Talvez seja mero acaso, mas eis-me aqui neste site de política (!), pelo terceiro ano consecutivo, em plena declaração de amor à mulher (sim, DECLARAÇÃO do dia 8 de março, porque homenagem é algo solene demais para traduzir amor de maneira adequada). Há algum tempo recorro às letras para oferecer loas àquelas que justificam a existência – e foram muitos os anos em que minha devoção fez brotar palavras escritas, algumas publicadas. Ainda que ninguém lesse, eu teria cumprido minha missão: ao menos de mim nasceria a sincera e apaixonada cantilena de idolatria, como flores ofertadas para a flor do campo. Inevitavelmente, alguém pensaria: mero galanteio? Singelamente, eu mesmo respondo: galanteio é coisa mundana, coisa do aristocrata italiano Giacomo Casanova (1725-1798) e/ou do fictício sedutor espanhol Don Juan, e aqui se trata de algo sagrado, o tal do amor incondicional.
Dado o primeiro suspiro, prossigamos. Em “Flores em vocês”, de 2008, e em “Mais flores em vocês”, estão claras a preocupação com o viés jornalístico em um veículo de imprensa e com meu próprio senso de limite. Certo dia, li um comentário de alguém que se dizia “especialista em pagar micos”, e agora imito o sábio ao almejar a leveza de uma confissão despojada e insurgente; lanço-me ao devaneio, pois. (Aliás, para celebrar a descontração e antes que este texto se prolongue, que tal, ao ler, ouvir uma mulher em seu grau máximo de enlevo? Clique aqui e delicie-se. Façamos assim: no transcorrer do texto, músicas cantadas por mulheres)
Ademais, dada a devida satisfação introdutória, vamos às impressões. Sem fantasiar, e em que pese a tristeza destes dias de catástrofe mundo afora, três figuras femininas têm recorrentemente surgido, de uma forma ou de outra, para mim (e todas as homenagens de todos os tempos para elas são muito pouco): Yemanjá, a rainha dos mares; Clarice Lispector (1920-1977), “a” escritora ucraniana-brasileira; e a “menina do pedido de criança”. Sabendo que não se trata de qualquer tema, peço que deste último tratemos mais adiante.
Tudo com “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo”, como diria Walter Franco na voz de Leila Pinheiro. Ratificando a importância da serenidade. Onda a onda, de maneira a marejar os olhos.
Baile dos sonhos
Cada menção à mulher deveria vir acompanhada de uma música – eis mais uma, pois. Unicamente cantada por mulheres, as músicas registradas aqui hão de forjar a competência lírica que me falta. Ninguém há de negar a proficiência das damas. Haveremos de admitir que elas são música pura. Até quando calam em seus mistérios quase insondáveis.
Adiante com o andor, então. Até porque muito já foi dito, sobre a deusa dos oceanos não há muito mais a dizer; só a admirar… e divagar (o devaneio é o recreio do pensamento). Só que em mais de uma ocasião, de dezembro para cá, ela involuntariamente tem se imposto de maneira, digamos, poética ao meu absorto ser apaixonado. Toda iluminada, no melhor canto da melhor festa do Rio de Janeiro – um tal de “Bailinho” –, só que em terras planaltinas e devidamente louvada pelos fiéis de cá. Reinante, acolhida no melhor canto de minha carteira de couro puído – como que a “administrar” ímpetos e obrigações, a imagem sublime aparece a cada investida consumista. Onírica, no pedido à beira-mar depois do réveillon (“como é que se escreve?”, diria Adriana Calcanhoto em “Oito anos”… aproveite e escute).
Certo é que a sereia-mor ressurge, ad infinitum, e está imortalizada, entre tantas manifestações, na voz de gente como Clara Nunes e Marisa Monte. Única, e isso basta para que seja lembrada em todas as declarações de amor, porque únicas também são estas duas mulheres e suas vozes desconcertantes. Ninguém há de contestar a rainha.
Fada
Haveria melhor modo de continuar esta loa se não a reverenciar Clarice, ela que – heresia maior! – ainda não havia figurado de forma especial nas minhas declarações anuais? Analogias à parte, se não foi uma sereia, a escritora foi uma fada das letras, ainda que a tenham insultado em uma reportagem do Estadão dos idos dos anos 1980 (leia mais aqui).
Estava começando a me entusiasmar excessivamente quando, por bem, Clarice acaba de ressurgir em meio à magia do Youtube e seus congêneres internéticos, e graças à paciência tão cara aos jornalistas; alguém aí quer ficar gratamente estarrecida (o) com o texto “Tentação”, na voz adequada e intrigante da atriz Aracy Balabanian?
Urgente por ser atemporal, Clarice vive ressurgindo em relançamentos de suas obras, biografias umas melhores do que as outras, exposições – dia desses, aliás, vi seguranças, que deveriam zelar pelo acervo, conversando aos berros sobre futebol e mulheres quando na sala ao lado era exibida a última entrevista concedida por Clarice, pouco antes de morrer (quer ver? Clique aqui, pulando ou não a boa introdução do apresentador).
Timidamente instalado no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, parte do universo de Clarice não merecia tal tratamento. Mas deste que vos escreve ela só há de receber flores, como a lembrança de uma de suas mais belas frases: “Às vezes, sentimos tanto a falta de alguém que o que mais desejamos é tirar essas pessoas de nossos sonhos e abraçá-la”. Sintam-se todas abraçadas.
A menina de alvo mármore
Toda declaração tem seu alvo. Há forma melhor de atingi-lo que não por meio das letras? Alcançando quase o ápice, lanço mais uma flecha de música, letras acalentadas em melodia. Impossível não reverenciar Norah Jones e seu ar olímpico, e sua voz onírica, e sua doce “mulherice”. São os elementos que me levarão à conclusão deste texto de menino para menina, que ressurge e ressurge…
Falei mais acima da “menina do pedido de criança”. Aritmética simples: não é que Deus atendeu à aspiração de um infante em nobre devaneio? Búzios no tabuleiro-palco, e o que foi um pedido inocente e verdadeiro a Deus, de um menino e seus dez anos de maresia, materializava-se no último dia. Insistirei no devaneio, e desde já peço se desculpas se nada esclareço: se Clarice buscava o inefável, quem sou eu para explicar o indizível? Olhos de mar: é assim que – permissão à amada leitora – quero encerrar este texto.
P.s.: dos escombros do Haiti, brotará para sempre o legado divinal de Zilda Arns;
P.s.2: coincidências existem? Pois hoje, 8 de março de 2010 (véspera de meu aniversário, a propósito…), pela primeira vez em sua história irritantemente excêntrica, já na 82ª edição, a academia concede um Oscar de melhor direção a uma mulher – Kathryn Bigelow, por Guerra ao terror. Precisou de quase um século… Aliás, a ex-mulher de James Cameron, diretor do blockbuster alucinógeno Avatar, também abocanhou o prêmio de melhor filme. Coincidência?
P.s.3: com a permissão de Bilac, Drummond, Vinicius e Pessoas, um poema aprendiz…
Ode
Fábio Góis
Eu a amo não porque é moda, ou porque o sol brilha
Não porque orvalho é a lágrima das flores a ornar a trilha
Muito menos porque a novela é boa
E a menina com seu diário anda rindo à toa
Estava andando sem chão, quando pensei:
Não a amo por capricho do peito
Por ordem expressa do Rei
Nem porque o pulso fraco dos versos respeito
Quase caí ao lembrar: porque meu coração está contigo
Sangue haveria de me faltar?
Abraçado pela saudade, movido a teu beijo prossigo
Não a amo por amar…
Não a amo para receber tua mão em meu cabelo
Nem para dormir sem o cheiro dos teus
Amo-te tanto, ‘e com tal zelo’
Que em mim a razão se perdeu
–
E se ao dormir, tua paz me aprisiona
E eu, feliz, me acorrento à tua boca
Canto com teu sorriso à tona
Com a mesma voz que sussurra rouca
E se, ingênuo, eu te toco mansinho
Com carinho de menino e seu primeiro segredo
Bochechas vermelhas, sorriso no cantinho
Busco em meu ombro, teu pouso logo cedo
Amo-te baixinho, para não espantar as borboletas
Sussurrando ao efeito da lua confidente
Percorro a eternidade montado em cometas
Até o pouso em teu peito quente
–
Já esquecia de reiterar
(o entusiasmo é a arte do primeiro beijo)
Não a amo por dever ou precisar
Mas porque em tudo a vejo
Amo-te qual abraço de oceano em ilha distante
Porque conheço o peso dos mares e amores
E eis que entre todas, apenas tua graça me é bastante
E basta para estancar a traquinagem das dores
Amo-te à revelia da sensatez
Dos poros explodindo a vida em luz
Destinado às rosas, invento jardins em tua tez
Dos teus lábios, extraio o beijo que me traduz
Amo-te porque flores insistem em me mostrar teu rosto
Os ventos a paz de tua pele
Por trazer à saliva de teu beijo o gosto
De toda a natureza, em tu, a essência que se revele.
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