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Pelo menos 40% dos cerca de 463 mil candidatos ainda não declararam qualquer tipo de repasse para financiamento de campanha, como aponta a plataforma 72horas, com base em dados parciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo dados do tribunal de sexta-feira (27), ao todo, 463.367 candidaturas foram registradas. Até sexta-feira (30), apenas 274.883 haviam declarado ter recebido recursos. Juntos, eles contabilizam R$ 5,4 bilhões em financiamento. Pela legislação eleitoral, cada candidatura tem até 72 horas para informar o recebimento de recursos.
Os valores parciais levantados pela plataforma são oriundos de três modalidades de financiamento: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido também como fundo eleitoral ou fundão, que tem a previsão de R$ 4,9 bilhões ao todo para o pleito deste ano; o fundo partidário, que é composto de valores repassados aos partidos, estimado este ano em R$ 1,1 bilhão; e “outros”, que reúne doação direta, financiamento coletivo e autofinanciamento.
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Os números foram apresentados e discutidos em live realizada nesta segunda-feira (30) pelo Congresso em Foco, com Drica Guzzi e Amanda Brito, da plataforma 72horas. Cofundadora da plataforma, Drica explica que as eleições municipais, diferentemente das eleições gerais, têm uma explosão de candidaturas “espalhadas”. Assista à live acima, conduzida pela editora Louise Freire.
“Esta é uma eleição muito diferente da de 2022. As eleições municipais são muito ‘espalhadas’. A gente tem praticamente 464 mil candidaturas, então é muito pulverizada. O que acontece é que muitas candidaturas ou o dinheiro chega no final do pleito, o que não adianta nada, ou não chega. O que me chama muita atenção é que a gente já está a uma semana do primeiro turno e 40% das candidaturas não receberam nenhum tipo de recurso. Não dá para fazer uma campanha, por mais barata que seja, sem dinheiro”, explica a cofundadora da plataforma.
PublicidadeA estrategista e relações institucionais do 72horas, Amanda Brito, lembra que a divisão de recursos dentro de um partido depende muito da estratégia que a sigla decide seguir. “O que a gente precisa lembrar é que partidos são instituições privadas, então eles criam a própria estratégia político-eleitoral”, disse. “Dentro dessa estratégia, eles fazem a distribuição de recursos dos fundos. Lembrando, nosso nome é 72Horas por causa do prazo que as candidaturas têm para declarar (o recebimento de recursos)”, ressaltou Amanda.
Cotas partidárias
A legislação eleitoral estabelece, desde 1997, que ao menos 30% das candidaturas sejam preenchidas por mulheres. Em busca de evitar que as siglas usem a norma para driblar a exigência, a lei determinou que os recursos fossem distribuídos de maneira proporcional entre as candidaturas.
Em 2022, essa exigência foi incluída na Constituição, estabelecendo que ao menos 30% dos recursos de financiamento de campanhas e do tempo de propaganda eleitoral devem ser reservados para mulheres.
“Lembrando que esses 30% eram para ser mínimo, o que está acontecendo é que ele vira teto. A maioria dos partidos colocou 33% de mulheres, 34%, 31%, 30%. A gente não passa muito disso. Tem alguns partidos com um pouco mais, mas em sua maioria é isso. E o dinheiro tem que ser proporcional também. Então, a verba do FEFC (fundo eleitoral) também tem que ir nessa proporcionalidade. Só que essa distribuição não se dá de forma equitativa ou minimamente equilibrada. Tem muitas candidatas que não recebem nada, enquanto tem muitas que recebem muito. O partido é que decide como vai distribuir, só tem que respeitar essa questão das cotas”, comenta Drica.
Em agosto, o Congresso mudou a Constituição, com a chamada PEC da Anistia, para prever um tipo de “perdão” para condenações relacionadas à devolução de recursos públicos e multas impostas aos partidos por irregularidades na prestação de contas. Na prática, segundo especialistas, a anistia beneficia partidos que ignoraram a aplicação das cotas de gênero e raça.
Para Amanda Brito, há uma falta de desejo ou de empenho para cumprir a cota. Segundo ela, a estratégia da legenda em relação aos recursos deve ser observada pelos candidatos, antes de assumirem a campanha, e pelos eleitores.
“A partir da filiação mesmo. Se você entende que terá um budget (orçamento) ‘x’, porque você filia mais de forma que esse dinheiro fique pulverizado? É preciso sempre olhar a estratégia do partido. Até mesmo antes, quando as candidaturas recebem o convite, acho que deve ser algo avaliado. Porque tem R$ 4 bilhões, partido ‘x’, ‘y’ e ‘z’ recebem um valor. Bom, dentro daquele valor o partido vai distribuir de forma igualitária – é o que se imagina –, respeitando a cota, mas que vai distribuir de uma forma igualitária. Não é isso que ocorre. É preciso entender a estratégia de cada partido até mesmo antes de dizer seu sim para se candidatar. E do ponto de vista do eleitor, observar isso também”, pontua Amanda.
“Nós estamos falando aqui de R$ 6 bilhões (soma dos fundos eleitoral e partidário). Semana passada, o governo investiu R$ 6 bilhões no setor aéreo, ou seja, o montante de campanha pode colaborar com um setor inteiro do nosso país. Então, será que não é preciso acompanhar isso mais de perto e entender essa dinâmica melhor?”, questiona ela.
Candidaturas fictícias
O baixo ou nulo financiamento de determinadas candidaturas, tal qual a tentativa de burlar as cotas para mulheres e negros, pode ser indicativo de candidaturas “laranjas”, isto é, candidatos de fachada.
A prática pode ser usada, ainda, para desviar recursos do fundo eleitoral. Dessa forma um candidato concorre às eleições sem intenção ou possibilidade de ser eleito. As candidaturas laranjas, ou fictícias, como define Drica Guzzi, muitas vezes são associadas às mulheres na política justamente por ser empregada por partidos numa tentativa de driblar as cotas.
“Violência de gênero também é aquela história de dizer que (candidata) mulher que é laranja. Existem candidaturas fictícias em todos os gêneros, não é um recorte. Então, quando se diz que uma mulher é laranja, isso para mim é violência de gênero”, avalia Amanda.
“Sabemos que o cenário é o contrário desse. Lembrando, candidaturas fictícias, vamos chamar assim, tem várias modalidades. Muitas vezes têm candidaturas que sabem que são fictícias e topam entrar nesse jogo. Só que tem muitas candidaturas que não sabem que são fictícias, fazem uma campanha sem nenhum tipo de suporte e continuam achando que não são fictícias para o partido”, complementa Drica.
A cofundadora da plataforma 72horas destaca que, há menos de uma semana do primeiro turno nos municípios, é comum que as siglas liberem recursos que estavam represados. “Mas aí tem um grande perigo – que a gente alerta muito as candidaturas – que é não faça dívida, porque você pode não receber o que foi prometido. E isso acontece na maioria dos casos”, alerta Drica.
Parceria
No último dia 13, o Congresso em Foco e o 72horas.org deram início a uma parceria que pretende dar maior transparência e controle social sobre a distribuição dos recursos que vão pavimentar a eleição dos representantes municipais. O dinheiro ou a falta dele pode ser determinante para o resultado eleitoral. Fiscalizar e dar transparência à distribuição e à utilização desses recursos são ações de cidadania em um país onde mulheres, negros, pretos e indígenas são sub-representados nas esferas de poder diante da histórica super-representação branca masculina.
Drica Guzzi é co-fundadora do 72horas.org, plataforma de educação política para a participação no processo eleitoral, a partir da transparência de dados da distribuição dos recursos públicos declarados pelas candidaturas. É mestra e doutora em Comunicação e Semiótica tendo como foco de pesquisa a apropriação dos meios de comunicação e as novas práticas políticas em rede. Ela também coordena pesquisas, palestras, projetos e consultoria nas áreas da Inclusão, Educação, Cultura Digital, Redes e Estudos do Futuro.
Com uma carreira voltada para a gestão estratégica e a diversidade, Amanda Brito atua como Board Member na Diversity on Boards, onde contribui para a inclusão e diversidade em conselhos empresariais, Além de atuar como estrategista de negócios, ela ministra palestras abordando temas como gestão de negócios, liderança e política. Amanda é graduada em Relações Internacionais com especialização em Economia e Negociação Internacionais.