O chamado “voto distrital” é uma das bandeiras favoritas dos defensores da reforma política. Todos parecem ser favoráveis à sua adoção. O problema é que ninguém nunca explica direito o que ele significa. E “voto distrital” pode significar muitas coisas diferentes. Essa confusão acaba transformando uma simples regra eleitoral numa grande miragem.
A rigor, o debate sobre a reforma política nunca se pautou pela precisão terminológica. Em 1993, chegamos ao cúmulo de realizar um plebiscito sobre sistema de governo no qual a campanha a favor do parlamentarismo propunha, na verdade, um sistema híbrido conhecido como semi-presidencialismo (análogo aos existentes na França e em Portugal). O resultado não poderia ser diferente. A alternativa presidencialista foi amplamente vitoriosa.
Se pedirmos a dois ou três defensores do “voto distrital” para que descrevam esse sistema, rapidamente nos daremos conta de que eles podem estar falando de sistemas eleitorais completamente diferentes. O fato é que a própria expressão induz a erros. A rigor, todo voto é distrital.
Na ciência política, “distrito” é o termo usado para designar a circunscrição eleitoral dentro da qual uma determinada eleição é realizada. Assim, o território nacional inteiro é um único distrito nas campanhas presidenciais brasileiras. Numa eleição para governador, cada estado da federação é um distrito independente dos demais. Numa eleição para prefeito, os distritos são os municípios. No Brasil, os deputados federais (e estaduais) também são eleitos em pleitos que têm como distritos os estados.
O fato de que, em cada estado, a maioria dos parlamentares tenha a sua votação concentrada numa determinada região ou num determinado conjunto de municípios não os transforma necessariamente em deputados “distritais”. Nesses casos, estamos falando meramente de redutos eleitorais, e não de distritos. Redutos são uma espécie de circunscrição voluntária, que permite aos eleitores combinar-se espontaneamente. Distritos são circunscrições determinadas a priori pela legislação eleitoral.
Um exemplo familiar pode ajudar a visualização da diferença. Nas eleições para a Câmara, o estado do Rio de Janeiro é um distrito único, que elege 46 deputados federais. Alternativamente, também seria possível dividir o território fluminense em 46 distritos independentes, cada um elegendo um único deputado federal. As possibilidades são infinitas e não param por aí. O estado também poderia ser dividido em 23 distritos de 2 deputados cada, em 2 distritos de 23 deputados, ou ainda em 11 distritos de 4 deputados (com mais 1 distrito de 2 deputados).
Provavelmente, a maioria dos defensores do “voto distrital” tem em mente um sistema no qual os deputados seriam eleitos em distritos de um só representante. Porém, mesmo neste caso, podemos estar falando de sistemas diferentes. No voto distrital “puro” (EUA), todos os deputados são eleitos em distritos uninominais. Mas há também o voto distrital “misto” (Alemanha), no qual apenas uma parte (normalmente a metade) dos deputados é eleita em distritos de um só representante.
Mas não podemos nos esquecer de que as principais virtudes alegadas do “voto distrital” poderiam ser igualmente obtidas em distritos eleitorais plurinominais (com 2 ou 3 deputados cada, por exemplo). Tais circunscrições eleitorais também permitiriam uma maior aproximação entre representantes e representados, também assegurariam a representação legislativa de todas as regiões dos diferentes estados, e também reduziriam a fragmentação partidária.
Portanto, para que o debate sobre o “voto distrital” prospere e se torne mais sério, será preciso primeiro se chegar a um acordo sobre qual tipo de voto distrital nós estamos falando. Mas, a julgar pela pouca clareza terminológica de seus próprios defensores, parece que essa expressão caminha mesmo a passos largos para se manter eternamente no reino das miragens políticas.
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