“Salário de professor da rede pública é equiparado ao de juízes.” Já imaginou uma manchete dessas estampando os jornais e abrindo os telejornais do Brasil? Absurdo? Infelizmente, sim, pelo menos hoje em dia.
Ainda mais depois de o país levar mais um “cruzado de direita” na cara com a verdadeira manchete da semana passada: a aprovação, pelo Congresso, do reajuste salarial de 16% aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O percentual equivale a R$ 6 mil de aumento – de R$ 33 mil para R$ 39 mil – ou seis salários mínimos, que aliás chegará a R$ 1 mil no ano que vem, segundo a proposta orçamentária em discussão no Congresso, um aumento de cerca de 5%. O novo valor, resultado do reajuste, é mais de 15 vezes o piso do professor, que não chega a R$ 2,5 mil.
A quantidade de comparações para demonstrar o contrassenso do reajuste do Judiciário é insana e nem cabe aqui listar o tamanho da distorção. Muito além de gerar um efeito cascata que pode consumir R$ 4 bilhões anuais dos cofres públicos, o reajuste para o STF coloca sobre a mesa o tamanho da desigualdade social e de valores no país.
A referência que a maioria de nós tem do salário dos educadores é uma piada. Vem do genial Chico Anysio e seu “professor Raimundo” o bordão “E o salário… ó!”, sempre dito após respostas surreais de alunos pouco ortodoxos e com o famoso gesto de “dinheiro curto”.
Antes fosse apenas uma piada. Mas é a mais pura verdade, lamentavelmente. E o aumento para os supremos ministros expõe as vísceras da desigualdade brasileira. Explica muito o fato de o salário do juiz ter como referência um teto, ou máximo, e o salário do professor ter como referência um piso, ou mínimo. Ou seja, juiz tem salário máximo. Professor tem salário minimo.
Ninguém está contestando o valor dos juízes da Suprema Corte, mas o tamanho da diferença entre os valores destinados a eles e àqueles que dedicam a vida a ensinar e, por consequência, a construir cidadãos, a gerar cidadania.
É legal valorizar os juízes. Mas seria muito mais legal valorizar, antes, com prioridade absoluta, os professores. Foram eles, inclusive, que ensinaram aqueles que acabaram se tornando juízes, promotores, administradores, gestores, jornalistas, engenheiros e todos os que tenham tido a sorte e a oportunidade de frequentar uma escola.
Não faltam estudos para mostrar a importância da educação para qualquer sociedade bem sucedida e desenvolvida. Está no ensino o segredo do sucesso que todo gestor gostaria de conhecer desde o berço, mas que só consegue atingir com muito estudo e trabalho.
Seria de se esperar, portanto, que qualquer Nação que se pretenda grande e relevante investisse em educação muito mais do que em qualquer outra área.
Em infraestrutura, em material, em equipe, em tecnologia, mas sobretudo na valorização do professor. Não apenas para recompensar quem está diariamente enfrentando todas as adversidades possíveis e imagináveis em sala de aula, mas também – e principalmente – para atrair à profissão estudantes que hoje acabam escolhendo outras áreas vislumbrando salários melhores, o que, definitivamente, não acontece com a docência.
É por aí o caminho do desenvolvimento. E a partir daí, atingir uma cidadania plena em que a família mais pobre do país tenha condições para garantir alimentação, moradia, educação, saúde, transporte e lazer a todos os seus integrantes. No entanto, o Brasil hoje parece resignado ao fato de persistir há anos em listas de sociedades com grandes desigualdades sociais. Se levarmos em conta que isso acontece por falta de oportunidades, que por sua vez acontece por falta de qualificação, que por sua vez acontece por falta de escola, que por sua vez, na maioria das vezes, acontece por falta de opção.
E a janela se abre para alternativas que não seriam opção de ninguém com condições de cidadania plena, ou seja, o tráfico de drogas e armas, o roubo, a criminalidade.
Quando uma sociedade tem um nível educacional alto, a criminalidade cai, o investimento em segurança deixa de ser tão fundamental, uma nova escola passa a ser mais importante que um novo presídio. E estaríamos caminhando para uma nova realidade, em que todos os brasileiros teriam oportunidades e condições de vida, sem privilégios nem distorções tão espantosas.
De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os 5% mais ricos do Brasil respondem por 45% da desigualdade social. E de acordo com a Oxfam, ainda mais surpreendente, seis pessoas concentram uma riqueza equivalente à soma da riqueza dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. Os 5% brasileiros mais ricos têm o mesmo que a soma dos 95% mais pobres. E 0,1% da população brasileira recebe por mês o que quem vive de salário mínimo levaria 19 anos para conseguir.
A única saída para mudar essa realidade é a educação. Mas parece que não é esta a prioridade dos nossos dirigentes. E a aprovação, pelo Congresso, de um aumento salarial para juízes que ultrapassa qualquer limite do bom-senso, com a contrapartida uma política de desvalorização do professor, dá sinais de que pouco se pode esperar do nosso futuro.
A não ser que uma mudança radical aconteça a ponto de transformar em realidade a manchete que abre este artigo.
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