evidente que as TICs têm a sua importância, mas quando utilizadas de forma apropriada e emancipatória.
Ao contrário dos países desenvolvidos, o governo brasileiro se preocupou em vacinar apenas a força de trabalho do país, ou seja, pessoas entre 19 e 39 anos, além de gestantes e crianças até dois anos. Nós, que estamos acima dos 40, estamos entregues à própria sorte, pois, um surto de gripe suína poderá atingir essa faixa etária severamente. E as crianças acima de dois anos, e a juventude, que representam o futuro do país? Não existem recursos para se tentar salvar estas pessoas, mas existem para se investir maciçamente em tecnologias de informação.
A crise financeira que afetou o mundo inteiro, sobretudo a partir do ano passado para cá, levou o mundo desenvolvido a diminuir os investimentos em tecnologia da informação. No Brasil, por incrível que pareça, alguns gigantes do mercado de tecnologia de informação afirmam que o Brasil foi um dos únicos países do mercado globalizado em que a venda de ‘bugigangas’ tecnológicas cresceu no ano de 2009, incluindo aí a participação do governo neste mercado. Isto acontece num momento em que se restringem investimentos na área social, a exemplo do investimento na vacinação da gripe suína (H1N1).
Surpreendentemente, programas sociais desenvolvidos no Brasil durante os últimos anos, destinados a acabar com a fome e inanição, apesar de suas limitações, tiveram o poder de promover o desenvolvimento humano, a exemplo do Programa Bolsa Família e Fome Zero. Não foi à toa que a renomada revista Time, da semana passada, chegou a reconhecer que estes programas estão impulsionando o país rumo ao Primeiro Mundo. Portanto, não foram os elevados investimentos em tecnologias de informação realizados no Brasil que contribuíram para a melhoria de indicadores do desenvolvimento humano.
Um dos projetos de tecnologia de informação, que acaba de ser anunciado pelo governo e que pode alavancar o desenvolvimento humano, diz respeito à internet banda larga. Ao que tudo indica, é um projeto voltado para as necessidades humanas. O grande problema é que as corporações das telecomunicações sempre estão pensando em possíveis consumidores, enquanto o governo está pensando em atender, primeiramente, necessidades. É preciso diferenciar esta questão, de modo que se tenha um projeto de internet banda larga adequado para o país. Do contrário, o projeto poder contribuir ainda mais para aumentar as desigualdades existentes.
Portanto, o determinismo tecnológico está reforçando as desigualdades no Brasil e algumas tecnologias de informação utilizadas no país, a exemplo do voto eletrônico e do cartão nacional de saúde, não contribuíram para a melhoria do desenvolvimento humano, com ampliação de nossa democracia e das condições de saúde da população, reforçando assim desigualdades no país. Tais tecnologias têm reforçado o poder de algumas instituições e o prestígio da elite dominante, porém reduzem a cidadania e fortalecem a agenda das organizações internacionais.
* Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente, é professor visitante no Departamento de Telecomunicações e Estudos da Informação na Michigan State University.
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