A invenção vem da imaginação e a imaginação é um labirinto em que o difícil não é a saída, é a entrada” Rubem Fonseca
Em primeiro lugar, ele é um dos meus dois escritores brasileiros de sustentação (o outro é Machado de Assis meio óbvio, mas infelizmente até gente criativa não tem outro jeito senão ser óbvia). Hemingway dizia que elogio frontal é ofensa, contudo, ao lado de Machado, Zé Rubem é o maior escritor brasileiro, de forma que então não é um elogio, mas um fato.
Naturalmente tem gente que vai bronquear, que merda, o maior também ao lado de Machado é Guimarães Rosa mas aí é que entendo o que Mário de Andrade quis dizer quando escreveu que Uma grande literatura não é feita de gênios, porque gênio dá em qualquer lugar, até no deserto de Gobi.
Porque Rosa é isso: um gênio poético e um bocado isolado, diga-se, que não gera outro salvo imitadores de quinta. Esta é uma das mais nefandas consequências provocadas pelo gênio, outra são as malditas teses acadêmicas, dezenas, milhares, uma porrada delas, gerando, por sua vez, zilhões de álibis perfeitos para ninguém se arriscar a quebrar a cara, nem estudar os outros autores. E eu continuo dando razão a Mário: Porque uma grande literatura é feita de muitos escritores. Pequenos, médios e grandes. Na classificação de Ezra Pound, inventores, mestres, beletristas e diluidores.
Já para Silviano Santiago (no artigo Sessenta Anos de Modernismo, 1983), de 1922 a 1982, são quatro os romancistas (brasileiros) que conseguem ficar em pé, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa e, talvez, Clarice Lispector. OK.
Silviano fala em romancistas, mas prefiro outra divisão: poetas e prosadores. Naturalmente pensando na diluição dos gêneros, sem contar a marketização do romance. E bota aí também João Ubaldo Ribeiro, meus sinceros respeitos.
Voltando ao Zé Rubem: Silviano falava dos modernos mas acontece que, a rigor, RF é considerado pós-moderno, classificação das mais pernósticas mas não tenho outra. Lembro que Pierre Bourdieu pontifica que quem consagra um escritor são os outros, seus pares. De pleno acordo. Pois todos, absolutamente todos os autores da geração de 70/80, eminentemente urbana e pós-tudo, beberam nas fontes da prosa fonsequiana, incorporando elementos do seu estilo conciso, limpo, violento, brutalista, cínico, obsceno, letal.
Porque ele precisava existir, alguém precisava botar a mão na massa (a palavra seria merda) e fazer emergir as mil caras deste Brasil urbano, paradoxal e simultaneamente tão desumano porque demasiado humano, criando personagens com dois ou três traços (como Machado, até porque para Capitu bastaram os olhos de maresia) e sobretudo urdindo tramas cujas costuras não são visíveis.
Esse estilo é sua marca registrada e essa concisão formal, essa linguagem violenta tem como primeiro destinatário o leitor quase sempre de touca, desavisado, distraído,indefeso e é esse cara quem sofre seu impacto. Para mim e meus companheiros de geração, a leitura de Feliz Ano Novo (1973, e também O Cobrador, 1979, todos os Mandrakes!, etc.etc.etc. )foi um tsunami que varreu consigo de uma vez por todas e para sempre todas as frescuras e anquinhas parnasianas que ainda abundavam na nossa Literatura, aliás, via de passagem privilegiada da hipocrisia social brasileira uma vez que escritores,intelectuais e quejandos ainda eram, como sempre foram e ainda são, sinônimo de ornamento crítico da sociedade, e consequentemente, pilares de sustentação e manutenção de uma das sociedades mais desiguais e injustas do mundo.
Uma última característica, tão importante quanto as outras, uma vez que neste aspecto, pra mim, ele é um caso raro: Zé Rubem que é de 1925, tem vinte e cinco livros publicados e, desde o primeiro Os Prisioneiros (1963) ao último O Seminarista (2009) mantém a mesma altíssima qualidade literária, o mesmo estilo, sem incorrer em repetições ou fórmulas gastas.
Ao contrário de Garcia Marquez ou Vargas Llosa, por exemplo, cuja prosa recente já não dá mais pra ler. Que eu me lembre, ficcionistas recentes que mantiveram o mesmo alto nível até a morte foram Borges, Cortázar (e este meio que não vale porque morreu aos 70, muito cedo para um prosador), Rosa (também não vale, morreu cedíssimo) e, é claro, o bruxo de Cosme Velho. Mas este, como todos sabem, ainda escrevia de luvas.
De forma que, na categorização de Pound (e modestamente na minha), Rubem Fonseca é um mestre absoluto. Mas sem luvas.
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