Tales Faria*
Confesso que vi a mídia fazer tanta força para impedir a reeleição do presidente Lula que quase rompi com os ensinamentos anarquistas de meu saudoso pai e fui votar. Mas nessas horas nossa história pessoal fala mais alto, e, mais uma vez, assinei o livro-ponto de Mikail Bakunin, George Orwel, Daniel Guérin e tantos outros. Não fui votar, como tenho feito desde 1989.
O povo brasileiro, no entanto, nada tem a ver com essas ideologias e foi às urnas. Elegeu Lula contra os ditames dos chamados formadores de opinião. Colocou em cheque a "teoria da pedra no lago", segundo a qual as grandes tendências de opinião pública formam-se a partir de um núcleo de formadores de opinião, em geral, um grupo remediado financeiramente e intelectualizado.
O povão não deu bola e reelegeu Lula. Agora cabe ao presidente reeleito corresponder às expectativas. E é aí que mora o problema. Lula corresponderá tão mais às expectativas quanto melhor entender o que disse o povo ao reelegê-lo. Mas tem uma leitura aí perigosíssima, que dizem que ele pode estar fazendo: "Sou ótimo. A elite tentou apear-me do poder e se deu mal. O povo está pouco ligando para essa coisa de ética. Aprovou meu governo e, portanto, não preciso mexer em time que está ganhando. Também não devo nada a ninguém, pois parte dos governadores foi eleita graças a mim".
No meio da campanha, com tantos problemas que surgiram, todas as minhas fontes disseram que Lula não estava pensando assim. Que no segundo governo iria corrigir os erros do primeiro, sobretudo os de seu partido, o aloprado PT. E também o relacionamento com o Congresso, principalmente com o PMDB. Que estava mais humilde. E pronto para dar um guinada desenvolvimentista na política econômica.
Vamos lá. Primeiro, o PT não está disposto a abrir mão do poder tão facilmente, especialmente o grupo do ex-ministro José Dirceu, que ainda detém bastante força no partido. O verdadeiro recado das urnas sobre esse assunto é que o povão acredita que Lula vai acabar com os aloprados, mudar o partido e mudar a relação dele com o governo.
Depois, quanto à base parlamentar e o PMDB: ou Lula faz a reforma ministerial imediatamente, ou vai arrumar uma bruta encrenca para seu segundo mandato. Mas o presidente não é afeito a resolver esses problemas assim. Costuma cozinhar tudo em fogo brando. Pode acabar irritando o PMDB, fritando os ministros que nem sequer foram convidados, e fritando os que ainda estão no cargo. Se ele achar que o recado das urnas foi o de que deve continuar com seu jeito de empurrar com a barriga essas negociações parlamentares, vai dar com os burros n’água. Pode estragar todo o seu governo!
PublicidadeTerceiro: a política econômica. Os afoitos já andam falando em afrouxar os freios sobre a inflação. O povão não votou em Lula para a inflação voltar. Essa história de crescimento todo mundo quer, mas não pode ser à custa do afrouxamento da inflação, porque ela penaliza exatamente as camadas mais pobres da sociedade, aquelas que deram sustentação a Lula durante seus piores momentos. Se ele deixar voltar um pouquinho só que seja a inflação, vai perder o apoio do povão, pode estar certo!
Ou seja: Lula foi reeleito, mas viva um novo Lula! Mais modesto. E que, principalmente, ele não saia das eleições pensando que ganhou o direito de continuar errando.
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